O destino de aliados do Itamaraty |
Editorial O Globo, 1/12/2011 |
Já é da História que Lula e o PT foram sensatos em manter a rota da política econômica, ao assumirem em 2003. O governo e o país escaparam de grave crise. Mas, talvez para compensar o “conservadorismo”, uma manobra radical foi executada na política externa.
Instituiu-se a “diplomacia companheira”, inspirada na ideologia nacionalista e terceiro-mundista das décadas de 60 e 70 do século passado, quando Unctad era sinônimo de independência. Ressuscitou-se um antiamericanismo juvenil, importado do passado, do mundo bipolar da Guerra Fria. O primeiro grande feito da diplomacia companheira foi rejeitar a proposta americana da Alca (Área de Livre Comércio das Américas). Aplausos foram ouvidos na Casa Rosada, ocupada pelos Kirchner, e no Palácio Miraflores, do caudilho Hugo Chávez. Cumpriu-se um ritual de conferências apenas para sacramentar a decisão prévia de não se fazer acordo com os “gringos”. Todas as fichas foram apostadas na Rodada de Doha, no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), para uma profunda liberação do comércio mundial. Não deu certo. Doha se frustrou, está congelada na OMC, a Alca foi esquecida, e Brasil/Argentina e parceiros do Mercosul não assinaram qualquer acordo bilateral relevante para alavancar as exportações. Ao contrário de vários outros países.
Se a China houvesse rateado nos últimos nove anos, o Brasil não teria resgatado a dívida externa com divisas das exportações. O fracasso da diplomacia companheira no plano comercial está expresso no estado perene de crise no Mercosul e no fato de o Brasil continuar com uma parcela ínfima das exportações mundiais (entre um e dois por cento).
No plano político, o Itamaraty dos tempos lulopetistas não foi melhor. O avanço da Primavera Árabe já despejou na lata de lixo da História um dos parceiros escolhidos pela política externa instituída em 2003, Muamar Kadafi, “amigo e irmão”, no entender de Lula. Ao menos, já com Dilma no Planalto, o Itamaraty foi coerente com o passado de profissionalismo e, na ONU, condenou as atrocidades do ditador. Mas fraquejou diante da ditadura dos Assad, em fase de implosão, mesmo quando as ruas das cidades sírias já estavam manchadas de sangue. Parece ter havido uma recaída na tosca ideia de que ser independente é estar do outro lado em que se encontram os Estados Unidos, mesmo que, para isso, se tenha a companhia de ferozes ditadores. Mas, diante da escalada da violência do regime, a ponto de causar reação da própria Liga Árabe e de antigos aliados como a Turquia, o Itamaraty recuou. Antes tarde.
O processo acelerado de mudanças no Norte da África aconselha coerência no compromisso com princípios e cuidados com alianças descabidas, seladas apenas por caprichos ideológicos. O Irã de Ahmadinejad, outro ungido pela diplomacia companheira, ruma célere para voltar a ser um estado pária, como depois da revolução islâmica de Khomeini. A tresloucada depredação da embaixada britânica, um videoteipe do cerco à representação diplomática americana em 1979, é sugestiva.
O momento deveria ser de revisão da política de alianças exóticas. Por enquanto, esta diplomacia de varejo tem sido contestada por fatos que ocorrem em regiões distantes. O Itamaraty precisa estar preparado para quando companheiros geograficamente mais próximos caírem em desgraça.
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Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, em viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Diplomacia companheira - Editorial de O Globo
5 comentários:
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Acho interessante essas constantes críticas negativas a Politica Externa brasileira. Uma posição independente não quer dizer posição "contra" EUA e muito menos,um "antiamericanismo juvenil". A diplomacia brasileira nunca foi tão ativa e independente quanto no período Lula e agora no governo Dilma. Só lembrar que o chanceler Celso Amorim foi eleito o melhor chanceler pela Foreign Affairs.Criticar e se abster das sanções que são orquestradas a torto e a direito pelas grandes potências no CS não quer dizer que baixamos a cabeça para ditaduras.Apenas não nos vendemos a qualquer imposição do Ocidente que teima em determinar o comportamento de todos os países do Globo sob o pretexto de democracia. A questão iraniana, nesse sentido, é muito mais complexa do que a análise de lado certo e errado. Julgar o Irã como Pária, sem levar em consideração os interesses geopolíticos dos americanos naquela área rica em petroleo e perto de Israel,já é o primeiro erro de uma análise tendenciosa. Com relação a recusa da ALCA, o texto fala argumenta que se a China tivesse rateado o Brasil não teria resgatado a divida externa. Acredito que se a China tivesse rateado, a crise mundial seria muito mais séria do que ela realmente é vide a dependencia dos países da Zona do Euro da China como maior credora daqueles países e do próprio EUA. Fez bem o Brasil de ter recusado a ALCA e a dependencia economica dos EUA que ela geraria.
ResponderExcluirAcho interessante esses Anônimos que têm vergonha de se expor, de se manifestar publicamente em defesa de uma diplomacia partidária.
ResponderExcluirPor que será?
Por que aqueles que se identificam com o governo e a diplomacia do governo têm tanta vergonha de vir defendê-los em público?
Por que precisam permanecer Anônimos Adesistas?
Têm vergonha da corrupção?
Do apoio concedido a ditadores de todos os matizes?
Da subordinação da política externa a interesses cubanos, chavistas e outros?
Por que não se expõem no debate público?
Anônimos Adesistas carregam um sentimento de vergonha que transparece em todas as suas atitudes defensivas...
Pois é: basta se enrolar na bandeira e proclamar que a soberania não se negocia? Que pobreza de posição, que indigência de pensamento.
Pois é 2: recusaram a Alca por implicar uma fantasmagórica "dependência dos EUA" -- o que é uma fraude intelectual jamais provada na prática -- e ficaram na dependência maravilhosa da China.
Adesistas Anônimos: vocês precisam melhorar muito os argumentos para escrever com o nome próprio, do contrário não podem sobreviver à pobreza de suas razões, e à própria vergonha dos apoios a ditadores.
Assumam suas razões e exponham com clareza...
Paulo Roberto de Almeida
DR PAULO, UM DIA DE FORMA INDIRETA , O SENHOR ME CHAMOU DE : ANÔNIMO DESCONHECIDO . KKKKKKKKKKKKKKK E EU GOSTEI, EU TINHA REALMENTE ESQUECIDO DE ME INDENTIFICAR ...SOU TOTALMENTE CONTRA O ANÕNIMATO . PIOR QUE UMA IDEIA ERRADA , È ESTA IDEIA SER ANÔNIMA AINDA . E FICO TRITE DE SABER QUE : OS ANÔNIMOS DESCONHECIDOS , ESTÂO SE ALASTRANDO POR ESTE BRASIL . malachha-mavet@hotmail.com
ResponderExcluirPaulo, boa tarde.
ResponderExcluirO comentário acima foi meu. Me chamo Thiago Alves, sou formado em Relações Internacionais pela UNESA. Na verdade, escolhi a opção de anonimo pois ser mais fácil pois escrevo do trabalho e pedia para fazer logon e etc...Na verdade, a minha intenção é apenas levantar a questão das criticas a PE o tempo todo. Sou filiado a nenhum partido politico, apesar de ter votado no Lula e na Dilma. Apenas acho que, nós, estudantes e pensadores da área não podemos aceitar sempre as críticas que os meio de comunicação e que as potencias que querem manter o status quo nos fazem engolir. Acabei de ler o Livro do Mohamend El Baredei, ex diretor da AIEA, e ele foi extremamente favoravel a posição brasileira no caso nuclear iraniano. Minha intenção é apenas salientar um outro lado de análise. De qualquer forma, agradeço as críticas construtivas ao meu texto.
Abs
Thiago
Pois não Thiago, agradeço os esclarecimentos.
ResponderExcluirMuito melhor quando sabemos com quem estamos debatendo.
Você, como a imensa maioria, eu diria a quase totalidade, dos estudantes em RI, parece ser entusiasta da política externa lulista (continuada em formato e estilo mais amenos sob o atual governo), e se identificam com os tons patrioticos, soberanistas, ativistas, autonomistas e todos esses adjetivos que são normalmente associados à diplomacia dos companheiros nos últimos nove anos.
Pois bem, você é livre e pode se expressar aqui sempre quando quiser, trazendo argumentos consistentes em defesa de suas teses.
O principal elemento do caráter de um acadêmico, no entanto, é o de sempre manter uma atitude cética em relação ao que os governos proclamam e declaram.
Governos, políticos em geral, estão sempre vendendo suas políticas como as melhores possíveis, e se encarregam de gastar um pouco do nosso dinheiro em propaganda, alguma vezes realistas, no mais das vezes enganosa e auto-glorificante, self-praising.
Você vai permitir que este blogueiro, acadêmico e diplomata, mantenha sua atitude cética e desconfiada dos argumentos do governo, de qualquer governo.
Sempre aponto as inconsistências, inclusive em seus argumentos.
Essa ideia de que o governo Lula fez bem em implodir a Alca (que não era nenhuma maravilha, digas-se de passagem), é uma das mais enganosas que possam existir.
Paulo Roberto de Almeida