Na RBPI 2/2012 - O Barão do Rio Branco no Itamaraty (1902 - 1912)
Este ano, em que se rememora o falecimento do barão do Rio Branco, é
oportuno revisitar o legado do patrono da diplomacia brasileira, até porque seu
país movimenta-se no contexto regional de forma diversa de sua tradição, embora
a América do Sul de hoje possua alguns traços conjunturais formalmente
semelhantes àqueles da primeira década do século XX.
Rio Branco pensou e agiu como um geopolítico, mas guiado pelo senso de
observação, instinto e faro político. Leu o contexto internacional apegado à
concretitude dos fatos e despreocupado em traduzir para seus atos de política
externa idéias então em circulação no Ocidente, como o Destino Manifesto, a
superioridade de raça ou a importância da guerra como elemento de coesão
nacional. Realista, tinha consciência dos limites da influência do Brasil na
América do Sul. Apesar de gozar de prestígio e respeito dentro e fora do país,
lastreados num histórico de sucessos e bom senso diplomático, nunca alardeou
desejo de ver seu país exercendo liderança nessa área nem levou a efeito uma
política externa agressiva e arrogante escudada em ideais de projeção nacional.
Ao assumir a pasta, acumulara uma experiência de mais de duas décadas
fora do país. Vivera sobretudo em Paris, Londres e Liverpool, de onde conhecera
de perto o núcleo do capitalismo industrial na sua etapa imperialista e
acompanhara as atividades das grandes empresas, que não raro atuavam com
cobertura diplomática dos governos de seus países de origem. Na questão do
Acre, a primeira que enfrentou imediatamente após a assunção da chancelaria,
agiu como alguém que conhecia a linguagem e maneira de atuar dos financistas e
especuladores internacionais.
Os anos de 1902 a 1918 correspondem ao
auge da Primeira República brasileira, até porque nele se destaca o brilho da
larga gestão de Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores. Em termos
econômicos, o Brasil expandiu sua economia agroexportadora, cuja especialização
no café foi levada aos seus limites extremos. O alinhamento Washington-Rio de
Janeiro, uma das marcas da gestão Rio Branco, em boa parte foi adequação aos
vínculos comerciais já solidamente estabelecidos entre os dois países. Os Estados
Unidos, com a livre entrada concedida ao café proveniente do Brasil, somada às
dimensões de seu mercado consumidor, dispunham de um eficaz meio de pressão
para forçar a obtenção de vantagens aduaneiras. Para o Brasil, a livre entrada
concedida ao café tinha um custo, nomeadamente o desestímulo à industrialização
em razão da entrada maciça de produtos manufaturados favorecida pelo
rebaixamento de direitos de alfândega concedido às mercadorias norte-americanas.
Embora o Chanceler não tenha
inaugurado a inflexão da política externa brasileira em direção aos Estados
Unidos, deu a ela um sentido utilitário, além de ter consolidado e aprofundado
tendências. Rio Branco não temia o expansionismo dos Estados Unidos e era
compreensivo com a ação deles na América Central, uma vez que subscrevia os
termos do corolário Roosevelt, o que facilitava aos dois países a aproximação, que,
segundo ele, funcionaria como elemento neutralizador de eventuais ingerências nas
questões internacionais do Brasil. A amizade norte-americana, apesar do
aparente paradoxo, provocava alargamento virtual nas margens dos movimentos brasileiros.
Dir-se-ia que Rio Branco perseguia uma política de hands off nessa área. A aproximação, como ele a concebia, não
implicava ver seu país na posição de caudatário, até porque não estava
vinculada a compromissos. Por outro lado, não se traduziu em apoio
norte-americano ao Brasil em suas pendências internacionais, aliás nunca
solicitado por Rio Branco. Independente de estratégia, a aproximação levada a
efeito por Rio Branco (entusiasticamente coadjuvado por Joaquim Nabuco,
embaixador do Brasil em Washington), foi unilateral, isto é, sem a equivalência
do governo de Washington. O próprio Chanceler, perto do final de sua gestão,
desencantou-se com a diplomacia norte-americana. De qualquer forma, a
aproximação entre os dois países não pode ser vista como um objetivo em si
mesmo, nem primordial; o mais importante acabou sendo sua visibilidade, embora
não planejada. Rio Branco movimentou-a como uma peça, cujo alcance só pode ser
aquilatado ao se considerar o jogo inteiro, cuja meta primeira foi a solução
das questões de fronteira ainda pendentes. A grande obra de Rio Branco como
ministro foi concluir a tarefa na qual se envolvera antes de assumir a
chancelaria, dando sequência à obra iniciada no período colonial e continuada pelos
diplomatas do Império, de fixação dos limites do território nacional mediante o
fechamento definitivo de suas fronteiras por meio de arbitramentos com a
Argentina (questão das Missões, 1895) e França (questão do Amapá, 1900), na
condição de advogado do Brasil, e de tratados, quando chanceler, com a Bolívia
(questão do Acre, 1903), Equador (1904), Holanda (Guiana, 1906), Colômbia
(1907), Peru (1909) e Uruguai (1909). O sucesso nos movimentos impostos pela
defesa da soberania e naqueles motivados ou conectados à política de prestígio,
deu nova presença ao Brasil no cenário internacional, no qual podia se
apresentar como uma nação territorialmente satisfeita, rearmada no oceano com o
que tinha de mais moderno no mundo, com os compromissos financeiros em dia,
sediando a 3ª Conferência Internacional Americana, marcando presença na 2ª
Conferência de Paz em Haia, sem problemas de fronteira e desobrigado de
compromissos internacionais. Segundo o próprio Rio Branco seu país elevava-se a
outro patamar no concerto internacional, desinteressando-se das estéreis
questões entre as nações sul-americanas para atuar em um círculo mais elevado,
o das grandes amizades internacionais.
- Clodoaldo Bueno é Professor Titutlar da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.