O Itamaraty, visivelmente, esperava dar um basta nessa história chata de passaportes diplomáticos indevidamente concedidos a quem nunca deveria, ou merecia, ter recebido. Expediu uma nota que em síntese quis dizer o seguinte: "Olha, aqueles passaportes foram concedidos na administração anterior, segundo regras então em vigor. O que passou, passou, vamos olhar para a frente".
Acho que o Ministério Público Federal não vai gostar da postura, e vai exigir cancelamento e devolução dos passaportes, pois mesmo na gestão anterior, a lei não permitia tal concessão.
Acho que a solução mais correta seria esta: se os personagens contemplados com passaportes diplomáticos não pretendem devolvê-los, basta o Itamaraty fazer uma circular, distribuída à Polícia Federal e a todos os países com os quais o Brasil tem relações comunicando que os passaportes diplomáticos de números DA xxxxxxx (listar todos) foram cancelados e não apresentam mais validade.
A rigor, se os detentores não dispõem de passaportes comuns, nem precisaria comunicar aos demais países: basta inscrevê-los na lista de saída da Polícia Federal: no aeroporto, em caso de viagem, os passaportes seriam imediatamente recolhidos e os indigitados (não preciso lembrar os nomes) nem poderiam embarcar. Tampouco poderiam receber passaportes comuns da Polícia Federal enquanto não entregassem os diplomáticos.
As simple as that...
Paulo Roberto de Almeida
POLÍTICA
O Itamaraty rebaixado
Editorial - Folha de S. Paulo
12 de Maio de 2011
Alheio a protestos pela moralidade pública, o Itamaraty anuncia que manterá a validade dos passaportes diplomáticos concedidos a familiares do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no apagar das luzes de seu governo.
Os documentos, que conferem a seus portadores tratamento especial em viagens internacionais, foram distribuídos a quatro filhos e três netos do então presidente.
Tudo sob o manto de um inexplicável "princípio de excepcionalidade" e da justificativa de que assim mandava o "interesse do país".
É do interesse do país, ao contrário, impor limites à cultura do privilégio na política brasileira.
A reação negativa da opinião pública, uma vez revelada por esta Folha a benesse indevida, levou o Itamaraty a modificar, no início do ano, as regras para a emissão de passaportes diplomáticos. Justificativas formais passaram a ser exigidas daqueles que pleiteiam o documento.
Seus nomes, uma vez aprovada a distinção, têm de ser publicados no "Diário Oficial da União".
Apesar do reconhecimento tácito do erro anterior, a chancelaria do governo Dilma Rousseff decide agora desafiar um pedido formal de cancelamento dos superpassaportes, apresentado pelo Ministério Público Federal. Argumenta que os diplomas foram conferidos antes da alteração nas regras e que, portanto, não cabem questionamentos à motivação ou à legalidade da decisão.
É evidente a motivação antirrepublicana da concessão, pelo ex-ministro Celso Amorim, de privilégios à família do chefe.
E a legalidade de seu gesto é, sim, questionável, mesmo segundo os frouxos parâmetros em vigor durante o governo a que serviu.
Nunca houve interesse público - critério exigido pelas antigas normas para a emissão dos superpassaportes. Só interesse privado.
Ao mesmo tempo, seria razoável esperar que a entrada em vigor de novas normas obrigasse o Ministério das Relações Exteriores a rever os documentos recentemente concedidos pela pasta.
Nada disso será feito, jacta-se o Itamaraty. A Justiça, provocada pelo Ministério Público, precisa então obrigá-lo a voltar atrás e, assim, recompor a reputação republicana de que sempre desfrutou.
Transcrito no blog do Noblat: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2011/05/11/o-itamaraty-rebaixado-editorial-379619.asp
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