quinta-feira, 12 de maio de 2011

Nada nos une, tudo nos separa... (ops, acho que era ao contrario...)

Teve um presidente argentino que disse essa famosa frase, muito anos atrás:
"Todo nos une, nada nos separa!"
Bonito...
Na prática, a coisa vinha crescendo, sob os olhos compreensivos, lenientes, incompreensivelmente tolerantes das autoridades brasileiras, que achavam que precisavam "ajudar" os hermanos, que passavam por dificuldades, coitados...
O fato é que em lugar de reforçar o Mercosul, isso só desmantelava as bases do bloco comercial, que virou uma peça de ficção (de má qualidade, um fake de Borges...).

Mas a solução protecionista adotada é a pior possível: só contribui para aumentar ainda mais o descolamento dos dois países das regras do sistema multilateral de comércio, muito embora os principais violadores sejam mesmo nossos vizinhos...
Agora vai haver certo burburinho pela imprensa, depois as autoridades vão se sentar, as máximas autoridades vão colocar panos quentes, prometer juras de amor e a vida seguirá, como sempre...
Paulo Roberto de Almeida

Discretamente, Brasil começa a retaliar a Argentina
Sergio Leo
Valor Econômico, 12/05/2011

Comércio exterior: Alfândegas foram orientadas para retirar do canal automático autopeças importadas

Discretamente, o governo brasileiro começou nesta semana a adotar retaliações comerciais à Argentina, em represália à retenção de produtos brasileiros nas alfândegas do país vizinho, segundo informou uma autoridade ligada ao assunto. As aduanas receberam orientação para retirar do canal automático autopeças importadas pelo Brasil, provocando pequenos atrasos, como sinal ao governo vizinho das medidas mais severas que poderão ser adotadas, caso não se resolvam as dificuldades encontradas por exportadores brasileiros nas alfândegas do sócio no Mercosul.

Ontem, a ministra da Indústria argentina, Débora Giorgi, telefonou ao ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, mas foi atendida pela secretária de Comércio Exterior, Tatiana Prazeres. Giorgi queria dizer ao ministro que não recebeu a carta que Pimentel, na véspera, disse ter enviado ao governo argentino, pedindo o fim das retenções de mercadorias nas alfândegas. A carta foi reenviada por fax.

Falava-se ontem, no governo, na possibilidade de enviar a Buenos Aires o secretário-geral do Ministério do Desenvolvimento, Alessandro Teixeira, para obter um compromisso firme do governo argentino pelo fim das medidas erráticas de bloqueio na entrada de bens brasileiros. Apesar de as retenções afetarem uma parcela ainda pequena do intenso comércio bilateral, elas ameaçam a sobrevivência, por prejuízos imprevistos com o bloqueio das vendas aos argentinos, de empresas médias e pequenas, como as do setor de chocolates. Outros produtos afetados pelas barreiras, que assumem a forma de exigências contraditórias da burocracia nas aduanas, são eletrodomésticos da linha branca e máquinas agrícolas.

Débora Giorgi mandou recados ao governo brasileiro, para que se evitasse a disputa pela imprensa, como interpretam os argentinos as queixas feitas por autoridades brasileiras nos últimos dias. O governo claramente tem usado essas declarações para reforçar as mensagens frustradas pela via diplomática. "O ideal é não tomar medidas", comentava ontem um graduado funcionário do governo. A informação de que, na prática, já começaram as dificuldades para autopeças argentinas na aduana brasileira não foi confirmada por outras fontes ligadas ao assunto, que afirmavam haver disposição para negociar até terça-feira, data da reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que deve discutir a estratégia para lidar com as medidas do país vizinho.

Os argentinos já receberam, nos últimos dias, recados de pelo menos dois ministérios do Brasil sobre a "iminência" da retaliação. Um dos fatores que irritam o governo brasileiro é a falta de resposta argentina para o pedido de uma reunião ministerial bilateral, destinada a remover os problemas. O pedido foi feito na primeira semana de abril pelo secretário-geral do Itamaraty, Ruy Nogueira, que queria uma reunião dos ministérios de Indústria e Relações Exteriores. Os argentinos fizeram questão de incluir os ministérios da Fazenda e Economia e, desde então, não fixaram uma data para o encontro.

O governo brasileiro reconhece que as exportações brasileiras crescem em praticamente todos os setores, e o saldo comercial em favor do Brasil, de US$ 1,3 bilhão até abril, já é quase 140% maior que o do mesmo período do ano passado. Havia a decisão, na cúpula do governo, de discutir e resolver o conflito discretamente. Há consenso em Brasília de que as ações protecionistas estão ligadas ao período eleitoral e se destinam também a minimizar os efeitos da fuga de capitais no país vizinho, que chega a US$ 1 bilhão por dia, nas estimativas mais alarmistas. Nesta semana, Débora Giorgi foi recebida como heroína em um evento da União Industrial Argentina (UIA), que congrega representantes dos produtores locais beneficiados pelo bloqueio aos importados.

O fracasso dos contatos diplomáticos e o descumprimento das promessas de "fast track" (ação rápida) para a liberação dos produtos brasileiros levaram, porém, as autoridades do Brasil a mudar de tom. Pois, para obter dividendos políticos, o governo argentino está, afinal, criando áreas de atrito entre o governo e o setor privado brasileiros, avalia um graduado assessor do governo.

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Editorial do Estadão:

Já viria tarde
Editorial - O Estado de S.Paulo
12 de maio de 2011

Termina no fim de semana o prazo que o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, considera necessário para que o governo da Argentina diga como vai resolver os problemas que tem causado à entrada de produtos brasileiros no país, com a imposição de diferentes restrições, cuja aplicação em muitos casos fere as regras do comércio internacional. Se, até lá, as restrições que prejudicam as exportações de centenas de produtos fabricados no Brasil não tiverem sido eliminadas, o governo diz que poderá adotar medidas de retaliação contra produtos argentinos destinados ao mercado brasileiro.

Caso decida aplicar tais medidas, o governo brasileiro estará apenas respondendo na mesma moeda ao tratamento dado pelo governo da presidente Cristina Kirchner aos produtos brasileiros vendidos para a Argentina - mas estará agindo com grande atraso, pois são antigas, crescentes e, quase sempre, irregulares as barreiras argentinas. Não há, porém, nenhuma garantia de que as autoridades de Brasília agirão com o rigor necessário para conter os excessos protecionistas do governo Kirchner.

Na área de comércio exterior, o governo brasileiro tem sido excessivamente tolerante com o argentino. Desrespeitando as regras da união aduaneira em que, pelo menos no papel, se transformou o Mercosul, o que implica a livre circulação de mercadorias entre os países que compõem o bloco, a Argentina eliminou as licenças automáticas para a entrada no país de uma lista de centenas de produtos, a maior parte dos quais o Brasil exporta para o país vizinho. Depois, estabeleceu uma espécie de preço mínimo para a entrada de outros produtos e criou taxas antidumping na entrada de outro conjunto de mercadorias. A empresa de consultoria econômica e de comércio exterior Abeceb, de Buenos Aires, calcula que 24% dos produtos brasileiros que entram na Argentina, ou praticamente um quarto do total, estão sujeitos a algum tipo de restrição.

É estranho que medidas desse tipo - aceitas pela Organização Mundial do Comércio (OMC), reconheça-se - sejam aplicadas não somente aos produtos originários de países de fora do Mercosul, mas também a mercadorias de países do próprio bloco comercial. Essas restrições enfraquecem ainda mais o já periclitante bloco comercial, que, por causa das muitas exceções às regras da união aduaneira, não justifica, na prática, essa condição. Mesmo assim, o governo brasileiro concordou com as restrições argentinas.

O caso fica ainda mais esquisito quando se observa que, não contente em descumprir as regras da união aduaneira, a Argentina deixa de obedecer também às normas da OMC. As regras internacionais determinam que as licenças não automáticas devem ser concedidas no prazo máximo de 60 dias, mas exportadores brasileiros se queixam de que seus produtos têm de aguardar até 180 dias para obter a autorização de entrada no mercado argentino. Por isso, filas de caminhões carregados com produtos brasileiros formam-se na fronteira, causando grande prejuízos para o exportador.

Em fevereiro, em Buenos Aires, o ministro Fernando Pimentel acertou com a ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, que, a partir daquele momento, a concessão da licença não automática para importação não excederia o prazo legal. Pelo visto, o acerto não está sendo respeitado. Pimentel informou que enviou cartas a sua colega argentina - conhecida pelo rigor com que trata a questão, alegando que há muitos anos o governo de seu país "tem sido excessivamente permissivo e frouxo com o Brasil" - pedindo providências para o cumprimento do que foi acertado há meses.

Os exportadores estão inquietos e se queixam do "grau de tolerância" do governo com relação às barreiras argentinas. O ministro do Desenvolvimento não se abala. "Queremos defender nossos exportadores", disse ao Estado. Mas ressalvou: "Queremos que a Argentina adote práticas condizentes com a relação que temos com eles, mas não podemos esquecer que o saldo positivo (do comércio bilateral) é para nós". Para concluir, afirmou: "Temos sempre que dar um crédito de confiança ao governo argentino". Será que ainda é possível que a resposta não venha?

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