domingo, 8 de janeiro de 2012

Pausa para... um poeta fingidor... - Fernando Pessoa


Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Fernando Pessoa

2 comentários:

  1. "AS IDADES DA MULHER

    Aos dez anos Donzela é um livrinho
    Intitulado o berço da natura;
    Aos quinze anos é gentil cofrinho
    Que só se abre forçando a fechadura.
    Aos vinte é a mulher mato espinhoso
    Onde entra o caçador fuzil armado;
    Aos trinta é bocado mui gostoso,
    Bem tenro e ao espeto preparado.
    Aos quarenta é já velho bastião
    Onde fez o canhão mais de uma brecha;
    Aos cinquenta é um velho lampião
    Onde só a pesar põe-se uma mecha".

    *Barão do Penedo.

    Vale!

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  2. ...e para aplacar a ira de alguma "sufragista" (...antes que resolva "descer do salto"...e nos assestar o "coturno"!).

    "AS IDADES DO HOMEM

    O Deusinho que tanto se há glosado,
    E que noite e dia está sempre a bulir,
    É botão de rosa em nossa infância,
    Uma flor a bom fruto produzir;
    Um passarinho virgem de plumagem
    Que ele espera para os vôos alargar;
    Brinquinho que sacodem as crianças
    Assobio em que amor há de assoprar.

    Aos dez anos deixando sua concha
    Este bichinho é linda borbolota,
    Que se mexe, se agita, e que pulula,
    É uma enguia, ou mesmo uma carpeta.
    É um raminho em que circula a seiva
    Para em breve do amor ser enxertado,
    Êmbolo que se abaixa e se levanta,
    Um fanfarrão, brejeiro rematado.

    Aos vinte, todo fogo e ousadia,
    É um tisão ardendo num brasido,
    Uma torrente em jorro que ameaça,
    Oceano que brame com rugido;
    Um granhão a farejar a égua,
    Um leão pronto sempre a devorar;
    Um glutão, um cnibal terrivel,
    Uma graça a querer tudo estripar.

    Aos trinta é um ligeiro,
    Um caçador mui destro e mui machucho,
    Capaz de encurralar uma caçadSem estrgar pólvora nem cartucho;
    Passareiro snhor das armadilhas
    Que sob sais amor sói esconder,
    É um Vauban que sabe pôr um cerco
    E as torres e os castelos abater.

    Toda essa fúria via-se aos quarenta anos
    Por muito haver a mola trabalhado;
    Pouco mais tarde é um corcel de raça
    Que reclama bom trato, a ser poupado.
    É um poste que serve de limite
    Dum bom passado para um triste porvir;
    É um banqueiro prestes a quebrar,
    A que vem um velho crédito acudir.

    Aos cinquenta é já fruto sazonado
    Que o menor sobro abala e faz cair;
    É um filho das margens do Garona,
    Que mais promete do que pode cumprir.
    É um caniço que o tufão enverga
    Uma espiga que uma ave faz pender;
    É a triste miragem do passado,
    O sol que vai fugindo a se esconder.

    Aos sessenta é um fantasma, um silfo
    Que a vista pode apenas enxergar;
    Dez anos mais um átomo ligeiro
    Um som perdido difícil de apanhar.
    Aos oitenta é o traço que voando
    Deixa a carriça sumindo-se nos céus;
    Aos cem anos somente alva que passa
    Para no grêmio repousar de Deus".

    Vale!

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