Tão íntimo -- pelo conhecimento de suas obras -- eu me tornei de certos economistas que por vezes eu acabo misturando o nome de dois ou três, ao escrever muito rápido e com várias questões em mente.
Pois outro dia eu queria escrever Milton Friedman -- nos comentários que fiz à entrevista da presidente, em sua parte econômica -- e acabei escrevendo Milton Keynes, o que é tão estranho quanto escrever Vladimir Von Mises, ou Karl Hayek...
Enfim, me corrigiram a tempo, não sem que isso trouxesse à tona um antigo trabalho que fiz, quanto faleceu o Milton Friedman, justamente, e eu o coloco conversando em algum lugar desse espaço etéreo com nosso velho conhecido Roberto Campos, Bob Fields, para os íntimos inimigos...
Aqui vai esse texto, de 2006, mas que ainda pode divertir alguns...
Paulo Roberto de Almeida
Milton
Friedman meets Bob Fields
O reencontro de dois grandes economistas
Paulo
Roberto de Almeida
Não se sabe, exatamente, para onde vão os economistas
quando morrem. Existem muitas controvérsias a respeito, tantas quantas são as
doutrinas e escolas de pensamento que os dividem. Muitos devem seguir direto
para o limbo, antes de serem eventualmente recuperados por algum doutorando em
busca de novas idéias. Vários outros padecem anos no purgatório das posições
controversas, antes de ascender ou descer na escala de preferências dos
contemporâneos, passando então a desfrutar da justa recompensa pelos bons
serviços prestados à sociedade ou da inevitável punição pelos desastres
incorridos em função da aplicação de recomendações incorretas. Se Marx e Keynes
estavam certos, nossa sina incontornável é a de continuar, durante longos anos,
prisioneiros das idéias de economistas defuntos. Alguns deles, aliás, são bons
carcereiros, como veremos a seguir.
Com uma diferença de cinco anos e alguns dias, Milton
Friedman foi ao encontro de Roberto Campos em algum lugar desse espaço
indefinido. Trata-se de um amplo salão com paredes forradas de livros, vários
sofás de couro, nos quais descansam, sem harpas nem camisolas, alguns desses
economistas dignos do registro histórico; num canto, uma mesa com whiskey e gelo, sobre a qual repousa uma
foto de Keynes, numa outra, um computador ligado nas principais bolsas
mundiais, sobre um fundo de tela com a efígie de Adam Smith. Tudo muito sóbrio,
comme il faut...
“Welcome to a new
world, Doctor Friedman”, acolheu-o Roberto Campos, “nós temos todo o tempo
do mundo para repousar, discutir teorias econômicas, ou não fazer nada simplesmente,
just sitting by with a glass of good
scotch. Please, serve yourself”.
“Thank you Bob, but I don’t drink. Just call me Milton. Estou
gostando do lugar: uma biblioteca aconchegante, um pouco de informação e
companhia agradável. Vou me dar bem por aqui, mas a Rose vai fazer falta.”
“Certainly,
Milton”, retrucou Campos. “Mas você também estava muito bem de onde veio, com
as suas idéias sendo finalmente acatadas por todos, programas de TV defendendo
a liberdade dos mercados e a redução do papel do Estado, algo impensável em
minha própria terra”.
“Oh, it’s a long battle, you know”, lamentou o americano. “A gente
passa a maior parte da nossa vida pregando no deserto, tentando convencer os
homens a defender a sua prosperidade através da liberdade de mercados e da
competição. Seduzidos pelos falsos profetas, que são os políticos, eles têm
essa tendência inexplicável a preferir mais e mais leis, regulação e despesas
públicas, como se esperassem que o Estado lhes fosse trazer a felicidade
eterna. Como você bem sabe, Bob, essas boas intenções sempre produzem
resultados deploráveis. Só depois que a gente se vai é que eles começam a se
convencer do acertado de algumas idéias simples”.
“Do not blame yourself, Milton. Você foi
tremendamente bem sucedido, muito mais do que eu, em todo caso. Veja o exemplo
do Brasil: nós seguimos um dos seus conselhos, o da correção monetária das
dívidas e da poupança, para preservar o valor dos ativos, e conseguimos criar
um processo infernal que se arrastou durante décadas no limite da hiperinflação
e que muito fez para agravar a já péssima distribuição de renda.”
“Eu sei disso, Bob, mas a minha recomendação era apenas
voltada para preservar o sistema financeiro, protegendo poupadores contra os
ganhos indevidos dos tomadores de crédito. Eu não esperava que no Brasil vocês
fossem generalizar esse mecanismo em todas as vertentes do sistema. Vocês
simplesmente criaram uma máquina realimentadora da inflação, o que nunca foi a
minha intenção.”
“Bem, isso agora acabou, felizmente. Alguns poucos
malucos ainda insistem em pedir um pouco mais de inflação, para garantir mais
crescimento e emprego, mas eles não são tão ouvidos como antes. Em
contrapartida, eles continuam se posicionando contra o liberalismo, sob o
pretexto de que você o colocou a serviço de ditadores, como no Chile, onde as
conquistas populares foram esmagadas em benefício do capital estrangeiro”.
“That’s untrue,
Bob”, irritou-se Friedman. “Pinochet era um perfeito bárbaro, não apenas na
repressão política. Ele pretendia dar ordens aos preços, da mesma forma como
comandava seus soldados e nunca entendeu a economia. Eu apenas atendi a um
chamado de ex-alunos que trabalhavam no ministério das Finanças, para dar
conselhos sobre como domar a inflação, que teimava em persistir mesmo depois da
abolição das medidas socialistas de Allende. Eu simplesmente fiz a recomendação
óbvia para que deixassem os preços e os mercados livres e parassem de imprimir
dinheiro, controlando na outra ponta as despesas públicas, inclusive as
militares. Bastou isso para trazer a superinflação chilena a patamares
razoáveis. Também insisti para que dessem autonomia às autoridades monetárias e
liberdade aos empresários. Surpreende-me que in Latin America todos gritam contra o neoliberalismo, quando o
Chile é o único país da região que cresce continuamente há quase duas décadas.”
“Isto é porque gostamos de encontrar bodes expiatórios
para os nossos próprios problemas. Um dos maiores sucessos dos últimos tempos é
o Fórum Social Mundial, criado no Brasil: milhares de jovens idealistas e
alguns velhos esquerdistas que graças à globalização se mobilizam rapidamente
para protestar contra a globalização. It’s
insane Milton. Recentemente, ainda, eles voltaram a protestar contra as
privatizações, usando o tempo todo moderníssimos celulares que eles nunca
teriam se as velhas estatais do setor continuassem limitando a oferta de linhas
e aparelhos. Just crazy...”
“Yes, that’s amazing. But tell me Bob, como vai o seu leftist president?”
“Oh, don’t worry
Milton, ele é tão socialista quanto eu sou keynesiano, ou seja, quase nada,
apenas uma tênue superfície para impressionar os últimos true believers, que infelizmente no Brasil ainda são em grande
número.”
“Também pudera, Bob, você mesmo, com todo o seu credo
liberal e privatista, fez mais para impulsionar o poder do Estado do que todos
esses universitários marxistas que se reúnem regularmente para pedir mais
controle de capitais e do câmbio, mais gastos públicos, menos abertura
econômica, não aos acordos comerciais. Tell
me frankly, Bob, você não se arrepende hoje desse stalinismo para os ricos
que vocês criaram no Brasil?”
“Yes, that sad, Milton, I confess my error. Eu
estava apenas tentando impulsionar a economia, na ausência de capitalistas
schumpeterianos e de um verdadeiro mercado financeiro, funcionando à base de
poupança privada. Reconheço que fomos longe demais, mas isso também porque os
nossos militares alimentavam sonhos grandiosos de dominar ciclos industriais
inteiros, construir processos produtivos totalmente nacionalizados e enveredar
pelo caminho da grande potência econômica cuidando mais da superestrutura de
ciência e tecnologia do que do ensino básico. Na crise do petróleo, insistiram
ainda nos grandes projetos, fazendo dívida em lugar de reajustar a economia.
Quando eu quis protestar, me mandaram como embaixador para Saint James’ Court, junto da rainha.”
“Ultimamente, o seu leftist
president andou prometendo crescimento econômico a 5% ao ano. Is that possible, Bob?”
“Certainly not,
Milton, as long as the State continuar como despoupador líquido dos
recursos criados pelo setor privado. O Estado brasileiro arrecada mais de 38%
do PIB em impostos e gasta 41%, considerando o pagamento da enorme dívida
pública. Não há a menor hipótese de obtermos esse crescimento, pois investimos
apenas 20% do PIB, sendo que o próprio Estado é responsável por menos de 2% do
volume total. Sinto contradizer o meu presidente, mas ele divaga ou foi mal
informado por assessores que não sabem do que estão falando.”
“E esse programa de ajuda aos pobres, Bob, o que você
acha? Eles pretendem que eu recomendaria o mesmo, com o meu negative-income-tax. Is that correct?”
“Não é nada disso, Milton, o seu esquema se dirige aos working poors, ao passo que o nosso
programa praticamente não tem contrapartidas e não constitui a remuneração por
qualquer tipo de atividade. É muito diferente. Mas ele é obviamente muito apreciado
pelos políticos, que constituem com isso um imenso curral eleitoral.”
“It’s a pity,
Bob. Mas eu também tenho um motivo de remorso, no meu próprio país, ao ter
sugerido, durante a Segunda-Guerra, a retenção do imposto de renda na fonte,
como forma de alimentar as caixas do Estado, então necessitado de recursos.
Nunca mais foi possível reter a sanha arrecadadora desse monstro burocrático e
meus conselhos para a diminuição do tamanho do Estado sempre caíram no vazio”.
“Não lamente muito, pois suas recomendações eram
justificadas em função do momento. A despeito disso, a carga fiscal no seu país
tem se mantido rigorosamente em torno de 30% do PIB, com pequenas variações ao
longo das últimas três décadas. No Brasil, saímos de menos de 20% nos anos 1970
para quase 40% hoje em dia, com tendência ao crescimento. Estamos no mato sem
cachorro agora: o gênio saiu da garrafa e não conseguimos engarrafá-lo outra
vez”.
“I recognize that
you do have a great challenge on this: é praticamente impossível fazer o Estado
retroceder uma vez que você alimentou o monstro. Mas, não percam as esperanças.
Vejam o caso da Irlanda, certamente o melhor exemplo atual de mudanças
estruturais, elevação dos padrões de vida e inserção internacional com base num
modelo tributário de baixa imposição sobre os lucros e o trabalho e grande
apoio à educação”.
“Sim, eu conheço o sucesso irlandês: quando eu era
embaixador em Londres, eles tinham justo entrado na então Comunidade Européia,
com uma renda per capita que era menos da metade da renda comunitária e muitos
analfabetos na população ativa. Hoje eles ultrapassaram a renda da UE e estão
começando a sentir o ‘desconforto da riqueza’. É um exemplo ainda melhor do que
a China, que só é mais conhecido porque ela é grande e incomoda muita gente.
Mas a Irlanda é certamente o exemplo a ser seguido”.
“That’s it,
Bob, nem tudo está perdido. Vocês só precisam convencer as pessoas, o common people, de que este é o caminho a
ser seguido. Aliás, basta olhar ali ao lado, e ver o exemplo do Chile. Como é
que você não percebem isso no Brasil?”
“Well, Milton, os melhores economistas dizem que o Chile
não é exemplo para o Brasil: uma economia muito pequena e pouco diversificada,
com uma inserção limitada às suas vantagens ricardianas, que estão nos produtos
primários e recursos naturais.”
“My God, Bob,
quando é que os seus economistas vão se dar conta de que não é o tamanho da
economia que conta e sim a qualidade das políticas macroeconômicas? Não posso
acreditar que continuem repetindo bobagens como essa, inaceitáveis em qualquer
primeiranista de economia! Não importa o tamanho do país ou suas vantagens
relativas e sim a forma como ele organiza o seu sistema produtivo para tirar o
melhor proveito possível das capacidades dadas e das adquiridas, com base em
políticas corretas, que estimulem a competição e a inovação.”
“Eu sei disso, Milton, mas essas verdades simples não
entram na cabeça dos meus conterrâneos, mesmo na de alguns economistas
respeitados...”
“Repita comigo, Bob, algumas verdades simples, que
funcionam em qualquer tipo de economia. O segredo para o crescimento sustentado
e o desenvolvimento social é uma boa combinação de quatro elementos essenciais:
macroeconomia estável, microeconomia competitiva, alta qualidade dos recursos
humanos e inserção nos fluxos dinâmicos de comércio e investimentos. Isso não
tem nada a ver com economia keynesiana, austríaca, liberal ou neoliberal. É uma
diferença entre boa e má economia. As
simple as that!”
“You are right,
Milton. Só podemos esperar que nossos cidadãos se convençam dessas constatações
tão óbvias. Let’s keep trying, now from
above...”
Paulo
Roberto de Almeida
Brasília,
20 de novembro de 2006
Infelizmente a Irlanda estatizou seus bancos pra evitar a quebra de seu sistema financeiro, e agora está quebrada... Comentário, PRA?
ResponderExcluirFez mais pelo estado que muitos marxistas!
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