Então ficamos assim: os golpes bons, dos companheiros, são ações para salvaguardar
a democracia e garantir a estabilidade na região; eles são não apenas bons, mas
totalmente legítimos e bem-vindos, já que em prol da boa causa, que todo mundo
sabe qual é.
Mas, atenção, os golpes maus, esses contra companheiros progressistas,
estes são culpa da rede Globo, da mídia capitalista, do Partido da Imprensa
Golpista, e devem ser denunciados e recusados, de todas as formas, em prol das
boas causas, claro...
Paulo Roberto de Almeida
Golpe contra o Mercosul
Editorial
O Estado de S.Paulo, 3 de Julho de 2012
Em mais uma
decisão desastrada e vergonhosa para a diplomacia brasileira, a presidente
Dilma Rousseff apoiou a suspensão do Paraguai e a admissão da Venezuela como
sócia do Mercosul. Seguiu a orientação de sua colega argentina, Cristina
Kirchner, de credenciais democráticas abaixo de duvidosas, e sujeitou o destino
do bloco regional aos objetivos políticos do caudilho Hugo Chávez. Como se
quisesse dar razão a todos os críticos da escandalosa manobra encenada em
Mendoza, o chefão venezuelano vociferou: "Não tenho dúvidas de que por
trás daquele grupo de senadores do Paraguai está a mão do império, tentando
impedir a conformação de uma verdadeira potência na América do Sul". Ele
se referia ao último obstáculo à sua participação com direito de voto na cúpula
dirigente do Mercosul. Não se sabe se a presidente brasileira corou ou sentiu
pelo menos um leve arrependimento ao ler esse palavrório. Seus conselheiros
diplomáticos e estrategistas internacionais devem ter exultado, ao receber a
aprovação por mais esse ato de submissão ao grande movimento redentor da
América do Sul, o kirchnerbolivarianismo.
Além de
representar mais uma grave ameaça ao Mercosul, já enfraquecido por suas
divisões, pelo protecionismo interno e por sua incapacidade de integração
competitiva na economia global, a decisão a favor do ingresso da Venezuela é
muito discutível do ponto de vista legal. Suspenso da participação nas reuniões
e nas deliberações do bloco, o Paraguai se mantém, no entanto, como sócio.
Quando for readmitido, depois da eleição presidencial de abril de 2013, a
oposição de seus senadores ao ingresso da Venezuela terá perdido efeito?
Especialistas contestam essa possibilidade ou, no mínimo, têm dúvidas
relevantes sobre o assunto. Esse grupo inclui o chanceler uruguaio, Luiz
Almagro.
Surge, portanto,
um contraste dos mais interessantes: não há como negar a legalidade do
impeachment do presidente Fernando Lugo (nem o governo brasileiro usou a
palavra "golpe"), mas há uma boa base para contestar a punição
imposta ao Paraguai. Em outras palavras, há bons argumentos para qualificar
como golpe a manobra usada para possibilitar a admissão de Hugo Chávez como
membro pleno da mesa diretora do Mercosul. Quem, nessa história, merece de fato
ser chamado de golpista? Até agora, os presidentes e diplomatas envolvidos na
condenação do Paraguai foram incapazes de sustentar sua decisão em um claro
fundamento jurídico. Há uma diferença considerável entre apontar a rapidez do
processo de impeachment do presidente Lugo e provar a violação de uma norma
constitucional.
Enquanto a
presidente Dilma Rousseff e seu colega uruguaio José Mujica seguiam a
orientação da presidente Cristina Kirchner e atendiam aos desejos do chefão
Chávez, empresários discutiam o futuro do comércio regional numa reunião
paralela, em Mendoza. "A Argentina será responsável pelo fim do
Mercosul", disse no encontro o presidente do Conselho Superior de Comércio
Exterior da Fiesp, embaixador Rubens Barbosa.
Ele se referia
ao protecionismo argentino. A criação de barreiras aumentou a partir de 2008,
quando a crise internacional se agravou, e intensificou-se nos últimos seis
meses, quando Buenos Aires abrigou a presidência temporária do bloco. A
multiplicação de barreiras, como lembrou o embaixador Rubens Barbosa e
confirmam os empresários dos dois lados, prejudica tanto a indústria brasileira
quanto a argentina. Incapaz de reagir a esses abusos, o governo brasileiro
assume a posição de cúmplice na devastação comercial e institucional do bloco.
Não houve punição econômica ao Paraguai, graças a um
surto de quase lucidez do governo brasileiro. Mas terão os paraguaios interesse
em ficar no Mercosul? As normas da união aduaneira impedem os sócios de
negociar isoladamente acordos de livre comércio. Petismo e kirchnerismo têm
sido os principais obstáculos a negociações com parceiros de peso como os
Estados Unidos e a União Europeia. Talvez os paraguaios descubram, em seu
absurdo isolamento, uma inspiração a mais para mandar às favas essa união
aduaneira fracassada e buscar negociações relevantes para seu país.
Sr. PRA,
ResponderExcluirDigamos que o Paraguai opte deixar o Mercosul. Poderia o Brasil retalia-lo, nao permitindo que as mercadorias para ele enviadas por meio maritimo, via portos brasileiros, transitem em territorio nacional?
Poderia o pais fechar seus portos ao Paraguai?
Obrigado.
GStein
Caro Gstein,
ResponderExcluirIsso não seria possível, a menos de uma extrema violência contra o Paraguai, o que só se justificaria em circunstâncias excepcionais, o que obviamente não vai ocorrer.
O trânsito livro de mercadorias desembarcadas em Paranaguá para o Paraguai (e talvez de outros portos também) está assegurado desde largo tempo e o acordo formal que regula o trânsito livre data da era Vargas, caso não esteja enganado.
Ou seja, isso não tem nada a ver com o Mercosul, e sim com as relações diplomáticas e comerciais entre o Brasil e o Paraguai, que possui um canal próprio para seu comércio exterior. Os containers seguem fechados até a Aduana Paraguaia.
Paulo Roberto de Almeida
Essa é a diferença fundamental entre um diplomata cronista e o ministro das relações exteriores: aquele pode se dar o direito (se é que isso é direito) de divagar, fazer piadinhas sobre o risco real de se ter uma ruptura democrática na América Latina, região já tão castigada por golpes de estado; este não pode viver de filosofia, poesia, crônica, ao contrário, tem que se esforcar (se é que era necessário nesse caso) para ver o que realmente aconteceu; a realidade. E a realidade é que política se faz daquilo que nao se vê (infelizmente). Engolir a legalidade do “impeachment" de Lugo seria fechar os olhos a um descarado golpe de estado, implementado num teatro montado em pleno Congresso paraguaio (não, não foi golpe militar, não estão mais na moda, e ficam muito na cara), onde congressistas comprados pelo capital estrangeiro internacional mandaram mais cedo pra casa mais um presidente democraticamente eleito. E tem gente ainda que defende isso! Bom, cronistas ... Mas o Brasil cometeu um erro: não sancionou o Paraguai economicamente! Bem vindo Hugo!
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