terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Brasil em Desenvolvimento (2): instituicoes e politicas - resenha Paulo R Almeida


18. “Políticas (erráticas) de desenvolvimento”, Brasília, 19 junho 2005, 2 p. Resenha de Ana Célia Castro, Antonio Licha, Helder Queiroz Pinto Jr. e João Saboia (orgs.): Brasil em Desenvolvimento (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, Vol. 2: Instituições, políticas e sociedade, 392 p.). Publicado, sob o título de “Balanço das políticas de desenvolvimento”, na Desafios do Desenvolvimento (Brasília: IPEA-PNUD, ano 2, nº 12, julho 2005, p. 80; link: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=1780:catid=28&Itemid=23). Relação de Trabalhos nº 1442. Relação de Publicados nº 579.
Balanço das políticas de desenvolvimentoImprimirE-mail
Paulo Roberto de Almeida
O segundo volume de Brasil em Desenvolvimento trata do "projeto nacional". São 15 trabalhos divididos em cinco partes: o Brasil no mundo, o planejamento, a educação, o trabalho e, como consolo para o não-desenvolvimento, a solidariedade. José Luís Fiori trata dos espaços em disputa pelo Brasil num cenário mundial em mudança. Ele faz boas digressões históricas, mas revela recaídas acadêmicas ao falar de "utopia globalitária" e ao interpretar o mundo não a partir dos dados da realidade, mas através de modelos oferecidos por colegas universitários. Países como o Brasil teriam de aceitar o "imperialismo voluntário da economia global" ou correr o risco de enfrentar uma "luta duríssima" contra as instituições do consenso de Washington. Ele acha, por exemplo, que a era FHC fez o Brasil retroceder à situação do século XIX (até 1930) e que a atual coalizão de esquerda do "projeto popular de democratização do desenvolvimento" pode ter sucesso se mobilizar o povo e obrigar as elites a se voltarem para dentro.

O diplomata Clodoaldo Hugueney trata da coerência entre as agendas interna e externa de desenvolvimento, mas os argumentos não diferem muito do discurso oficial do Itamaraty. A "agenda do desenvolvimento", empurrada sobretudo por Brasil e Índia, combina inserção moderada nos circuitos globais com uma demanda por novas formas de distributivismo Norte-Sul. Ele parece favorecer as posições da ONGs do Fórum Social Mundial, mas concede em que o único princípio válido é o de um enlightened self-interest. É o que vêm praticando a China e a Índia, muito pragmáticas nesse sentido.

A parte sobre planejamento traz contribuições de Eli Diniz (sobre sua dimensão político-democrática), de Hélio Jaguaribe (um determinismo fatalístico sobre as chances do Brasil na nova ordem imperial), de Cândido Grzybowski (as utopias contraditórias do Fórum Social Mundial) e de Ivan da Costa Marques (sobre a tentativa de clonagem de computadores Apple pela Unitron, nos anos 80). Apenas esta última traz algo concreto, ao discutir as relações entre propriedade intelectual e políticas públicas, mas ainda assim pratica o velho maniqueísmo dos colonizadores-colonizados ao tratar das possibilidades de inovação tecnológica nesta nossa "periferia".

Simon Schwartzman prega um salto qualitativo na educação como condição para a superação do atraso. A ineficiência institucional é um fato, como confirma Vanilda Paiva: "Errar é um luxo que já não nos podemos permitir". A despeito da importância do problema, o Brasil persiste no erro, e isso não tem nada a ver com a chamada "privatização do ensino superior". Na parte seguinte, João Saboia traça um quadro do que seria um mercado de trabalho desejável, feito de oito condições ideais do lado da oferta e da demanda de mão-de-obra. A evolução foi positiva em alguns aspectos (escolarização, mas ainda precisa melhorar) e negativa em outros (desemprego, o que requer crescimento). Marcelo Neri se ocupa da questão da desigualdade no Brasil, uma das maiores do mundo. O quadro é trágico e basta citar: "A maior parte das políticas adotadas não mira nos desvalidos; as que miram não acertam o alvo; quando acertam, não proporcionam efeitos duradouros".

A última parte, sobre a solidariedade, é algo impressionista, recomendando autogestão e cooperativas para uma economia complexa como a brasileira. É como aplicar band-aid em feridos graves: pode até confortar a consciência dos aplicantes, mas não ajuda muito os assistidos. Curioso que num livro que trata de instituições e políticas, resultante de um seminário conduzido já no nouveau régime, nenhum trabalho tenha feito uma avaliação do papel do Estado e suas "políticas desenvolvimentistas", a despeito de a expressão figurar em nove entre dez discursos dos dirigentes de plantão. Talvez porque o balanço não seria muito otimista, evidenciando os passos erráticos do Leviatã econômico, um personagem que se situa entre o bêbado e o equilibrista.

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Como sempre faço, coloco também minha versão:

Políticas (erráticas) de desenvolvimento

Brasil em Desenvolvimento (2 volumes): Ana Célia Castro, Antonio Licha, Helder Queiroz Pinto Jr. e João Saboia (orgs.); Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005; vol. 2: Instituições, políticas e sociedade, 392 p.

O segundo volume trata do “projeto nacional”. São quinze trabalhos divididos em cinco partes: o Brasil no mundo, o planejamento, a educação, o trabalho e, como consolo para o não-desenvolvimento, solidariedade. Antes, uma introdução de Alain Touraine não acrescenta nada de novo ao debate sobre as relações entre atores sociais e instituições. Ele mesmo reconhece que a contribuição da sociologia para o estudo do desenvolvimento foi modesta, confirmando, portanto, a ironia de Mário Andrade, para quem a sociologia era a “arte de salvar rapidamente o Brasil”.
José Luís Fiori trata dos espaços em disputa pelo Brasil num cenário mundial em mudança. Ele faz boas digressões históricas, mas revela recaídas acadêmicas ao falar de “utopia globalitária” e ao interpretar o mundo não a partir dos dados da realidade, mas através de modelos oferecidos por colegas universitários. Países como o Brasil teriam de aceitar o “imperialismo voluntário da economia global” ou correr o risco de enfrentar uma “luta duríssima” contra as instituições do consenso de Washington. Ele acha, por exemplo, que a era FHC fez o Brasil retroceder à situação do século XIX (até 1930) e que a atual coalizão de esquerda do “projeto popular de democratização do desenvolvimento” pode ter sucesso se mobilizar o povo e obrigar as elites a se voltarem para dentro. Mas para isso o Brasil precisaria combater três “inimigos”: OMC, Alca e FMI.
O diplomata Clodoaldo Hugueney trata da coerência entre as agendas interna e externa de desenvolvimento, mas os argumentos não diferem muito do discurso oficial do Itamaraty. A “agenda do desenvolvimento”, empurrada sobretudo por Brasil e Índia, combina inserção moderada nos circuitos globais com uma demanda por novas formas de distributivismo Norte-Sul (já que as velhas são ineficientes). Ele parece favorecer as posições da ONGs do Fórum Social Mundial, mas concede em que o único princípio válido é o de um enlightened self-interest. É o que vêm praticando a China e a Índia, muito pragmáticas nesse sentido.
A parte sobre planejamento traz contribuições de Eli Diniz (sobre sua dimensão político-democrática), de Hélio Jaguaribe (um determinismo fatalístico sobre as chances do Brasil na nova ordem imperial), de Cândido Grzybowski (as utopias contraditórias do FSM) e de Ivan da Costa Marques (sobre a tentativa de clonagem de computadores Apple pela Unitron, nos anos 1980). Apenas esta última traz algo concreto, ao discutir as relações entre propriedade intelectual e políticas públicas, mas ainda assim pratica o velho maniqueísmo dos colonizadores-colonizados ao tratar das possibilidades de inovação tecnológica nesta nossa “periferia”.
Simon Schwartzman prega um salto qualitativo na educação, como condição para a superação do atraso. Talvez fosse o caso de dizer retrocesso, pois o Brasil se situa persistentemente nas mais baixas posições: em comparações internacionais da OCDE, os resultados são “extremamente ruins” e isso a despeito de se gastar bastante com educação (com 5,2% do PIB, estamos acima da média da OCDE). A ineficiência institucional é um fato, como confirma Vanilda Paiva: “errar é um luxo que já não nos podemos permitir”. A despeito da importância do problema, o Brasil persiste no erro e isso não tem nada a ver com a chamada “privatização do ensino superior”.
Na parte seguinte, João Saboia traça um quadro do que seria um mercado de trabalho desejável, feito de oito condições ideais do lado da oferta e da demanda de mão-de-obra. A evolução foi positiva em alguns aspectos (escolarização, mas ainda precisa melhorar), negativa em outros (desemprego, o que requer crescimento). Marcelo Neri se ocupa da questão da desigualdade no Brasil, uma das maiores do mundo. O quadro é trágico e basta citar: “a maior parte das políticas adotadas não mira nos desvalidos; as que miram não acertam o alvo; quando acertam, não proporcionam efeitos duradouros” (p. 321). Ele acha que os pobres precisam de um “choque de capitalismo”.
A última parte, sobre a solidariedade, é algo impressionista, recomendando auto-gestão e cooperativas para uma economia complexa como a brasileira. É como aplicar band-aid em feridos graves: pode até confortar a consciência dos aplicantes, mas não ajuda muito os assistidos. Curioso que num livro que trata de instituições e políticas, resultante de um seminário conduzido já no nouveau régime, nenhum trabalho tenha feito uma avaliação do papel do Estado e suas “políticas desenvolvimentistas”, a despeito de a expressão figurar em nove entre dez discursos dos dirigentes de plantão. Talvez porque o balanço não seria muito otimista, evidenciando os passos erráticos do Leviatã econômico, um personagem que se situa entre o bêbado e o equilibrista.

Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)
[Brasília, 1442: 19-20 de junho de 2005]



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