Os 20 anos do Mercosul
Editorial - O Estado de S.Paulo
29 de março de 2011
Passados 20 anos desde a assinatura do Tratado de Assunção, que o criou, o Mercado Comum do Sul (Mercosul) é um arremedo do que poderia ter sido e do que se esperava que fosse. Na forma, alcançou a condição de união aduaneira, etapa superior da integração econômica e comercial dos países que o compõem, com a livre circulação de mercadorias e serviços entre eles. Mas, na realidade, é apenas uma caricatura dessa condição, pois a Tarifa Externa Comum, que caracteriza esse tipo de associação, é cheia de exceções e com frequência alguns dos membros do bloco impõem restrições e barreiras à entrada de produtos originários dos demais. Atitudes desse tipo enfraquecem o bloco, mas, mesmo assim, foram toleradas por outros governos, especialmente o de Lula.
Quando de sua assinatura pelos presidentes da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai, no dia 26 de março de 1991, o Tratado de Assunção representava a busca de maior integração econômico-comercial entre esses países e o reencontro deles com a democracia. O Mercosul é a expressão desse reencontro e "a demonstração da capacidade conjunta dos quatro países de sobrepor a diferenças do passado uma agenda compartilhada de valores e interesses comuns", afirmaram os ministros de Relações Exteriores da Argentina, Héctor Timerman, do Brasil, Antonio Patriota, do Paraguai, Jorge Lara Castro, e do Uruguai, Luis Almagro, em artigo conjunto publicado sábado no Estado.
As exportações totais do bloco passaram de US$ 49 bilhões em 1999 para US$ 280,4 bilhões em 2010. Nesse período, as exportações entre os países que compõem o bloco passaram de 9% para 15,7% das exportações totais desses países. O bloco também propiciou investimentos de empresas brasileiras nos demais países do bloco, e vice-versa, o que estimulou o desenvolvimento de atividades agropecuárias e industriais na região. No plano político, o Mercosul desempenhou papel relevante na contenção de tentativas de golpes de Estado no Paraguai, em 1999 e em 2000.
No entanto, no campo comercial, muito pouco das esperanças geradas à época da assinatura do Tratado se concretizou. O que poderia ter sido, para o Brasil e para os demais sócios, um poderoso instrumento de estímulo ao crescimento da economia regional e de fortalecimento do bloco nas negociações internacionais tornou-se, em muitas situações, um peso morto, um obstáculo a essas negociações. Pelo fato de o Mercosul ser formalmente uma união aduaneira, seus membros não podem assinar, isoladamente, acordos de livre comércio com outros países ou outros blocos.
Em raras ocasiões, os dois principais países do bloco, Brasil e Argentina, conseguiram acertar suas posições nas negociações internacionais. Numa delas, conseguiram enterrar o projeto de constituição da Área de Livre Comércio das Américas, que, bem negociada, criaria mais oportunidades de acesso ao maior mercado de consumo do mundo, o americano, sem expor o setor produtivo local a uma concorrência predatória.
Por causa das diferenças de interesses comerciais entre os sócios do Mercosul, são muito poucos os acordos concluídos pelo bloco. Entre outros, o Mercosul tem acordo de livre comércio com Israel e tratado de preferências fixas com a Índia e a África do Sul. Há anos negocia um acordo de livre comércio com a União Europeia, o que pela primeira vez lhe daria acesso mais fácil a uma fatia expressiva do mercado dos países industrializados, mas, mais uma vez, as negociações estão emperradas.
Para a consolidação e a expansão do bloco, pior do que as dificuldades para se chegar a um ponto comum entre os sócios para a conclusão de acordos comerciais é a insistência com que o governo da Argentina recorre a medidas protecionistas que impedem ou retardam a entrada no país de produtos originários dos demais membros do bloco.
Sem ter contribuído, como poderia, para a maior inserção do bloco no mercado internacional, nem para aumentar a competitividade de cada um de seus sócios, o Mercosul ainda precisa justificar sua existência.
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