terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Livre comercio e pouco comercio: opcoes da Asia e da America Latina

Pouco menos de um mês atrás, países latino-americanos celebravam, triunfalmente, se ouso dizer, a constituição da Celac, a Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe, destinada a guiar os passos desses países na integração mundial, mas sem tutela externa, como se encarregou de sublinhar um luminar brasileiro, um desses expoentes do pensamento regressista, e anti-imperialista, de que o Brasil é pródigo e até abundante (sem falar no antiamericanismo implícito).
Poucos dias atrás, os países do Mercosul assinavam um fabuloso comercial acordo com a Palestina, que deve representar, segundo alguns cálculos, 0,001% do comércio global do Brasil, se tanto.
Assim caminha a América Latina, fabulosa em suas pretensões autonomistas e soberanas, ainda que muitos países tenham firmado acordos individuais de livre comércio com os EUA (a rigor todo mundo, com exceção, obviamente, dos "bolivarianos" e dos mercosulianos).
Enquanto isso, na Ásia... bem deixo vocês com a leitura deste editorial do Estadão.
Paulo Roberto de Almeida 


Lição de pragmatismo da Ásia

Editorial O Estado de S.Paulo, 27 de dezembro de 2011 

China, Japão e Coreia do Sul - um quinto do produto bruto mundial - em breve poderão compor mais uma poderosa área de livre comércio, segundo anunciou no fim de semana o primeiro-ministro japonês, Yoshihiko Noda. Os governos da China e do Japão, a segunda e a terceira maiores economias do planeta, decidiram usar as próprias moedas para o comércio bilateral, dispensando o dólar quando julgarem conveniente, e também combinaram iniciar negociações para um acordo de livre comércio. O governo coreano já havia iniciado entendimentos com o chinês há algum tempo e será chamado para um acerto a três. Só o intercâmbio China-Japão alcançou no ano passado US$ 339,3 bilhões, segundo informação oficial japonesa. Cinco dias antes, os presidentes do Mercosul, mantendo sua tradição minimalista em matéria de pactos comerciais, haviam assinado um acordo de livre comércio com a Palestina.
O uso das moedas nacionais deverá simplificar o comércio entre China e Japão e cortar os custos de operações cambiais. Até agora, 60% das transações bilaterais envolvem operações com dólares. Nas discussões do fim de semana o governo japonês comprometeu-se também a comprar títulos públicos da China - por enquanto, em pequena quantidade. Os dois países são os maiores detentores de reservas estrangeiras, especialmente americanas, e devem manter essa posição. Há pelo menos três fortes motivos para isso: o dólar permanece como a referência principal para o comércio, a moeda chinesa não é livremente conversível e, além do mais, nenhum governo tem interesse em agravar a crise nos Estados Unidos, ainda a maior potência e o mercado mais importante do mundo.
A negociação de um acordo de livre comércio será um passo a mais na integração, já muito forte, das economias chinesa, japonesa e coreana. A iniciativa seguinte poderá ser a vinculação dos três países à Asean, a área de livre comércio formada por dez países dinâmicos do sudeste asiático - incluídos Cingapura, Tailândia e Indonésia - com PIB conjunto de US$ 1,3 trilhão em 2010. Um acordo poderá levar ainda um bom tempo, mas ensaios de aproximação ocorrem desde 1997 e deram origem à sigla APT (Asean Plus Three, Asean Mais Três).
Também estão na agenda há vários anos acordos entre países da Asean e membros da Apec, o bloco de Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico. Participam desse grupo, além de países da Ásia e da Oceania, Canadá, Estados Unidos, México, Peru e Chile, todos com importantes interesses comerciais no Extremo Oriente. Há pouco mais de um mês - em 21 de novembro -, os governos de Estados Unidos, Chile, Peru, Cingapura, Malásia, Austrália, Nova Zelândia e Brunei divulgaram o esboço de uma Parceria Transpacífico, destinada a promover o comércio e diversas formas de cooperação econômica, passos iniciais para compromissos mais estreitos.
Quatro latino-americanos - Chile, Peru, Colômbia e México - prometem oficializar dentro de uns seis meses a Aliança do Pacífico, um novo esforço de cooperação com objetivos essencialmente comerciais. Se esse bloco for constituído, será mais um reforço para a ligação comercial entre Estados Unidos e um grupo importante de países latino-americanos. Chile e Colômbia já têm acordos de livre comércio com os Estados Unidos. O México é membro do Nafta (Acordo Norte-americano de Livre Comércio), formado pelos três países da América do Norte. O governo americano também já firmou um acordo comercial com as autoridades da Coreia, criando mais uma ponte com o poderoso mercado do Extremo Oriente.
Nos últimos dez anos, a diplomacia econômica brasileira dividiu suas fichas entre a Rodada Doha e parcerias com países em desenvolvimento a partir do Mercosul. Enquanto a Rodada Doha derrapava, até o fracasso final oficializado há cerca de duas semanas numa conferência em Genebra, outros governos cuidaram de buscar bons acordos bilaterais e regionais. O resultado foi uma ampla trama de acordos já concluídos ou ainda em negociação. O Brasil e o Mercosul ficaram fora desse movimento. É o preço do infantilismo ideológico.

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