quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Diplomatas e engenheiros: um depoimento sobre o Paraguai - Coriolando Beraldo

Diplomacia e diplomatas

Coriolando Beraldo
Monitor Digital, 11/09/2012 - 20:22:29
 
Até o momento, nada do que foi dito pelo governo brasileiro através seus inúmeros porta vozes esclareceu a posição do Brasil em relação ao Paraguai com relação à mudança de governo ali ocorrida.
Desde a guerra da Tríplice Aliança e depois que o Paraguai preferiu construir em parceria com o Brasil a Usina Hidrelétrica de Itaipu, postergando a hipótese de construir com a Argentina a usina de Yaciretá Apipê e até mesmo participar da usina de Corpus, nosso governo não toma uma atitude tão equivocada como essa.
Nossas relações com o Paraguai, com a parceria para construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, foram reconstruídas desde as negociações do tratado que permitiu a execução do gigantesco projeto através um processo de competência diplomática, determinação dos nossos governantes e dedicação dos nossos negociadores.
Pouco ou quase nada se escreveu até agora sobre Itaipu. Muito se fala sobre a monumental usina geradora de energia elétrica. Mas sobre o ente binacional constituído para tornar viável jurídica e fisicamente a usina há um incompreensível silêncio oficial e da própria imprensa.
O tratado celebrado entre Brasil e Paraguai que regulou e regula, com todas as alterações já inseridas, os procedimentos legais observados pelos dois países em relação à obra e à empresa constituída para gerir e operar a usina, discutido durante anos, constitui um dos mais importantes documentos já negociados pela diplomacia brasileira.
Mario Gibson Barbosa, Expedito Rezende, João Hermes Araujo são nomes da diplomacia brasileira presentes na história da construção dessa estrutura pioneira no Brasil, a empresa binacional, destinada a conduzir a gigantesca obra da usina hidrelétrica de Itaipu.
Naquele tempo, se discutia os interesses do Brasil. Ante o Paraguai, parceiro na obra, e ante a Argentina, que tudo fez para evitar que a obra se viabilizasse, a diplomacia brasileira empregou toda a sua inteligência e competência nas negociações do tratado, documento fundamental para tornar possível a conciliação dos interesses dos dois países.
Naquele tempo a diplomacia brasileira não estava atrelada a um processo de governo voltado para a defesa de ideologias sem compromisso com o país. Não havia esse simulacro de união regional chamado de Mercosul, associação esdrúxula em que Argentina e Venezuela se juntaram para estimular outros integrantes a explorarem o Brasil.
A fragilidade dos princípios patrióticos presentes nos métodos de governar da safra de políticos que ascendeu com Lula só não é maior que a irresponsabilidade com que governam. O populismo impregnado em suas ações, a desastrosa confrontação das regras legais com o cinismo da oferta de soluções para problemas sociais imediatos e a facilidade com que se carreia caminhões de dinheiro público para os bolsos de ladrões, impunemente, autorizam os vizinhos a quererem participar do butim.
No caminho das obras de Itaipu avançavam as discussões sobre os aspectos relacionados à utilização da energia gerada e todas a atenções se voltaram para o fato de que a frequência da corrente elétrica era diferente no Brasil e no Paraguai.
O problema era sério e a hora de soluciona-lo havia chegado. O governo paraguaio, na época Alfredo Stroessner era o presidente, na mesa de negociações, tentou obter do governo brasileiro, Ernesto Geisel era o presidente, um empréstimo de muitos, mas muitos milhões de dólares, para modificar a ciclagem no Paraguai, algo absolutamente impensável.
Geisel foi duro, negou-se a admitir a hipótese e, após estudar as alternativas que lhe foram submetidas por Costa Cavalcanti, diretor geral da empresa binacional, decidiu que a energia para o Paraguai seria entregue pela usina na frequência do país vizinho, solução tecnicamente viável.
Como a frequência no Paraguai era de 50hz e no Brasil, de 60hz, e pelo tratado cada um dos parceiros tinha direito a metade da energia gerada, assegurada ao Brasil a aquisição preferencial da energia que não fosse utilizada pelo Paraguai, a decisão do governo brasileiro foi no sentido de que a Itaipu binacional gerasse em 50hz com metade dos seu geradores e em 60hz a outra metade.
Assim, em vez de transferir para o Paraguai algo em torno de US$ 400 milhões, o governo brasileiro, através da Eletrobras e de Furnas, investiu na construção do chamado linhão de 500kv, em corrente contínua, entre Foz do Iguaçu (Paraná) e Ibiuna (São Paulo), garantindo empregos, impostos, fornecedores, indústria e comercio nacionais.
Como naquele tempo homens responsáveis pela gestão de recursos públicos, no Brasil, se davam o respeito, a solução dada pelo governo brasileiro afinal foi aceita pelo governo paraguaio sem que tivesse sido necessário enviar a Assunção o chanceler brasileiro para convencer Alfredo Stroessner ou o Congresso paraguaio.
Brasileiros e paraguaios sentaram-se à mesa de negociações durante meses, muitos meses, até que se conhecessem o bastante para confiar uns nos outros, quando foi constituída a Itaipu binacional, e passaram a se reunir regularmente seus diretores, assessores e demais integrantes da grande estrutura que foi montada.
Era curioso ver brasileiros falando portunhol e paraguaios sem nada entender tentando se fazer entender falando espanhês, guarani e uma terceira língua usada por ambas as partes que misturava português, espanholguaio auxiliado por sinais, tudo meio índio.
Em algum tempo, entre diretores e assessores os entendimentos começaram a fluir, e os trabalhos foram se tornando mais fáceis. Em alguns momentos a convergência de idéias se tornava quase impossível. Nesses momentos, se havia impasse, o assunto era submetido aos representantes dos ministérios das Relações Exteriores de ambos os países, que o examinavam à luz dos interesses nacionais de ambos os lados. No entanto, sempre foi encontrada solução para as dúvidas suscitadas.
A verdade é que os integrantes da diretoria e do conselho de administração, tanto os brasileiros como os paraguaios, eram homens determinados a fazerem o projeto avançar, tornar-se realidade. José Costa Cavalcanti, diretor geral, pelo Brasil, e Enzo Debernardi, diretor geral adjunto, pelo Paraguai, se respeitavam e logo passaram a confiar um no outro. Daí em diante tudo passou a avançar com menos dificuldade.
Cavalcanti e Debernardi foram as mais acertadas escolhas dos respectivos governos para capitanear a execução da monumental obra. Ambos preparados, obstinados, respeitados, experientes, homens de larga folha de serviços prestados aos respectivos países.
O sucesso de Itaipu repousa na inteligência dos que a construíram e no respeito recíproco observado por brasileiros e paraguaios às características de cada um, às regras legais de cada Estado e aos negócios internos de cada governo. Aí está o resultado desse sucesso iluminando a sua casa, assegurando o desenvolvimento do seu país.
Coriolando Beraldo
Foi consultor jurídico e primeiro secretário do Conselho de Administração e da Diretoria Executiva da Itaipu Binacional.

Um comentário:

  1. Impressões de um antigo "empregado do Itamaraty":

    "Resolvi tratar da Itaipu com muito pouca gente do Itamaraty: o secretário-geral, João Clemente Baena Soares; o chefe-de-gabinete, Orlando Soares Carbonar, e o chefe do Departamento das Américas, João Hermes Pereira de Araújo, que conhecia profundamente os assuntos e as negociações dos últimos anos. Carbonar era representante meu na Itaipu (como ministro do Exterior eu era membro nato do Conselho da Itaipu Binacional). Baena deveria saber de tudo, pois, como secretário-geral, poderia ter de substituir-me em qualquer emergência. Eram três pessoas de alta qualidade pessoal e profissional, e capazes, como bons diplomatas, de perfeita discrição. Entendia eu que tudo teria de ser feito com sigilo. Sobretudo sem que os vaivéns de uma complexa negociação vazassem à imprensa e criassem um clima de confrontação (entre o Brasil e a Argentina). O que tinha de ser público era o resultado final, o qual só ocorreria caso fôssemos discretos ao prepará-lo."
    *Ramiro Saraiva Guerreiro; in:"LEMBRANÇAS DE UM EMPREGADO DO ITAMARATY";São Paulo: Siciliano, 1992; p.94.

    Vale!

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