sábado, 30 de junho de 2012

O Tratado de Nao-Proliferacao Nuclear: corrigindo um editorial de jornal (2005)

Leio muita bobagem nos jornais, geralmente devido a jornalistas mal informados e mal formados. Isso é normal, considerando-se a miséria educacional brasileira, a mediocrização das universidades e a indigência cultural em certos meios. Mais surpreendente é ver editoriais de jornais respeitáveis reproduzir alguns desses erros que se encontram em artigos de opinião e analíticos.
Abaixo uma correção que fiz em 2005 a um desses editoriais mal escritos e mal informados...


Carta ao Correio Braziliense sobre o TNP
Brasília, 9 de maio de 2005
Senhor diretor,
O editorial do CB desta segunda-feira, 9 de maio, sobre o “Desafio Nuclear”, contém diversos equívocos factuais e vários erros analíticos, induzindo os leitores a uma visão distorcida do que seja o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), sobre seus membros originais e seu papel no cenário internacional. Permito-me tão somente corrigir os mais graves erros desse editorial.
O TNP não foi firmado em 1970 entre os EUA e a finada URSS. Ele foi firmado em 1968, com a participação original dos EUA, da URSS e do Reino Unido, e não incluiu, até o início dos anos 1990, nem a China, nem a França. O TNP está completando, portanto, 37 anos, e não apenas 35 anos, como diz o editorial.
O editorial dá a impressão de que esses dois últimos países eram membros do mesmo “clube atômico” que os membros originais do TNP, quando isso não corresponde à verdade. De fato, eles se capacitaram no início dos anos 1960: a França explodiu seu primeiro artefato nuclear em 1962, no deserto argelino, e a China comunista, que não era ainda titular no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), o fez em 1964.
O editorial dá portanto a impressão de que o “clube atômico” deriva do TNP, quando isso não é verdade, e transmite a idéia de que a China já pertencesse ao CSNU. A China comunista só passou a ocupar a cadeira permanente a partir de 1971, quando a China nacionalista (mais conhecida como Taiwan) cede seu lugar na ONU à China continental.
É enganoso falar de um “clube atômico”, cujo membros se comprometeram a transferir tecnologia para uso civil aos não detentores de capacidade bélica nessa área, como também é enganoso falar que esse “clube” seria composto de “sócios assumidos” como a Coréia do Norte, Índia e Paquistão, quando esse status não é reconhecido pelo TNP ou pela comunidade internacional. Esses países podem ser de fato detentores de capacitação nuclear, mas não fazem parte de nenhum “Clube Atômico” (com maiúsculas, como escreve o CB).
Tampouco é correta a afirmação de que as autoridades sul-africanas reconheceram deter essa capacitação durante o regime do apartheid. Essa informação foi prestada a posteriori, justamente no momento da transição para o regime de maioria negra, quando também se informou que o programa estava sendo desmantelado.
Finalmente, é equivocado afirmar que o governo FHC decidiu assinar e ratificar o TNP em 1997, “diante de fortes pressões contra o Programa Espacial Brasileiro”. Tratou-se de decisão refletida com bastante antecedência e adotada num momento de revisão da política brasileira relativa a tecnologias duais, quando também o Brasil acedeu a foros restritos como o Regime de Controle de Tecnologias de Mísseis (MTCR), esse sim um clube restrito funcionando como foro informal de controle de tecnologias sensíveis.

Paulo Roberto de Almeida, Professor de Economia Política Internacional – Mestrado em direito do Uniceub - Website pessoal: www.pralmeida.org

A politica externa de Lula, um texto de 2005 - Paulo Roberto de Almeida

Continuando meu trabalho de escavação arqueológica em trabalhos antigos, para fazer uma lista dos textos relativos à política externa e relações internacionais do Brasil, deparo-me, de vez em quando, com alguns textos, sob forma de entrevista ou questionário, que foram respondidos bilateralmente e permaneceram "escondidos" desde então. Não tenho nenhum motivo para mantê-los reservados ainda, inclusive porque eles reproduzem exatamente o que eu pensava no momento da elaboração. As circunstâncias e a conjuntura podem ter mudado, fatos novos podem desmentir alguns dos argumentos, mas me parece útil expor aqui os textos, para ver o que se mantém e o que se tornou perempto. O texto abaixo foi para uma dissertação de mestrado numa universidade do sul do Brasil.



Entrevista sobre Política Externa no Governo Lula

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, em 7 de maio de 2005

1. Qual sua visão sobre a OMC de 2000 até os dias atuais?
Em 2000, a OMC, que já tinha completado cinco anos de existência, tinha sofrido um revés, com o fracasso da conferência ministerial de Seattle, nos EUA, em novembro de 1999. Esse fracasso, assim como outros percalços que ela possa ter tido nesse periodo de dez anos desde sua inauguração, não se deve propriamente à OMC, e sim ao aspecto político do comportamento dos países membros. Com efeito, a organização não pode, ela mesma, determinar suas orientações e ênfases em matéria de liberalização do comércio internacional e de criação, consolidação e respeito das normas relativas ao sistema multilateral de comércio, como é o seu mandato constitutivo. Para isso, ela depende da cooperação e da colaboração dos próprios países membros, que têm a faculdade de fazer avançar ou deixar paralisados os trabalhos que a OMC conduz, seja na administração dos acordos existentes, seja na negociação e implementação de novos acordos. Se os países membros são pouco cooperativos, seu trabalho ficará ipso facto paralisado. Se eles decidem avançar, ela consegue, então cumprir seu mandato e seus ideais.
Em todo caso, minha visão sobre a OMC é eminentemente positiva, pois ela consegue, ainda que a duras penas, fazer avançar, mesmo modesta e lentamente, a causa da liberalização do comércio internacional. Já em novembro de 2001, por exemplo, ela conseguir fazer aprovar na ministerial de Doha, um mandato para a atual rodada de negociações, que incluia a discussão sobre alguns dos temas mais importantes, e difíceis, do sistema multilateral de comércio, como podem ser os das práticas de subvenção à produção e exportação de produtos agrícolas, ademais da continuidade do trabalho em matéria de serviços, anti-dumping, investimentos e outros mais.
A ministerial de Cancun, no México, em setembro de 2003, foi um fracasso relativo, nãoa tanto devido ao capítulo agrícola – no qual o Brasil atuou de modo inteligente, ao constituir o atual G-20, de países que se opõem ao protecionismo e ao subvencionismo agrícolas –, mas mais devido a problemas em outras áreas, como os chamados novos temas, ou a agenda de Cingapura (investimentos, propriedade intelectual etc).
Nos próximos meses, isto é, no que resta de 2005 até a conferência ministerial de Hong-Kong, em novembro, a OMC tem pela frente o desafio de fazer avançar as negociações para completar a rodada Doha. Não acredito que haverá tempo hábil para finalizar todos os capitulos da negociação, e como sempre ocorrerá um mini-drama, nas vésperas da cúpula, e provavelmente durante a própria, alguns progressos serão feitos, a duras penas, mas o exercício não estará obviamente concluído. Provavelmente se chegará, em meados de 2006 ou mais provavelmente ao início de 2007, a algum resultado sob a forma de acordos complementares de liberalização em algumas áreas (como agricultura, mas ainda assim parcial e insatisfatório do nosso ponto de vista), e de estabelecimento de normas tentativas em outras áreas. Os países não mudarão muito o seu comportamento obstrucionista, o que é obviamente uma pena, mas é compreensível do ponto de vista político, tendo em vista o quadro habitual nesse gênero de diplomacia.

2. Qual sua opinião sobre a renovação do acordo brasileiro com o FMI e quais as conseqüências que este acordo poderia trazer para o Brasil?
O governo brasileiro, justamente, depois de quatro acordos sucessivos, em 1998, 2001, 2002 e 2003, decidiu, em março de 2005, não renovar, ou não negociar um novo acordo com o FMI, ficando portanto livre das condicionalidades associadas aos acordos precedentes (geralmente relativas ao atingimento de metas fiscais, como o superávit primário no orçamento). Não tenho certeza se teria sido melhor renovar o acordo existente, ou se, como decidido, não extendê-lo ou negociar um novo. Ambas as soluções têm suas vantagens e desvantagens. No caso da existência de acordo, trata-se de uma garantia de linha de crédito em caso de necessidade, como uma nova crise financeira internacional ou uma deterioração sensível das contas externas que colocasse em risco nossa capacidade de pagamento das obrigações externas (juros da dívida, amortização dos empréstimos contraídos, transferências de divisas por pagamento de fatores e outras saídas de capitais).
Por outro lado, as contas externas do Brasil estão relativamente em ordem atualmente, com superávit comercial amplo, o que permite cobrir o déficit crônico dos serviços (e portanto das transações correntes) e outras saídas de capital. Os investimentos diretos estrangeiros também estão sendo retomados, o que é uma garantia adicional. Não havia, assim, necessidade, stricto sensu, de renovação do acordo. Mas, o Brasil ainda possui algumas fragilidades, internas e externas, como a grande dívida pública e a existência de déficit nominal no orçamento, mesmo com acúmulo de superávits primários (que não chegam, entretanto, a cobrir os pagamentos de juros da dívida pública).
Em síntese, um acordo com o FMI pode representar a garantia de saldo disponível, em caso de necessidade, e sobretudo um aval sobre a qualidade das políticas econômicas, mas ele também representa uma espécie de sinal de alerta sobre a fragilidade de nossas contas externas. Em última instância, nós mesmos é que devemos realizar esforços para colocar as contas públicas, sobretudo as internas, em condições de sustentabilidade.

3. Qual o seu posicionamento a respeito da política Externa do Brasil com o atual Presidente?
Trata-se, como o próprio governo proclama, de uma política ativa, de uma diplomacia altiva. Apenas não tenho certeza de que todo esse ativismo se dirige para o lado correto, pois que existe, em substituição à antiga “diplomacia presidencial” do período FHC, uma espécie de “diplomacia partidária”, que mobiliza todas as crenças, valores e princípios de política externa do PT, que não necessariamente tem o melhor julgamento da realidade ou que não necessariamente pratica a melhor política externa de que o Brasil precisa.
Essa política externa “partidária” é feita de um anti-imperialismo instintivo, como corresponde a um partido esquerdista e ainda teoricamente socialista como o PT, de um preconceito contra a globalização e o capitalismo financeiro – como se o PT e mesmo o Brasil tivesse o poder de mudar certos processos existentes no mundo atual – e feita de muitas ilusões quanto à liderança, pelo Brasil, de outros países em desenvolvimento, sobretudo na região mas também no chamado Terceiro Mundo, objetivando mudar o mundo, a região e o próprio Brasil.
O PT e este governo mantêm certas ilusões quanto à mudança no “eixo do poder mundial” e na “geografia comercial do mundo”, como várias vezes proclamado. Para isso, o governo colocou dificuldades em algumas negociações comerciais, sob o pretexto de preservar “espaços nacionais para políticas de desenvolvimento”, que não se sabe bem quais sejam (mas que representam a continuidade do velho estatismo econômico, que já conhecemos tão bem). Não tenho certeza de que essa política feita de ativismo no mundo em desenvolvimento possa representar adequadamente os interesses de uma economia avançada e diversificada como é hoje a brasileira.

4.Comparando a política e o andamento do Brasil com FHC e agora, com Lula, o que o senhor acha que se está levando mais em consideração? Prevalece ainda o pensamento de esquerda e de direita?
Certamente, prevalece, infelizmente, esse maniqueismo de esquerda e direita, o que diga-se de passagem nunca existiu muito dentro do Itamaraty. Pode-se dizer que, em certo sentido, esse pensamento foi introduzido agora, a partir de fora, com a assunção do PT a uma posição predominante na determinação das principais linhas da política externa, o que realmente é uma pena, pois diplomacia ideológica nunca combina bem com o interesse nacional.
No mais, creio a que a diplomacia brasileira tem mais traços de continuidade do que de ruptura, que se exerce mais no estilo do que na substância. Elaborei um trabalho no qual faço uma comparação das duas diplomacias, justamente, cuja referência é: “Um exercício comparativo de política externa: FHC e Lula em perspectiva”, publicado na revista Achegas (Rio de Janeiro: nº 17, 12 de maio de 2004; ISSN 1677-8855; link: http://www.achegas.net/numero/dezessete/paulo_r_a_17.htm), depois expandido para “Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula”, publicado na Revista Brasileira de Política Internacional (Brasília: IBRI, ano 47, nº 1, 2004, ISSN: 0034-7329; pp. 162-184).

Paulo Roberto de Almeida

O Brasil e o Conselho de Seguranca: um texto de 2005 - Paulo Roberto de Almeida

Um questionário que me foi submetido em 2005; talvez boa parte dos argumentos mantenha ainda validade, por isso posto aqui, unicamente para fins de alimentar o debate.


O Brasil e o Conselho de Segurança da ONU

Paulo Roberto de Almeida
Respostas a questões colocadas por pesquisador brasileiro;
9 de Fevereiro de 2005

1) Com respeito à postulação brasileira ao assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, o sr. acha que o tema ficou enfraquecido na agenda da ONU, daí a falta de insistência no governo FHC, ou o próprio governo convenceu-se de que não teríamos chances? O fato da Argentina, em 1997, ter declarado ser contra a candidatura brasileira tb teria influenciado o discurso brasileiro em trono do tema, de maneira a evitar uma possível crise que prejudicasse o andamento do MERCOSUL. O presidente FHC, chegou a afirmar que "(...) preferia uma boa relação com a Argentina a uma cadeira no Conselho de Segurança."

PRA: Depois de um certo impulso para a reforma da Carta, no momento da derrocada do comunismo, e da constituição de GT especificamente dedicado a essa finalidade, o tema ficou de fato durante vários anos no limbo, provavelmente pelas dificuldades naturais de um processo desse tipo, e não devido ao desinteresse brasileiro pelo tema. O interesse sempre existiu, e vinha sendo concretamente manifestado pelo governo Sarney (que postulou diretamente a candidatura quando compareceu à AGNU em 1988) e reiterado durante o governo Itamar Franco, por iniciativa do então chanceler Celso Amorim (que não mais repetiu a fórmula empregada oficiosamente por Sarney de que o Brasil aceitaria ser membro permanente sem direito de veto). O presidente FHC e em especial o chanceler Luiz Felipe Lampreia davam importância ao tema, mas em face das dificuldades do processo e das próprias limitações intrínsecas brasileiras preferiram não insistir publicamente no assunto. Havia, igualmente, esse “fator Argentina” e o presidente FHC reconheceu publicamente que "preferia uma boa relação com a Argentina a uma cadeira no Conselho de Segurança", como reafirmou ainda em entrevista que me concedeu em maio de 2003 em Washington (consignada no meu trabalho “A relação do Brasil com os EUA: de FHC-Clinton a Lula-Bush”, capitulo 9 (Parte IV: A Inserção Internacional do Brasil) no livro de Fabio Giambiagi, José Guilherme Reis e André Urani (orgs.), Reformas no Brasil: Balanço e Agenda (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004; ISBN: 85-2091-609-0, p. 203-228). Mas, em nenhum momento se pensou que o Brasil “não teria chances”, ao contrário: a não insistência se devia ao fato de que justamente se mantinha a convicção de que, uma vez aberto o processo e dado início ao processo de seleção de um candidato “regional”, a candidatura do Brasil seria praticamente incontornável, mesmo se nunca postulamos, diretamente, uma candidatura “regional”, e sim nosso mérito em bases “universais”. Nossas chances eram dadas inclusive pelo fato de que o México, até a presidência Fox (e ainda assim por insistência do chanceler Castañeda) nunca havia considerado ser candidato. A Argentina se opunha ao Brasil apenas por uma questão de prestígio nacional, não por considerar que mantinha chances reais de vir a ser escolhida. 

2) O envio de tropas para o Haiti, sob a liderança brasileira, contribui ou não para o fortalecimento de credenciais do Brasil a um assento permanente? Desde as missões de paz em Suez e em Angola (UNAVEM), não enviávamos efetivos tão numerosos.

PRA: O envio não foi feito “sob liderança brasileira”, mas sim a pedido e mediante arranjos políticos com EUA e França. A decisão interna, aliás, mais se deveu a articulações de setores do governo (identificados com o Palácio do Planalto e o titular da SECOM, em coordenação com o comandante do Exército), do que a negocições diplomáticas conduzidas pelo Itamaraty.
De fato, esse envio contribui para reforçar o papel do Brasil no processo de discussão sobre questões de segurança, ainda que em escala modesta (já que o Haiti não era um problema de ameaça à comunidade internacional, e sim ao seu próprio povo, em primeiro lugar, em seguida aos EUA, em termos de afluxo maciço de refugiados e boat-people). Trata-se de um teste para nosso envolvimento ulterior em operações de peace keeping, mas a operação também apresenta alguma características de peace making, para as quais talvez não estejamos preparados.
            De certa forma, estamos servindo de linha de frente para os governos da França e dos EUA, que não pretendiam se envolver com operações de características quase policiais e assistencialistas. Em suma, não houve um planejamento muito bem feito sobre a extensão, as implicações e as consequencias de nosso envolvimento e tudo foi feito em beneficio do prestigio e para apoiar essa campanha por uma vaga permanente no CSNU.

3) Com respeito à postulação brasileira por um assento no pós-II guerra, mesmo após várias leituras de textos que reuni, ainda, não ficou claro se a candidatura partiu por uma iniciativa brasileira ou se, depois dos EUA cogitarem a possibilidade, o Brasil passou a articular-se com mais ênfase?

PRA:   O Brasil por certo mantinha essa ilusão, aliás desde a Liga das Nações, de vir a integrar o inner circle dos países responsáveis em escala mundial. A postulação preliminar existia, e pode ter sido veiculada talvez por Vargas a Roosevelt, diretamente, mas a candidatura só se tornou mais factível quando o Secretario de Estado assistente Stettinius, de passagem pelo Brasil (no início de 1945, creio), acenou com essa possibilidade, e por isso pediu que o Brasil reconhecesse a URSS e estabelecesse relações diplomáticas. Mas, tanto a URSS como o Reino Unido se opunham a que o Brasil ingressasse no CS, quando nem a própria presença da França estava garantida. Existem menções a essas conversações nos papéis diplomáticos americanos.

O governo contra a economia (e os cidadaos), 2: petroleo e gasolina

Das catacumbas, encore et toujours...
O artigo é de um ano atrás, mas sua atualidade é ainda mais atual, se me permito dizer. Tanto é assim que a Petrobras está tentando reverter algumas das péssimas decisões tomadas na gestão anterior, aliás, como quase todos os mesmos personagens do passado, à exclusão de dois presidentes, agora ex, que fizeram muito mal à empresa. Diga-se de passagem, os responsáveis diretos estão aí mesmo, no comando...


O governo sempre mete os pés pelas mãos, quando pretende criar um capitalismo dirigido, obediente, amestrado, subserviente. Tentou fazer assim com a Vale, que é uma empresa privada, mas que é considerada em certos setores como uma "perda estratégica" (vejam vocês: o governo gosta de exportar minérios, ou aço).
Sempre fez assim com a Petrobras, que foi uma empresa medíocre (a despeito de ser financiada por todos os brasileiros), até adquirir autonomia, sob o regime anterior, e crescer tecnologicamente e no mercado. Agora a empresa vem sendo usada para fins políticos (e eu nem menciono os milhões de reais repassados à máfia sindical) e com isso perde valor de mercado e não consegue cumprir objetivos empresariais, pois tem de cumprir objetivos que não são os seus (como, por exemplo, produzir renda para deputados e companheiros sequiosos de recursos públicos).
Infelizmente, temos de conviver com bobagens econômicas enquanto durar o reino dos companheiros no poder.
Paulo Roberto de Almeida


Petrobras perde US$5,7 bi em valor de mercado e cai no ranking do setor
Bruno Villas Bôas
O Globo, 9/07/2011


O mau desempenho das ações da Petrobras na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) — efeito da ingerência política sobre o reajuste do preço da gasolina nos postos — fez a companhia cair da terceira para a quinta posição no ranking das maiores empresas de petróleo do mundo. O valor de mercado da estatal encolheu US$5,77 bilhões desde 24 de setembro de 2010, data da sua megacapitalização (a maior da história), para US$207,33 bilhões ontem.


A companhia ficou, assim, menos valiosa pelo critério valor de mercado (que consiste em multiplicar as ações da empresa pelo seu preço) em comparação à anglo-holandesa Royal Dutch Shell (US$220,47 bilhões), agora a terceira no ranking. E também foi ultrapassada na listagem pela americana Chevron (US$211,54 bilhões), que assumiu a quarta posição.


Especialistas lembram que a perda de valor não foi maior porque as ações da estatal são negociadas em reais e a moeda americana, usada no ranking, desvalorizou-se 8,42% de 24 de setembro do ano passado até ontem. Desde o fim da capitalização, as ações preferenciais (PN, sem voto) caíram 9,71% na Bovespa e as ordinárias (ON, com voto), 11,82%.


Segundo Osmar Camilo, analista da corretora Socopa, além da interferência do governo, outros fatores afetaram as ações da empresa nos últimos meses, como a “digestão” da capitalização de R$120 bilhões e as incertezas sobre o plano de negócios da companhia.


— A empresa tem um desafio muito grande pela frente, que é fazer caixa para financiar o desenvolvimento do pré-sal — explica o analista. — No longo prazo, no entanto, esperamos que os investimentos realizados agora se mostrem benéficos, já que a produção de petróleo pode dobrar nos próximos dez anos.


O ranking segue liderado pela americana Exxon Mobil, com valor de mercado de US$402,21 bilhões. Em setembro, a Exxon valia US$314,93 bilhões. O aumento foi provocado pelo alta do preço do barril de petróleo. Na segunda posição aparece a Petrochina, com valor de mercado de US$265,92 bilhões.

Epidemia de ideias malucas - Moises Naim

Das catacumbas, encore...


O adjetivo "maluca" é meu, achei mais apropriado.
Ele trata das más ideias em geral, mas se fossemos fazer um inventário daquelas exclusivamente brasileiras, ou seja, das jabuticabas, um artigo só não bastaria; precisaríamos de meio livro, pelo menos.
Paulo Roberto de Almeida


Epidemia de malas ideas
Moisés Naím
El País (España), 10/07/2011


¿Caerá Grecia? ¿Se llevará consigo al euro? ¿Qué sucede si Pakistán entra en un caos político, o si las revueltas árabes producen incontenibles oleadas de refugiados hacia Europa? ¿Qué es más amenazante para la estabilidad de la economía mundial: un eventual estancamiento de China o la explosión de la deuda pública en Estados Unidos? El mundo está lleno de fragilidades y las noticias nos lo recuerdan a diario. Pero también hay otro tipo de fragilidad que, aunque menos visible, puede ser igual de peligrosa: la fragilidad intelectual.


Me refiero a la creciente frecuencia con la que las malas ideas se transforman en decisiones que nos afectan a todos.


Los gobernantes siempre se han mostrado vulnerables a la seducción de las malas ideas, muchas veces potenciadas por intelectuales, periodistas y otros actores influyentes. Pero ahora, las nuevas tecnologías, la globalización y la creciente presión para responder con rapidez y audacia a los problemas -muchos de ellos sin precedentes- han acentuado esta fragilidad. Las malas ideas se popularizan y se esparcen rápidamente por el mundo, antes de que aparezcan sus defectos. Y lo que es peor: enfrentados a las crisis (políticas, económicas, militares), los líderes se ven cada vez más tentados a apostar en grande -vidas, dinero, capital político- basados en ideas espurias. La invasión de Irak es un buen ejemplo, como lo son también la reacción inicial a la crisis económica mundial o, más recientemente, a la de Grecia.


Esto no es nuevo. La historia está salpicada de teorías que se ponen de moda e inspiran políticas, para terminar siendo refutadas o reemplazadas por otras. Algunas, como el comunismo o el fascismo, son construcciones ambiciosas, que proponen una visión total del mundo. Otras son más modestas en su alcance. La teoría de la dependencia, la curva de Laffer popularizada por Ronald Reagan, la presunta superioridad de la cultura gerencial japonesa o la idea de que es inteligente invertir grandes sumas en compañías de Internet sin ingresos fueron conceptos populares, luego demolidos por la realidad.


Igualmente hay buenas ideas que, después de ganar cierta notoriedad, son ignoradas porque resultan políticamente onerosas. La crisis económica puso sobre la mesa la necesidad de dotar al mundo de una "nueva arquitectura financiera". Hoy la necesidad sigue en pie, pero la propuesta ha pasado de moda y ya no cuenta con el apoyo que tenía durante el clímax del pánico financiero.


Si bien el ciclo nacimiento, apogeo y descarte (algunas veces incluso resurrección) ha sido una constante histórica de las ideas que influyen sobre grandes decisiones, su duración se ha abreviado. Esta aceleración se traduce en la volatilidad de las políticas, en detrimento de la adopción de alternativas más sólidas y duraderas.


La creciente necesidad de respuestas para problemas tan nuevos como amenazantes aumenta la probabilidad de que malas ideas se transformen en decisiones. A los jefes de empresa se les exige más resultados y más rápido; los dirigentes políticos se enfrentan a electorados cada vez más impacientes, los funcionarios están obligados a improvisar respuestas a emergencias sin precedentes... Así, las "soluciones milagrosas" e instantáneas se imponen a buenas propuestas que tardan en dar frutos. Aunque tarde o temprano las malas ideas quedan en evidencia y son descartadas, algunas duran lo suficiente como para causar grandes daños. Y cabe el riesgo de que sean sustituidas por una nueva "buena" idea igualmente engañosa y efímera. Un círculo vicioso.


Esta volatilidad intelectual es amplificada por las nuevas tecnologías de la información. Si bien la rapidez y la comodidad con las que nos comunicamos facilitan el escrutinio y la crítica de ideas y propuestas, no es menos cierto que el volumen y la velocidad de la información que circula por estos canales superan nuestra capacidad de discernimiento, aprendizaje, ponderación y reacción. En medio de un flujo continuo de datos, es imposible discriminar el ruido de todo lo demás. Qué idea es válida y qué crítica es ilegítima, tendenciosa o errónea. En este caso, a menudo, más es menos: cuanto más debate, menos claridad. Tanta información aumenta los costes de averiguar a qué y a quién creer.


Como pasa con muchos problemas, la fragilidad intelectual de estos tiempos no tiene remedios simples. Es inevitable que nuestros dirigentes sigan siendo seducidos por imposturas intelectuales, con los consabidos resultados indeseables. Pero, como lo han demostrado tanto los ataques terroristas como la crisis financiera, el primer paso para ser menos vulnerables a los encantos de las malas ideas es reconocer nuestra preocupante propensión a adoptarlas. Es tan prioritario estar alerta a la creciente influencia de las malas ideas como a los terroristas suicidas o a las letales innovaciones financieras.


Twitter: @moisesnaim








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Enrique Krauze: a dificil democracia latino-americana


Aspirações democráticas
Ivan Marsiglia
O Estado de S. Paulo30 de junho de 2012

A 43ª Cúpula de Presidentes do Mercosul, em Mendoza, na Argentina, ocorreu essa semana em clima de Família Trapo: reinou a confusão entre os países irmãos. Tudo por conta do drama político que se desenrolou no Paraguai, com seu presidente, o ex-bispo católico Fernando Lugo, destituído do cargo em tempo recorde pelo Senado, em favor do vice, Federico Franco. Golpe ou devido processo legal? Esse foi o debate que monopolizou a semana. Na quinta-feira, evocando a chamada "cláusula democrática" do Mercosul, os chanceleres do Brasil, Argentina e Uruguai decidiram suspender o novo governo de Assunção das reuniões e decisões do bloco até a realização das eleições presidenciais naquele país, previstas para abril do ano que vem.
No dia seguinte, a presidente argentina, Cristina Kirchner, que enfrentara greve e manifestação de sindicatos em frente à Casa Rosada na quarta, escancarou sua preocupação: evitar novos "golpes suaves" no continente. E resumiu o estado de espírito latino-americano por esses dias, parafraseando o escritor Jorge Luis Borges: "Não nos une tanto o amor, mas sim o espanto". Dilma Rousseff, que assumiu na ocasião a presidência temporária do Mercosul e elogiou a decisão de punir politicamente o Paraguai, atuou nos bastidores para impedir sanções econômicas ao vizinho. E ambas as presidentes anunciaram, braços dados com o colega uruguaio José Mujica, a adesão da Venezuela de Hugo Chávez como membro pleno do bloco.
Nada disso espanta o ensaísta, jornalista e historiador mexicano Enrique Krauze, um dos mais argutos observadores da coreografia política de nosso continente - para quem os movimentos acima são parte corriqueira do desengonçado balé democrático latino-americano.
"A democracia em nossos países é tão jovem e frágil que a continuidade é vista como um valor, enquanto a interrupção de um governo é admitida apenas como exceção", explica o autor de livros como O Poder e o Delírio, biografia demolidora de Chávez ainda sem edição brasileira, e Os Redentores - Ideias e Poder na América Latina, uma galeria das lideranças messiânicas que tingiram e ainda tingem a política do continente com as cores do populismo, lançado em 2011 pela Benvirá. Para o historiador, a despeito do rito constitucional sumário em que se deu o impeachment de Lugo, a soberania do Paraguai deve ser respeitada. Entretanto, afirma, citando um antigo dito espanhol, que o país sul-americano terá de se haver com as consequências de ter feito "coisas boas que parecem más".
Na entrevista a seguir, Enrique Krauze analisa a nova cena político latino-americana que se desenha anos após a "onda vermelha" que elegeu governos de diferentes matizes de esquerda no Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, Bolívia, Venezuela e Equador. E, embora não acredite na chegada de uma ola conservadora a apeá-los em dominó do poder, desconfia que talvez estejamos assistindo ao último adeus do populismo no continente.
"As novas gerações estão se dando conta de que a via proposta por Chávez e Fidel não é viável nem conveniente", diz Krauze. Uma tomada de consciência proporcionada em grande medida, segundo ele, pelo exemplo brasileiro. "O Brasil teve, consecutivamente, três presidentes oriundos da esquerda - a esquerda acadêmica, a sindical e até a guerrilheira. Todos comprometidos com a democracia e a modernização." E ressalta, criticando a virulência dos ataques de Álvaro Uribe a seu sucessor, Juan Manuel Santos, na Colômbia, que o populismo também pode se vestir com a farda da direita. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Aliás de sua casa na Cidade do México, às vésperas das eleições em seu país.
Com o passar dos dias, qual é sua avaliação e que impressão ficará da reviravolta política no Paraguai?
A destituição de Lugo é menos polêmica que a que ocorreu em Honduras, pois temos a impressão que ao menos ela se deu nos termos das cláusulas constitucionais do país. O que acontece é que a democracia em nossos países é tão jovem e frágil que qualquer coisa que pareça ruim resulta ruim. Em um contexto de fragilidade democrática, a estabilidade e a continuidade são vistas como um valor, enquanto a interrupção de um governo é admitida apenas como exceção. Pessoalmente, faço votos de que a marcha institucional do Paraguai termine por demonstrar que o processo como se deu, que de fato não parece tão bom, tenha sido um recurso necessário.
Recém-empossado, o novo presidente Federico Franco logo tratou de receber o núncio apostólico do Vaticano. Nos dias que antecederam o golpe, autoridades da Igreja local espalhavam que Lugo ‘não fazia bem à família paraguaia’, em alusão aos filhos de um homem comprometido com o celibato. O papel da Igreja foi decisivo em sua queda?
A mim me parece deplorável que a Igreja, a essas alturas da história, siga tendo um peso político tão grande em alguns países. Eu não sou jacobino, mas penso que esse não é um signo de modernidade. A mim tampouco me parece que os costumes estritamente privados dos governantes tenham que ter mais importância que seu desempenho público. Entretanto, essa já é uma situação mundial - vide o que se constata nos Estados Unidos até hoje, quase uma intolerância puritana em relação aos hábitos dos candidatos, algo lamentável. Mas trata-se de um vício quase universal da democracia.
Quinta-feira, o Mercosul decidiu suspender o novo governo do Paraguai das reuniões e decisões do bloco até as eleições presidenciais do ano que vem. Jornais paraguaios chegaram a aludir à Tríplice Aliança, que uniu Brasil, Argentina e Uruguai contra o país vizinho em 1864, na Guerra do Paraguai. Foi uma reação desproporcional?
Eu não conheço a Constituição do Paraguai, mas o país é soberano em suas próprias decisões e é preciso respeitá-las. Ainda assim, não podemos fechar os olhos diante da realidade política de que o prestígio democrático da América Latina não é o mais alto. E é preciso ser muito cuidadoso em relação à forma como certas decisões são tomadas. De novo, evoco um velho ditado espanhol que não sei se tem correspondente em português: No hagas cosas buenas que parescan malas (não faça coisas boas que pareçam más). Eu acredito que no Paraguai se fizeram coisas que podem até estar corretas, mas de uma forma que não parece correta. Por isso, os paraguaios vão padecer até que esse capítulo se encerre. Em política, as aparências são tão importantes quanto a realidade.
A Argentina de Cristina Kirchner assistiu essa semana a uma greve de caminhoneiros que reuniu milhares de pessoas em frente à Casa Rosada, e a Bolívia de Evo Morales enfrenta há meses uma greve de policiais. Há sinais de instabilidade no continente ou é apenas rotina?
Essa instabilidade é rotineira, mas é uma boa notícia que os governos populistas estejam enfrentando as consequências de suas promessas. Ainda que nossas jovens democracias muitas vezes não entendam a importância da responsabilidade, na vida não é possível receber sem dar, nem dar sem receber. Se não se tem consciência de que todas as liberdades vêm acompanhadas de responsabilidades, o tecido social se desvirtua. Quem planta por todos os lados promessas de riqueza infinitas, uma hora vai encontrar os destinatários a cobrá-las. Agora vamos ver como esses governos populistas sairão dessa.
Outra situação que causa perplexidade é a da Colômbia: encastelado em um quartel militar, o ex-presidente Álvaro Uribe subiu o tom das críticas à política do sucessor que ele próprio escolheu, Juan Manuel Santos. Como entender isso?
Eu considero que, assim como há "redentores" de esquerda, também existem os de direita. E Álvaro Uribe está se aproximando perigosamente de tal perfil, começando a pensar que a história da Colômbia não pode caminhar nem avançar sem sua presidência. Esse enfrentamento direto que ele tem feito a Santos me parece muito perigoso. Porque a Colômbia, com todos os problemas que conhecemos, sempre foi um país exemplar em sua marcha democrática. Quero dizer uma coisa: não creio em "homens indispensáveis". A ideia de que certos líderes são necessários e indispensáveis é muito ruim. A postura de Uribe hoje é tremendamente criticável.
Seu país, o México, também vive um momento delicado, com as eleições ocorrendo em meio à guerra declarada do Estado contra grupos narcotraficantes. Como o sr. vê esse cenário?
O México enfrenta neste domingo um novo desafio em sua vida democrática. Irão às urnas mais de 40 milhões de pessoas. O país hoje tem instituições eleitorais autônomas que manejam o pleito de maneira confiável e a vitória, segundo os institutos de pesquisa, deverá ser do PRI (Partido Revolucionário Institucional, hoje na oposição). O PRI conserva muito dos aspectos que nos levaram a chamá-lo de "partido dos dinossauros", mas também tem uma ala jovem que pode vir a modernizar o partido. Isso nós ainda vamos saber. Ainda que o partido tenha o hábito de grande corrupção política e econômica, também é verdade que o México mudou tanto nos últimos anos que uma restauração pura e simples do velho sistema será impossível. Acredito que, muito mais que o PRI, vai triunfar hoje a democracia do nosso país, que não tem mais que 14 anos de vida, mas tem avançado substancialmente.
Um ano atrás, quando o sr. concedeu uma entrevista ao Aliás, a América Latina vivia a plenitude da chamada ‘onda vermelha’, com governos de esquerda instalados em quase todo o continente. Estaríamos assistindo agora a uma nova onda, conservadora, e ao enfraquecimento de governos populistas?
Não costumo pensar em termos de ondas. O que vejo ocorrer é um fortalecimento da democracia no continente. Sou um otimista. E creio que as novas gerações na América Latina estão se dando conta de que a via proposta por Chávez e Fidel é ruim, que a saída de "esquerda radical revolucionária socialista", todo esse delírio, não é viável nem conveniente. E os países da região estão agora flutuando entre governos ora mais conservadores, ora mais liberais, inclusive social-democratas. Nisso, o Brasil, por seu exemplo, jogou um papel fundamental.
Qual foi a contribuição brasileira à democracia no continente?
O Brasil teve, consecutivamente, três presidentes oriundos da esquerda - a acadêmica, a sindical e até a guerrilheira. Todos, no entanto, comprometidos com a democracia e a modernização. Conhecemos Fernando Henrique Cardoso nos anos 1960 e 70 como um teórico marxista e foi esse mesmo homem que logrou fazer as reformas liberalizantes no país. Lula também conseguiu se livrar de seu passado no sindicalismo radical e modernizar o Brasil. E Dilma, que cerrou fileiras com um grupo armado, mostra-se hoje um exemplo de racionalidade política. Diante do exemplo brasileiro, ficou evidenciado o absurdo de uma via populista para a América Latina. Não quero cantar nada em definitivo, mas talvez estejamos assistindo ao último adeus do populismo no continente. As exceções seguem sendo Venezuela e Argentina, esta última aprisionada por um peronismo que virou uma espécie de religião lá.
Com a saúde de Chávez comprometida, o sr. acredita que Rafael Correa, o jovem presidente equatoriano que estuda conceder asilo político a um ativista com cidadania britânica, Julian Assange, pode se tornar a nova liderança populista no continente?
Correa ganhou certo destaque, mas o Equador jamais terá o peso geopolítico de uma Venezuela, com suas imensas jazidas de petróleo. E o destino de Chávez será jogado nas eleições venezuelanas de outubro, que serão verdadeiramente históricas.
Nesse contexto de democracias promissoras, porém ainda frágeis, que o sr. identifica na região, que peso têm os avanços nos direitos civis e de minorias verificados nos últimos anos, como a aprovação do casamento gay na Argentina, a união civil entre pessoas do mesmo sexo no Brasil e a legalização da maconha no Uruguai? 
A construção de uma cidadania moderna ainda levará muito tempo na América Latina. Isso porque nossos países herdaram uma cultura política oriunda de outras tradições. A tradição ibérica, tanto no Brasil quanto na América Hispânica, é bastante distinta do ideário moderno que ensejou a noção de indivíduo com direitos salvaguardados da ingerência do Estado. A ideia de um Estado central muito forte e determinante na vida das pessoas permanece firme na cultura política de nosso continente. Mas as lutas vão ocorrendo e as liberdades vão se ampliando entre nós. A verdade é que a democracia é um edifício que leva séculos para ser construído, pouco a pouco. E assim estamos fazendo. Penso que a América Latina está no bom caminho da democracia, a região está enfrentando seus problemas e ela avança.