O julgamento apressado do Mercosul
Peter Hakim
O Estado de S.Paulo, 25 de setembro de 2012
De acordo com a cláusula democrática do Mercado Comum do Sul (Mercosul), o Brasil e os outros membros do bloco comercial - Argentina e Uruguai - têm todo o direito de questionar a ação do Paraguai. Curiosamente, porém, o País não demonstrou a menor hesitação em se unir a seus parceiros do Mercosul, Argentina e Uruguai, para perpetrar a mesma transgressão. Os três países invocaram com rapidez a cláusula democrática do Mercosul e suspenderam o Paraguai do bloco. Não houve uma investigação dos fatos que cercaram o impeachment de Lugo nem uma apreciação cuidadosa sobre se a suspensão seria a resposta adequada. Tampouco houve nenhuma consideração de outras medidas para tentar resolver o imbróglio paraguaio.
Além disso, o Brasil e os outros países do Mercosul não ofereceram nenhuma oportunidade às autoridades paraguaias de defenderem seus atos, alegarem circunstâncias atenuantes ou apelarem da decisão. O Paraguai foi impedido até mesmo de enviar um representante à reunião em que foi decidida a sua suspensão. O bloco do Mercosul cometeu, em suma, a mesma violação da qual acusara o Legislativo paraguaio - fazer um julgamento apressado sem o devido processo legal.
Mais vergonhoso ainda, talvez, os três parceiros restantes do Mercosul tiraram vantagem imediata da suspensão temporária do Paraguai para aprovarem a entrada da Venezuela no pacto comercial. Essa decisão - que atropelou a antiga oposição do Senado paraguaio - foi tomada no espaço de poucos dias, sem virtualmente nenhuma consideração quanto a ser ela legal ou não.
Brasil, Argentina e Uruguai simplesmente ignoraram a questão (que continua não resolvida) sobre se a Carta do Mercosul lhes dava autoridade, na ausência temporária do Paraguai, para concederem a participação à Venezuela.
Os parceiros do Mercosul também não consideraram se a Venezuela cumpria as condições da cláusula democrática do Mercosul. É certo que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, foi democraticamente eleito, porém, de ano a ano, as credenciais democráticas do país foram-se tornando cada vez mais manchadas por violações recorrentes dos direitos humanos, da liberdade de imprensa e de reunião, da independência do Poder Judiciário e de eleições livres.
O testemunho de Antonio Patriota ao Congresso justifica a participação da Venezuela no Mercosul em bases econômicas - que são, é claro, irrelevantes para a sua legalidade. E a gestão econômica irresponsável de Hugo Chávez seria razão suficiente para barrá-lo no bloco.
Não foram, no entanto, apenas o Brasil e seus parceiros do Mercosul que agiram de maneira precipitada com relação às normas legais ou à prudência econômica. A União de Nações Sul-Americanas (Unasul), sem um único voto dissidente, da mesma forma suspendeu rapidamente o Paraguai. A Unasul fez, sim, uma investigação superficial, mas somente depois que a suspensão foi aprovada. Mais notável, talvez, é que nenhum país da América do Sul sequer se dispôs a participar na missão de investigação dos fatos no Paraguai patrocinada pela Organização dos Estados Americanos (OEA).
Aliás, foi a OEA que procedeu de forma mais responsável, ainda que, de alguma maneira, lentamente, no caso paraguaio - investigando o que ocorreu e produzindo um relatório altamente profissional que focou menos em atribuir culpas do que nas tarefas de pôr fim à crise política do Paraguai, evitando quaisquer novos conflitos, e ajudando a assegurar a lisura das próximas eleições presidenciais, em abril do ano que vem. Sua recomendação foi contrária à imposição de quaisquer sanções ao Paraguai.
Os Estados Unidos não interferiram durante o período mais crítico da crise paraguaia. Washington talvez estivesse certa em manter o silêncio até que a OEA completasse a sua missão no Paraguai e apresentasse o seu relatório e as suas recomendações. Foi, com certeza, melhor do que correr a apoiar o novo governo paraguaio, como fizeram os governos conservadores do Canadá, da Grã-Bretanha e da Espanha, ou condenar imediatamente o Legislativo do Paraguai, como fez a maioria dos países latino-americanos. Mas os Estados Unidos, seguramente, poderiam ter feito mais para persuadir outros países a também conterem o fogo até que as evidências tivessem sido colhidas - a fim de defender a condução de um devido processo legal para o governo paraguaio. Possivelmente, todavia, ninguém teria ouvido, de qualquer modo, dada a reduzida influência que os Estados Unidos têm na América do Sul hoje em dia.
Vista de longe, a reação do Brasil aos acontecimentos no Paraguai pareceu extraordinariamente passiva. Os acontecimentos parecem ter sido conduzidos em grande parte pela Argentina e pela Venezuela. É curioso que a mais importante potência regional da América Latina tenha falhado em tomar mais iniciativa e adotar uma atitude que fosse mais claramente consistente com as práticas democráticas que o Brasil afirmou estar buscando sustentar. Para crédito do Brasil, contudo, Patriota é, até onde sei, o único chanceler que teve de justificar perante um comitê parlamentar as ações de seu governo a respeito do Paraguai.
* PRESIDENTE EMÉRITO DO DIÁLOGO INTERAMERICANO
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.