sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A Tobin Tax e o interesse do Brasil - Paulo Roberto de Almeida (2001)


A Tobin Tax e o interesse do Brasil

Paulo Roberto de Almeida
Doutor em Ciências Sociais. Diplomata.
(Washington, 11/10/2001)

A proposta de introdução de uma taxa específica sobre os movimentos internacionais de capital de curto prazo (TT) vem sendo debatida com muita intensidade (e pouca clareza) no período recente. O próprio presidente [FHC] a ela referiu-se favoravelmente em seu discurso do Dia do Diplomata, no Itamaraty (10.10.2001). Do ponto de vista de seus propósitos presumidos – diminuir a instabilidade dos mercados financeiros e amealhar recursos adicionais para fins de desenvolvimento dos países mais pobres – ela parece ser inatacável, ainda que muitos duvidem de sua praticabilidade. Independentemente, porém, de seus objetivos meritórios e sem procurar, agora, resolver definitivamente o problema de sua operacionalização, uma outra questão mais importante se coloca do nosso ponto de vista: a do interesse do Brasil.
Com efeito, antes de procurar saber se a TT pode ser colocada em prática e se os objetivos fixados serão ou não atingidos pela metodologia proposta, seria preciso determinar se a medida invocada atende ou não aos interesses nacionais. Meu argumento é pela negativa, mas devemos examinar os vários aspectos do problema para chegar a alguma conclusão.
O primeiro problema é o da instabilidade dos mercados financeiros, algo que parece assustar os países que eventualmente necessitem de fluxos contínuos de capitais “voláteis”. Os mercados, por definição, sempre são instáveis, e os capitais puramente financeiros sempre são voláteis, ainda que, obviamente, flutuações e movimentos erráticos ocorrem com maior intensidade nos momentos de crise. As crises são, entretanto, inerentes aos mercados livres, e apenas uma boa gestão dos chamados “fundamentais” pode neutralizar ou diminuir os efeitos mais nefastos para as economias neles integradas. O que representa a introdução de uma taxa sobre determinados movimentos de capital? A diminuição da turbulência – que me parece “estrutural” – ou tão simplesmente a imposição de custo adicional sobre esses fluxos? Esta hipótese é mais provavel e o mercado continuará tão turbulento quanto antes, apenas que funcionado, com a TT, em um patamar ligeiramente superior de “custos de transação”.
A TT não pode resolver esse problema estrutural, ainda que se argumente que ela apenas visa colocar “areia na engrenagem” da especulação cambial (seu objetivo original quando James Tobin a sugeriu, em 1971, no momento da derrocada do sistema de Bretton Woods, lembre-se, de extrema volatilidade das taxas cambiais). A dificuldade óbvia é a de distinguir as transações puramente “especulativas” das transferências legítimas para pagamentos de fatores ou para compra de ativos de maturação mais longa. Na impossibilidade de fazê-lo (uma vez que a integração financeira internacional significa a simplificação dos procedimentos aplicados aos fluxos transfronteiriços), a solução prática é a taxação de todas as transações, na suposição de que os capitais movimentados toda a semana terão um retorno sensivelmente menor do que as aplicações de maior prazo e os investimentos diretos. Ou seja, essa CPMF universal acaba tendo de ser aplicada a todos os fluxos para tentar diminuir a volatilidade inerente a apenas uma parte deles. Para o Brasil, portanto, enquanto receptor líquido de capitais de todos os tipos, as perspectivas são a de ter de pagar um pouco mais pela importação do mesmo volume de capital.
A praticabilidade e eficiência da CPMF brasileira é, como sabemos, total: ela é inescapável, insonegável, fácil e rápida. Dispondo do controle legal sobre o sistema bancário, o Estado brasileiro vai buscá-la diretamente no bolso do cidadão, quando este faz um simples movimento contábil. Ora, no sistema semi-anárquico de soberanias estatais que caracteriza o mundo, o controle territorial absoluto se afigura impossível, daí porque os economistas apontem a impraticabilidade da TT. O dinheiro, aliás, nem precisa sair fisicamente da praça financeira que lhe dá origem para dirigir-se a outra. Basta que a transação seja registrada e operada a partir de um centro off-shore, e que os dois agentes nele tenham conta, para que o “longo braço” dessa CPMF universal se revele simplesmente inoperante e ineficaz. Como não existe uma entidade bancária internacional “de última instância”, é de se supor que o problema da jurisdição apresente um obstáculo praticamente incontornável a uma TT eficiente e operante. Pretender taxar apenas as dez principais praças financeiras internacionais é inócuo.
Vejamos, porém, seu outro objetivo presumido, do qual ela retira sua legitimidade: levar o dinheiro dos mais ricos (os “especulativos”) em benefício dos mais pobres (que podem ser também as vítimas dos “capitais voláteis”). Supondo-se que ela seja implementada, como canalizar essa nova cornucópia financeira para os efetivamente necessitados?
Na ausência de um “taxador de última instância”, a TT teria de depender da ação das autoridades nacionais para o seu recolhimento e redistribuição. Um nova burocracia mundial eficiente e justa teria de ser estruturada para recolher as “contribuições nacionais” da TT e repassá-las a projetos de desenvolvimento nos países mais pobres. Considerando-se que o Brasil é um país de renda média, e portanto não beneficiário da TT por definição, o cenário previsível é o a criação eventual de uma “CPMF externa” inteiramente voltada para a remessa de capital para a nova burocracia internacional. Belo gesto de solidariedade tipo exportação.
Pergunta-se agora: o que a TT faria que os capitais de empréstimos e as dotações concessionais existentes já não estão fazendo?; os mecanismos operando no plano bilateral tradicional e no atual quadro multilateral (BIRD, BID etc.) já não estão servindo mais para a concessão de ajuda oficial ao desenvolvimento? Obviamente que não, razão pela qual seria infinitamente mais fácil atuar no aumento das “economias de escala” do sistema existente de financiamento do desenvolvimento – ainda que reforçando o papel das ONGs humanitárias, que eliminam a burocracia e as comissões das grandes entidades financeiras internacionais – do que pretender criar uma nova burocracia para simplesmente fazer “more of the same”: projetos de infraestrutura, investimentos em saúde, educação, governabilidade, enfim.
Pouco gente sabe, mas o Brasil já vem colaborando com esse esforço de “promoção social” dos países mais pobres, tanto diretamente – mediante seu papel de contribuinte líquido para a Associação Internacional de Desenvolvimento, do BIRD – como indiretamente, ao abater amortizações de devedores mais pobres em foros como o Clube de Paris. Os custos são “socializados” internamente, via orçamento geral ou via Tesouro. Qual a vantagem imediata de se criar mais uma fonte de aprovisionamento externo em capital brasileiro (sim, porque o capital internacional repassará o custo da nova taxação ao tomador, que somos nós), que não repercutirá minimamente para o Brasil, uma vez que o esforço não refletirá diretamente nos mecanismos nacionais de política financeira externa? Não vejo nenhuma vantagem.
Resumindo: a TT não diminui a volatilidade dos capitais (apenas agrega um custo extra a uma transação necessária, sobretudo, e especialmente, para o Brasil); ela não consegue dispor de uma base universal de aplicação e teria de depender de autoridades nacionais para sua (ine)ficiência relativa; ela não faria nada mais do que já não pode ser feito através dos mecanismos e instituições existentes, que poderiam ser induzidas a captar (ou disporem de) mais recursos financeiros .dos doadores tradicionais. Admite-se que ela aumente os fluxos de capitais para fins de redistribuição burocrática, o que é próprio de toda punção fiscal adicional. Mas, em que isto mudaria dramáticamente o panorama do desenvolvimento mundial? Já se assistiu, historicamente, a um legítimo processo de desenvolvimento com base unicamente em recursos externos?
Do ponto de vista do Brasil, nada se resolve com a eventual introdução de uma TT: os capitais ficariam mais caros, não deixariam por isso de ser voláteis (essa característica é determinada internamente, não externamente) e os benefícios seriam todos carreados para fora do país. Para o interesse nacional, o retorno de uma TT não é sequer marginal, ele é próximo de zero.
[Washington, 816: 11.10.2001]

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.