Une Saison en Academie,
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Paulo Roberto de Almeida
Em voo, Porto Alegre-Brasília, 10/01/2012
Na véspera de partir para
a Europa, onde vou ficar durante quase todo o primeiro semestre de 2012,
ministrando aulas de pós-graduação no Institut de Hautes Études de l’Amérique
Latine, da Universidade de Paris-3 (Sorbonne), dou início a esta série de
reflexões semi-acadêmicas e semi-turísticas (ou turístico-acadêmicas, já que a
ordem correta é esta mesma, o prazer tendo precedência, e preeminência, sobre o
trabalho). Esta é a forma escolhida para registrar minhas impressões, opiniões
e percepções (e alguns fatos, também, não sejamos tão impressionistas e
subjetivos), durante um período inteiro de descobertas e redescobertas, que
promete ser dos mais agradáveis de minha vida intensamente nômade e
extensamente estudiosa. Ela também tem sido – e promete continuar a ser – uma
grande jornada recheada de pequenos prazeres e de grandes surpresas –
vice-versa também serve –, com muitas variações, segundo o humor dos ventos e
as circunstâncias da vida, tanto no plano cultural quanto no gastronômico,
além, é claro, dos estudos aprofundados e das reflexões comparadas.
Serão quatro meses de
estada em Paris, ou formalmente em Paris, mas não em Paris, efetivamente, ou
seja, o tempo todo, pois temos de contar – e contarei, certamente – os muitos
períodos fora da capital, para escapadas em França e alhures. As obrigações
propriamente acadêmicas – ninguém é de ferro – se restringem a dois dias da
semana, com um ou outro compromisso extra um dia ou outro. Isso nos dá, a
Carmen Lícia e eu, pelo menos cinco dias e meio de andanças por todos os cantos
de Paris, da França, nas mais variadas direções, e até algumas viagens maiores,
velho continente adentro e afora.
Já tenho, no meu computador,
roteiros e mapas para diversos pontos da Europa ocidental, e até uma esticada à
Europa central e setentrional, mas deixo os detalhes (e a curiosidade dos
leitores) para revelações de última hora (já que estamos sempre refazendo os
planos, em função de leituras de guias, indicações turísticas, sugestões de
visitas), o que nos permite alterar itinerários, alguns até no momento mesmo da
viagem, o que é perfeitamente normal. Preferimos o carro, já que este modo
habilita esticar, encurtar, mudar, adaptar qualquer roteiro, mas qualquer outro
modo de locomoção é perfeitamente aceitável e até bem vindo, já que ser
conduzido é perfeitamente compatível com o terrível vício da leitura e das
anotações, em lugar da atenção sempre presa ao volante.
Algumas visitas de retorno
são obrigatórias – como Bruxelas, ou Praga, por exemplo – pois que cidades já
conhecidas são sempre um encanto, quando não se precisa sair correndo para
conhecer tudo e se pode selecionar objetivos mais limitados e locais
específicos para satisfazer o simples prazer dos olhos e reativar velhas
lembranças. Outras visitas estavam justamente esperando uma oportunidade como
esta, e a liberdade de movimentos nos deixa ampla flexibilidade para escolher o
dia e a direção, ao sabor da meteorologia e das eventuais atrações temporárias
– como exibições especiais em museus ou eventos comemorativos. O turismo bem
feito é aquele calmo, não o da correria das excursões.
Pode-se deduzir, das
palavras acima, que a “saison en académie”
é bem mais turístico-gastrônomica do que propriamente de estudos e de
atividades docentes, mas quem disse que um melhor conhecimento dos vinhos do terroir, das especialidades locais não
faz parte de um aprendizado constante, de um enciclopedismo ambulante e
permanente em torno dos prazeres da vida? Desse ponto de vista, pretendo
preencher vários volumes de meus Moleskines de bolso, como este aqui, aliás,
onde rabisco estas notas, numa viagem de avião entre Porto Alegre e Brasília.
Comecemos pelo simples fato de que as aulas são só 24, de 2hs cada uma, e as
viagens e randonnées prometem ser em
maior número, tantas quantas forem humanamente possíveis (e orçamentariamente
suportáveis), num período que deve ir do inverno europeu até o meio da
primavera russa (devem se equivaler, um e outro), ambos suportáveis para
passeios bem abrigados, desde que neve, chuvas e frio não incomodem demais.
Todos os meios de
transporte, como disse, são cabíveis e bem-vindos: automóvel alugado
(preferencial), trem, ônibus, avião, barco, talvez (quem sabe até peniche e
charrete, e o que mais vier...), além de alguma bicicleta ou carro elétrico,
que existem para aluguel temporário, até ocasional, em Paris. Um mínimo de
planejamento é necessário, para calcular tempo e distâncias, reservar algum
hotel determinado, buscar os melhores restaurantes (o Michelin Rouge está aí
para isso mesmo), localizar os museus (aqui nos Michelin verts), identificar o
patrimônio histórico e cultural, ler antecipadamente sobre a região, se
inteirar de suas origens, desenvolvimentos, características atuais, etc. Guias,
livros de viagens (já temos vários), roteiros especiais, mapas e GPS, tudo
entra nesse planejamento, além, é claro, das informações online, das reservas
de internet, de Google e Wikipedia, e das surpresas de sempre, inevitáveis. Estas
são sempre bem-vindas em matéria de recomendações de viajantes calejados e
nômades confirmados (como nós mesmos somos, diga-se de passagem).
Improvisações também são
esperadas, aliás até desejadas, já que a oferta cultural desse mosaico de povos
e tradições que é a Europa é absolutamente alucinante na sua diversidade de
atrações identificadas, várias outras suspeitas, algumas sugeridas e outras
ainda desconhecidas. Pretendemos, Carmen Lícia e eu, nos deixarmos levar pelos
novos caminhos que os livros de viagens e os relatos de viajantes – históricos
e atuais – nos sugerirem ao longo de mais de quatro meses de experimentos e
descobertas. Se por acaso existe uma “musa” das viagens e dos viajantes, ela
será nossa companheira constante.
Quando começamos?
Imediatamente após o desembarque. Eu, que vou direto a Paris, começo alugando
um carro no dia 15 de janeiro e deixando duas ou três malas na cidade; depois
de me abastecer de cartões, de mapas e de outros utilitários de viagem, vou
encarar, logo de cara – se me permitem a redundância – várias centenas de
quilômetros até Lisboa, onde esperarei Carmen Lícia vinda de Brasília no dia
20, para um começo de estada em Évora. Depois, será um “recorrido” pelas
estradas da Andaluzia, com paradas eventuais nas cidades da região, curtas
visitas em Valência e Barcelona, antes de seguir para a Provence francesa, onde
esperamos que a temperatura invernal não atrapalhe muito as visitas
gastronômicas e culturais, que pretendemos fazer durante alguns dias.
Tenho de estar em Paris
antes do dia 31, quando dou início ao ciclo de aulas, mas suspeito que um dia
antes baste para me recuperar de pequenos prazeres turísticos e grandes
exageros gastronômicos. Palestras e outras ocupações acadêmicas e intelectuais
devem me ocupar alguma parte do tempo, enfim uma fração razoável de meu séjour académique. O resto, como disse,
está reservado a voyages et randonnées,
em Paris et ailleurs, já que não se
pode frustrar certas vocações e obsessões. Não há nada a temer, senão a balança
e a inadimplência. Temos um mundo a ganhar! Bon
Voyage!
Voo
Porto Alegre-Brasília, 10/01/2012
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