Explicações pouco explicativas...
Eu sempre procuro entender, mas não sei se consigo: a gente se opõe a bombardeios aéreos de um lado, contra alvos militares designados, porque existe um risco de civis serem vítimas. Mas, e as vítimas que eram alvo de outros bombardeios, antes? Não temos nada a dizer, a não ser lamentar? Acho que os mortos não vão reclamar da posição brasileira...
Paulo Roberto de Almeida
Itamaraty minimiza abstenção
Demétrio Weber - O Globo
BRASÍLIA. O Itamaraty minimizou ontem o impacto que a abstenção brasileira na votação do Conselho de Segurança da ONU que autorizou o uso de força militar na Líbia terá no encontro deste sábado entre a presidente Dilma Rousseff e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. O EUA queriam a licença para uma ação militar e foram um dos dez países a votarem a favor. O Brasil absteve-se, ao lado de Alemanha, China, Índia e Rússia.
O porta-voz do Itamaraty, ministro Tovar Nunes, afirmou que a posição brasileira no Conselho de Segurança da ONU não causou surpresa e que, de praxe, o país não apoia ações que ponham em risco a vida de civis. Ele negou que a abstenção brasileira, na quinta-feira, vá interferir nos rumos da conversa deste sábado:
- De forma alguma cria qualquer tipo de atrito ou constrangimento, pelo fato de as posições serem conhecidas de parte a parte. Não houve surpresa nenhuma - declarou o ministro Tovar Nunes. - O Brasil não tenciona apoiar ação militar que coloque em risco população civil - acrescentou
Mais cedo, em entrevista à Rádio CBN, o porta-voz afirmou que o motivo da abstenção do Brasil foi o texto da resolução aprovada. Ele enfatizou, contudo, que o país não votou contra a resolução:
- A razão principal é o texto da resolução. As medidas previstas vão muito além do que o Brasil acha necessário neste momento. A resolução abre caminho para ações militares e nosso entendimento é que o primeiro passo a ser dado é o fim da violência, a cessação das hostilidades.
Para embaixadora, há riscos para civis
Anteontem, a embaixadora Maria Luiza Viotti, que chefia a missão brasileira na ONU, apontou o trecho do texto que desagrada ao Brasil. Trata-se do "parágrafo operativo 4", que diz que os países poderão tomar "todas as medidas necessárias", à exceção do envio de uma força de ocupação estrangeira, para proteger a população civil da Líbia, inclusive na cidade-símbolo dos rebeldes, Benghazi.
- Estamos também preocupados com a possibilidade de que tais medidas tenham os efeitos involuntários de exacerbar tensões no terreno e de fazer mais mal do que bem aos próprios civis com cuja proteção estamos comprometidos - disse a embaixadora.
Segundo Tovar, o conflito na Líbia será um dos assuntos na conversa de a presidente Dilma e Obama. Ele observou, porém, que isso ocorreria de qualquer maneira, com ou sem a votação de anteontem no Conselho de Segurança.
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Risco para civis levou à abstenção do Brasil
Gustavo Chacra - O Estado de S.Paulo
Para Itamaraty, medidas da resolução da ONU podem ""exacerbar as tensões no terreno""
Diferentemente do voto contrário às sanções ao Irã, no ano passado, desta vez a abstenção brasileira não teve motivação política. A decisão de não apoiar o texto foi resultado da avaliação do Itamaraty de que a resolução pode trazer mais riscos do que benefícios para o fim do conflito na Líbia.
A própria embaixadora Maria Luiza Viotti deixou claro a posição ao explicar o voto brasileiro. "Não estamos convencidos de que o uso da força, como dispõe o parágrafo operativo 4 (OP4) da presente resolução, levará à realização do nosso objetivo comum, o fim imediato da violência e a proteção de civis. Estamos também preocupados com a possibilidade de que tais medidas tenham os efeitos involuntários de exacerbar as tensões no terreno e de fazer mais mal do que bem aos próprios civis com cuja proteção estamos comprometidos", disse a diplomata brasileira na ONU.
Os diplomatas brasileiros buscam deixar claro que não estão ao lado de Muamar Kadafi. É uma situação distinta da do ano passado, quando o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva viajou para Teerã para se reunir com seu colega iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. Também não houve divergência como em fevereiro, quando outra resolução contra a Líbia foi aprovada.
Na ocasião, o Itamaraty considerou hipócrita a inclusão de um parágrafo pelos EUA, que buscava, indiretamente, isentar cidadãos americanos da jurisdição do Tribunal Penal Internacional - assim como os líbios, Washington não é signatário do Tratado de Roma, que regula a corte.
Líbano. A votação de ontem chamou a atenção por ter colocado os quatro integrantes do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) no grupo dos que se abstiveram. Apesar da coincidência, não houve uma tentativa coordenada desses países para se contraporem a americanos, britânicos e franceses.
A abstenção da Alemanha, que tradicionalmente se coloca ao lado dos americanos e de outros europeus, também contribuiu para que não houvesse uma especulação de racha entre as potências do Ocidente e os países emergentes.
O envolvimento do Líbano na elaboração e aprovação da resolução foi um dos mais destacados. Com um governo considerado hostil pelos EUA por ter membros do Hezbollah, classificado como terrorista pelos americanos, Beirute atuou ao lado de Washington, Paris e Londres.
A posição firme contra Kadafi não foi apenas por causa do consenso na Liga Árabe. Os libaneses, em especial o Hezbollah, consideram o líder líbio responsável pelo desaparecimento, em 1978, de Musa al-Sadr, uma das maiores lideranças xiitas da história do Líbano. Agora, para os libaneses, chegou a hora de se vingar de Kadafi.
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A covarde omissão do Brasil
Clóvis Rossi - Folha de S. Paulo
Itamaraty recusa-se a defender o direito à vida na Líbia; abstenção difere de votos anteriores na ONU
FOI COVARDE a atitude da diplomacia brasileira de abster-se na votação da zona de exclusão aérea na Líbia.
As explicações dadas depois pelo chanceler Antonio Patriota e por seu porta-voz, Tovar Nunes, tornaram ainda mais patética a covardia de não dizer nem sim nem não.
Comecemos com um pouco de história sobre a posição brasileira: assenta-se na tese de que a força não é o melhor instrumento nas relações internacionais.
Se fosse um debate acadêmico, eu aplaudiria de pé.
Mas, na vida real e na situação da Líbia neste momento, torna-se um argumento sem nexo.
O que está havendo na Líbia é o uso desmedido da força bruta por um tirano ensandecido que, de resto, a utiliza contra seu próprio povo faz 42 anos e que, em certa época, utilizou-a também contra terceiros (atentados contra um avião da PanAm sobre os céus da Escócia e contra uma discoteca de Berlim).
Qualquer pessoa dotada de um mínimo de senso comum saberia que um governante desse calibre só entende a linguagem da força.
No entanto, Patriota prefere fechar os olhos e os ouvidos e dizer que o Brasil não descarta "um esforço de diálogo com Gaddafi".
Além de completamente desconectada da realidade, a declaração é inconsistente com os votos do Brasil em sessões recentes de órgãos da ONU. Votou, no Conselho de Segurança, pela imposição de duras sanções ao governo líbio, descartando, portanto, "um esforço de diálogo". Votou também pela suspensão da Líbia do Conselho de Direitos Humanos da instituição, igualmente sem diálogo.
Tovar Nunes explicou que o Brasil "não tem interesse em ação militar que redunde numa contrarreação que piore a situação dos cidadãos".
Ah, meu caro Tovar, a contrarreação já ocorreu por meio da ofensiva que Gaddafi empreendeu contra os rebeldes, bombardeando cidades que eles ocupavam, blindando Trípoli contra manifestações pacíficas (o que viola as liberdades públicas que o Brasil diz defender) e ameaçando uma caçada aos rebeldes casa a casa.
Fica ainda mais patética a posição brasileira diante do efeito prático imediato da decisão do Conselho de Segurança: o tirano anunciou um cessar-fogo. Não se pode confiar em ditadores, é verdade, mas fica a sensação de que o diálogo que o Brasil tanto diz defender só se tornou potencialmente viável a partir da ameaça de uso da força, a única linguagem que tiranos entendem.
Há ainda na abstenção brasileira um desmentido às reiteradas afirmações da presidente Dilma Rousseff de que os direitos humanos estariam no centro de sua agenda de governo. Ao contrário de intervenções militares anteriores (Iraque, Afeganistão, por exemplo), destinadas a caçar o tirano local de turno, a ação do Conselho de Segurança agora visa precisamente a preservar o mais básico direito humano, que é o direito à vida.
Não obstante, o Brasil de Dilma Rousseff omitiu-se covarde e vergonhosamente.
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