O segundo turno das eleições e a economia
Antonio Corrêa de Lacerda
O Estado de S.Paulo, 07 de outubro de 2010
A realização do segundo turno nas eleições presidenciais deve favorecer o debate econômico. Definida a eleição para o Legislativo e, ainda em 17 importantes Estados, para governadores, isso vai ampliar o foco nas eleições presidenciais e abrir espaço para uma discussão mais aprofundada, especialmente dos problemas econômicos e das alternativas de políticas públicas.
A solidez da base macroeconômica, que combina uma economia em crescimento com inflação controlada, contas públicas administradas e o conforto de um nível recorde de reservas, tem sido importante fator para a calmaria observada no mercado, ao contrário de eleições passadas. Também há um claro amadurecimento do processo democrático, denotado por perfis de candidaturas que representam partidos e coligações com experiência executiva, o que tende a minimizar o fator incerteza.
No entanto, se há estes progressos evidentes, isso não quer dizer que não haja problemas a serem enfrentados na área macroeconômica. Muito pelo contrário, a sustentabilidade do quadro atual somente será viabilizada com mudanças profundas. A falta de "senso de urgência" para as grandes questões tem levado a certa letargia do debate eleitoral. Temos uma nova oportunidade de aprofundar o debate e essa questão não se deve restringir aos candidatos e partidos. As entidades representativas da sociedade, assim como a mídia, devem provocar e estimular mais a discussão dos grandes temas nacionais, assim como as alternativas de políticas.
No que se refere à macroeconomia, embora seja inegável a contribuição do "tripé" superávit fiscal primário, sistema de metas de inflação e regime de câmbio flutuante, que está completando 12 anos de implementação, ainda há muito a ser alterado ou aperfeiçoado. A mudança é mais de ordem qualitativa, mas isso vai exigir a tomada de decisões, sob o risco de a inércia nos levar a uma crise em futuro próximo.
A questão fundamental é ampliar o investimento em infraestrutura e capacidade produtiva para sustentar o crescimento econômico futuro. Isso somente será viável com uma mudança profunda na política econômica. O Brasil enfrentou bem os desafios impostos pela maior crise da economia internacional desde a grande depressão dos anos 1930 do século passado.
Isso foi possível, primeiro, porque a economia brasileira diminuiu significativamente a sua histórica dependência externa de petróleo e recursos financeiros e, segundo, porque pôde contar com e soube utilizar o peso dos bancos públicos e das empresas estatais para implementar medidas que compensaram a queda da demanda internacional, assim como a carência de crédito.
No entanto, apesar desse reconhecimento, há uma acomodação no que se refere à política monetária, excessivamente calcada nos juros elevados, e uma política cambial ainda muito passiva. Ambos os aspectos combinados propiciam um verdadeiro paraíso para arbitragem especulativa no Brasil, em meio a um quadro internacional de baixas taxas de juros e de "guerra cambial".
Para o sistema produtivo se trata de uma combinação catastrófica, por atrofiar o investimento, desestimular as exportações de maior valor agregado e subsidiar importações. Não apenas de maquinário e matérias-primas, como alegam alguns, mas de uma série de produtos que acabam substituindo produção, emprego, renda e tributos locais.
A consequência é que estamos diante de um processo gradual de desindustrialização e um crescente déficit em conta corrente do balanço de pagamentos, que deve atingir US$ 50 bilhões este ano e dobrar em alguns anos, se não houver mudança na política econômica. O que não se restringe exclusivamente à política cambial, mas precisa ser respaldado nas políticas monetária e fiscal. Não estamos diante de uma tarefa fácil, mas de uma tarefa cuja resolução será menos custosa se houver determinação.
ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNICAMP, É PROFESSOR DOUTOR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-SP
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