Uma livre digressão por:
Paulo Roberto de Almeida
O que é a moral e o que ela tem a ver comigo?
Todas
as pessoas possuem algum tipo de moral, mesmo aquelas que disso não têm
consciência ou que, aparentemente, não possuem moral nenhuma. Essa é,
justamente, a “ética” de certas pessoas: a capacidade de serem imorais, no
sentido de não possuírem valores muito explícitos, nenhuma restrição de
comportamento, apenas a busca do interesse próprio, sem qualquer
constrangimento mental ou bloqueios mentais, sequer remorsos post hoc.
Da
moral pode-se dizer que ela é um conjunto de princípios que podemos exibir de
modo explícito, ter consciência deles, ou fazer questão de aderir a esses
valores – exclusivos ou compartilhados com outros – e defender certa “filosofia
de vida”. Nem todos, como se disse, fazem isso de modo consciente; muitos
apenas empiricamente, ou de modo prático, sem qualquer sistematização ou
formulação voltada para objetivos pessoais. Esse conjunto de valores, esses
princípios éticos que conformam o que chamamos de moral são em parte “herdados”
da situação família, ou do ambiente de formação inicial, em parte adquiridos ao
longo de diferentes processos de socialização, sendo o mais importante deles a
escola elementar. Eles se tornam mais explícitos com a passagem da adolescência
à vida adulta, quando aprendemos a cuidar de nossos próprios assuntos,
libertando-nos da dependência familiar ou do casulo da vida infantil e da
primeira adolescência.
Qualquer
que seja o processo pelo qual “adquirimos” a nossa “moral”, ela pode
influenciar nosso comportamento corrente, ou nossas iniciativas e
empreendimentos – não necessariamente, contudo, pois todas as situações são
possíveis, em termos de comportamentos individuais, mesmo os mais degradantes e
abomináveis (como muitos tiranos já provaram ao longo da história. A moral pode,
certamente, atuar como um freio ético a determinadas ações questionáveis de
nossa parte – motivadas pelo já referido interesse próprio ou por puro egoísmo,
o que são atitudes “normais”, digamos assim – ou então, ao contrário,
contribuir para tomadas de posição francamente prejudiciais a terceiros, embora
benéficas, no sentido estrito, ao próprio indivíduo.
A
moral não existe apenas no plano individual, ou sobretudo ela justamente não
existe primordialmente no contexto pessoal; ela costuma ser coletiva, ou
social; em outros termos, como animais gregários, sempre aderimos à moral do
“nosso grupo”. Existem movimentos, ou agremiações, fortemente influenciados por
determinados princípios, que compõem a sua “moral”, nem sempre de modo
explícito, mas determinados partidos, que pretendem encarnar a “razão da
história”, acreditam que possuem uma moral superior, qualitativamente mais
legítima do que a “moral comum”, de simples indivíduos não especialmente
motivados e orientados para a ação coletiva.
O
título deste pequeno ensaio retoma, no sentido individual justamente, o título
similar de um obscuro opúsculo de Leon Trotsky – nome de guerra de Lev
Davidovitch Bronstein – um dos mais famosos revolucionários russos, conhecido
por ser um intelectual de prestígio, pelo menos ao lado de tiranos mais toscos,
como Stalin (que aliás o mandou matar). Tentando justificar suas ações típicas
de “terrorismo de Estado”, empreendidas durante a guerra civil da Rússia logo
após a tomada violenta do poder pelos bolcheviques, Trotsky compôs seu livrinho
– A Moral Deles e a Nossa – para
justificar a existência e a aplicação válida do que chamou de “moral
revolucionária”, que seria obviamente superior à simples “moral burguesa”; em
nome da primeira, seria não apenas legítimo, mas igualmente necessário,
reprimir e, no limite, eliminar burgueses reacionários e outros “inimigos da
revolução”, uma vez que não haveria restrições morais quando se caminhava no
“sentido da História” (em maiúsculas, como convém).
Trata-se,
obviamente de uma fraude moral, mas muitos acreditam que o mundo pode, sim, ser
organizado em termos desses dois conceitos opostos, “nós” e “eles”, ou seja, os
que estão “a favor” da História e todos os demais, que podem ser simplesmente
afastados do caminho e, se necessário, eliminados. Mas foi pensando nesse
livrinho deplorável, nessa moral amoral, e contemplando o festival de
imoralidades amorais, com que somos confrontados nos últimos anos – mesmo
contra a nossa vontade – que tive a ideia de redigir algumas breves indicações
sobre o que separa a moral “deles”, se é que eles possuem alguma, da minha, não
sistemática, não pensada nesses termos, mas ainda assim alguma moral, se o
termo se aplica. Mesmo de maneira improvisada, ou estereotipada, arrisco-me a
fazer este conjunto de pequenas distinções que percorrem meu pensamento um
pouco todos os dias:
Pequenas “pérolas” da moral deles e a minha
1) Eles gostam de ditadores e toleram ditaduras; eu abomino ambos;
2) Eles querem controlar a imprensa; e a quero totalmente livre;
3) Eles defendem direitos coletivos; eu prezo oportunidades para todos,
com base na responsabilidade individual;
4) Eles gostam do Estado e o querem grande; eu desconfio o Estado e o
quero controlado pelos cidadãos;
5) Eles acham que o mercado cria desigualdades e deve ser estreitamente
controlado; eu acho que o mercado é um espaço neutro, para trocas livres, sem
barreiras;
6) Eles se comprazem com um guia qualquer; eu prefiro apostar na
liberdade humana;
7) Eles acham que resolvem todos os problemas sociais pela distribuição;
eu prefiro investir na qualificação dos agentes para a produção;
7) Eles querem resolver o problema da desigualdade pela repartição dos
estoques; eu gostaria que todos ficassem afluentes pelo incremento dos fluxos;
8) Eles abominam o capitalismo financeiro, taxando-o de improdutivo; eu considero
esse tipo de mercado não muito diferente dos demais e igualmente produtivo;
9) Eles consideram que a justiça tem de ser administrada de cima; eu
prefiro apostar na capacidade dos homens resolverem pendências de comum acordo,
sem imposições de princípio de qualquer parte;
10) Eles acham que o mundo se divide entre os da esquerda, eles, e os da
direita, aqueles que não concordam com eles; em lugar de progressistas eles
são, na verdade, reacionários, pois querem fazer o mundo andar para trás,
segundo velhas concepções do século XIX;
11) Eles não recuam diante de nenhum impedimento moral, para alcançar
seus objetivos; eu acredito que os fins não justificam os meios;
12) Eles acreditam que uma mentira progressista vale mais do que uma
verdade reacionária; certas coisas, para mim, não possuem adjetivos.
Brasília, 2 de janeiro de 2012
Eles abominam o capitalismo financeiro, taxando-o de improdutivo; eu considero esse tipo de mercado não muito diferente dos demais e igualmente produtivo;
ResponderExcluir.
mais uma de minhas grandes ignorâncias, mas pra quem mesmo seria bom o capitalismo financeiro para além dos especuladores?
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É sério? Qual o poder produtivo dessa economia.
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Se possível, mande artigos ou links.