De volta ao debate: a Comissão da (In)Verdade e a
fraude com a História
Paulo Roberto de Almeida
Aproximadamente um ano
atrás, quase dia por dia, reagi contra uma afirmação que, independentemente de
onde tivesse vindo, me parecia ser um deformação do processo histórico, tal
como eu o conheci, por experiência direta. O fato de que essa afirmação tenha
sido feita no nível mais alto da responsabilidade política em nosso país
acrescenta à seriedade do erro, e à responsabilidade de quem o emitiu. E não me
importa quem seja, que tipo de autoridade detenha, ou minha posição: estou
apenas me referindo ao processo histórico, objetivo, e as obrigações morais que
todos temos de pelo menos tentar não falsear a verdade.
Todos os meus poucos
leitores, e o número ainda mais reduzido dos que escolherem ler o que segue,
saberão do que, exatamente, estou falando, e poderão, se desejarem chegar ao
final desta série de postagens, reagir da forma que lhes parecer mais
apropriada, inclusive desmentindo este modesto escrevinhador. Estou respostando
o que coloquei neste mesmo espaço um ano atrás, e desta vez dando destaque aos
comentários que recebi, e que me eximi de comentar à época, por não desejar
alimentar um debate fragmentado, sem maiores explicações de minha parte.
Acho que chegou o momento
de dar essas explicações, e elas estarão divididas em pequenos blocos
nas postagens subsequentes. Antes, porém, transcrevo, para melhor compreensão
dos novos visitantes, ou para refrescar a memória dos antigos, o que eu havia
colocado aqui no dia 16 de maio de 2012, seguido dos comentários recebidos; não
sei se todos, pois filtro os recebidos, e elimino aqueles que não são
pertinentes ao assunto, independentemente se são a favor ou contra este autor;
creio que não eliminei nenhum, desta vez, pois todos os que me escreveram
tinham um interesse genuíno pelo assunto. Desculpo-me, agora, por não ter
respondido aos comentaristas, mas não queria ser parcial ou incompleto.
Finalmente, antes de
começar a postar o material antigo, e um mais recente, cabe uma explicação
quanto ao título: por que Comissão da (In)Verdade, e por que fraude com a
História? Eu não teria nenhum problema com uma comissão de historiadores ou com
outros especialistas que procurasse relatar o que se passou, efetivamente, no
Brasil, de 1964 a 1985, e um pouco antes e um pouco depois, se desejarem. A
verdade, porém, é que a tal Comissão da Verdade é parcial, deformada,
constituída (salvo, talvez, num caso ou outro, minoritários) de pessoas comprometidas
com o governo atual, e interessados em se vingar do passado ditatorial que
tivemos. É verdade, tivemos ditadura no passado, e militares perpetraram ações
odiosas, como assassinatos e desaparecimentos. Assim como o fizeram os que primeiro
tomaram das armas para lugar contra o que era uma ditadura militar surgida numa
conjuntura política muito específica da nossa história. Eu explico um pouco do
que sei, do que assisti, do que participei, nesses anos sombrios da nossa
história.
Por isso mesmo, tendo participado
de alguns episódios, e tendo conhecido alguns dos personagens que atualmente
pontificam de democratas, que supostamente teriam lutado contra a ditadura pela
“democracia”, posso dizer, tranquilamente: não é verdade, isso é uma fraude
contra a história, e é uma mentira. O Partidão, coitado, pagou um preço alto, não
por ter pego em armas, mas por estar do lado da União Soviética, a inimiga
maior dos militares na época, junto com Cuba e a China dos maoístas que foram
para as selvas do Araguaia (mas já nessa época a China revisava suas
concepções), e talvez a Albânia de alguns alucinados. Apenas por isso que falo
em fraude com a história: os militantes da esquerda armada, que tentaram
derrubar a ditadura pela guerrilha urbana ou rural são em grande parte responsáveis
pelo descalabro de violência que tivemos depois, e é simplesmente mentira, repito,
uma mentira, que estivessem lutando pela democracia. Estávamos lutando pela
ditadura do proletariado (menos o Partidão, coitado, que sabia, por seus velhos
militantes, que isso era uma grande bobagem).
A Comissão da Verdade está
sendo parcial, e está cometendo uma fraude, por querer investigar apenas um
lado da história: a história dos que vencerem a batalha militar e perderam a
batalha da história (por enquanto, já que a história foi feita pelos
derrotados). Eles não estão querendo contar a nossa história, a minha história,
a história dos que pretendiam derrubar a ditadura pela força das armas e
implantar um regime que não teria nada a ver com a democracia, tal como a
conhecemos hoje.
Volto a repetir: a Comissão
está fraudando a verdade, e seja a quem ela responda, sejam quem forem seus componentes,
eu não hesitarei em denunciar a fraude e a mentira.
Dito isto, vou começar as
postagens numa sequência linear: primeiro o que escrevi, um ano atrás, depois
os comentários recebidos, depois, em blocos, por ser um texto muito grande, meu depoimento
para a história. Aceito contestações.
Paulo Roberto de Almeida
(Hartford, 10 de maio de 2013).
Boa tarde Paulo!
ResponderExcluirOuvi um outro participante ativo contra a ditadura brasileira, que não faz parte dos "beneficiados" com vultuosas somas de dinheiro, e agora criticando a esquerda brasileira, dizendo que a separação de Mariguela, formando um grupo armado, pode ter sido planejado pela esquerda gramsciana. Faz sentido?
Amauri,
ResponderExcluirPode fazer sentido, sim, mas convém não imaginar que a "esquerda gramsciana" formasse um clube único, organizado e em condições de ditar "instruções" para velhos militantes como o Marighella. Este sempre foi do velho Partidão, mas bastante mais impulsivo e decidico a testar outras formas de lutas do que as táticas puramente políticas do Partidão. No final dos anos 1950 e início dos 1960, os líderes do PCB já tinha desistindo do aventureirismo que levou Prestes a tentar a via armada, em 1935, e estavam apenas engajados em alianças oportunistas (inclusive com gente de direita) para criar as condições de chegar ao poder pela via pacífica.
Com o sucesso da Revolução cubana, muita gente achou que o mesmo poderia e deveria ser feito no Brasil, e assim começa uma corrida para a frente de muita gente querendo testar a via cubana. Marighella foi um deles, esteve em Cuba e voltou com a ideia de começar a guerrilha, primeiro urbana, depois rural, ao contrário do PCdoB maoista, que queria usar o modelo chinês de revolução camponesa (que na verdade não era uma, e sim destacamentos armados do PCC).
Muitos jovens, inclusive eu, foram tentados por essa via, um pouco por idealismo revolucionário, romanticismo da guerrilha vitoriosa, e outras ideias falsas. Os intelectuais gramscianos estavam divididos entre a adesão ao velho Partidão e os novos caminhos da violência armada, e vários deles devem ter apoiado a ideia de Marighella de passar à ofensiva armada. Alguns foram para a guerrilha, outros só ficaram no apoio..
Paulo Roberto de Almeida