sexta-feira, 10 de maio de 2013

De volta ao debate: a Comissão da (In)Verdade e a fraude com a História (1)


De volta ao debate: a Comissão da (In)Verdade e a fraude com a História

Paulo Roberto de Almeida

Aproximadamente um ano atrás, quase dia por dia, reagi contra uma afirmação que, independentemente de onde tivesse vindo, me parecia ser um deformação do processo histórico, tal como eu o conheci, por experiência direta. O fato de que essa afirmação tenha sido feita no nível mais alto da responsabilidade política em nosso país acrescenta à seriedade do erro, e à responsabilidade de quem o emitiu. E não me importa quem seja, que tipo de autoridade detenha, ou minha posição: estou apenas me referindo ao processo histórico, objetivo, e as obrigações morais que todos temos de pelo menos tentar não falsear a verdade.
Todos os meus poucos leitores, e o número ainda mais reduzido dos que escolherem ler o que segue, saberão do que, exatamente, estou falando, e poderão, se desejarem chegar ao final desta série de postagens, reagir da forma que lhes parecer mais apropriada, inclusive desmentindo este modesto escrevinhador. Estou respostando o que coloquei neste mesmo espaço um ano atrás, e desta vez dando destaque aos comentários que recebi, e que me eximi de comentar à época, por não desejar alimentar um debate fragmentado, sem maiores explicações de minha parte.
Acho que chegou o momento de dar essas explicações, e elas estarão divididas em pequenos blocos nas postagens subsequentes. Antes, porém, transcrevo, para melhor compreensão dos novos visitantes, ou para refrescar a memória dos antigos, o que eu havia colocado aqui no dia 16 de maio de 2012, seguido dos comentários recebidos; não sei se todos, pois filtro os recebidos, e elimino aqueles que não são pertinentes ao assunto, independentemente se são a favor ou contra este autor; creio que não eliminei nenhum, desta vez, pois todos os que me escreveram tinham um interesse genuíno pelo assunto. Desculpo-me, agora, por não ter respondido aos comentaristas, mas não queria ser parcial ou incompleto.
Finalmente, antes de começar a postar o material antigo, e um mais recente, cabe uma explicação quanto ao título: por que Comissão da (In)Verdade, e por que fraude com a História? Eu não teria nenhum problema com uma comissão de historiadores ou com outros especialistas que procurasse relatar o que se passou, efetivamente, no Brasil, de 1964 a 1985, e um pouco antes e um pouco depois, se desejarem. A verdade, porém, é que a tal Comissão da Verdade é parcial, deformada, constituída (salvo, talvez, num caso ou outro, minoritários) de pessoas comprometidas com o governo atual, e interessados em se vingar do passado ditatorial que tivemos. É verdade, tivemos ditadura no passado, e militares perpetraram ações odiosas, como assassinatos e desaparecimentos. Assim como o fizeram os que primeiro tomaram das armas para lugar contra o que era uma ditadura militar surgida numa conjuntura política muito específica da nossa história. Eu explico um pouco do que sei, do que assisti, do que participei, nesses anos sombrios da nossa história.
Por isso mesmo, tendo participado de alguns episódios, e tendo conhecido alguns dos personagens que atualmente pontificam de democratas, que supostamente teriam lutado contra a ditadura pela “democracia”, posso dizer, tranquilamente: não é verdade, isso é uma fraude contra a história, e é uma mentira. O Partidão, coitado, pagou um preço alto, não por ter pego em armas, mas por estar do lado da União Soviética, a inimiga maior dos militares na época, junto com Cuba e a China dos maoístas que foram para as selvas do Araguaia (mas já nessa época a China revisava suas concepções), e talvez a Albânia de alguns alucinados. Apenas por isso que falo em fraude com a história: os militantes da esquerda armada, que tentaram derrubar a ditadura pela guerrilha urbana ou rural são em grande parte responsáveis pelo descalabro de violência que tivemos depois, e é simplesmente mentira, repito, uma mentira, que estivessem lutando pela democracia. Estávamos lutando pela ditadura do proletariado (menos o Partidão, coitado, que sabia, por seus velhos militantes, que isso era uma grande bobagem).
A Comissão da Verdade está sendo parcial, e está cometendo uma fraude, por querer investigar apenas um lado da história: a história dos que vencerem a batalha militar e perderam a batalha da história (por enquanto, já que a história foi feita pelos derrotados). Eles não estão querendo contar a nossa história, a minha história, a história dos que pretendiam derrubar a ditadura pela força das armas e implantar um regime que não teria nada a ver com a democracia, tal como a conhecemos hoje.
Volto a repetir: a Comissão está fraudando a verdade, e seja a quem ela responda, sejam quem forem seus componentes, eu não hesitarei em denunciar a fraude e a mentira.
Dito isto, vou começar as postagens numa sequência linear: primeiro o que escrevi, um ano atrás, depois os comentários recebidos, depois, em blocos, por ser um texto muito grande, meu depoimento para a história. Aceito contestações.

Paulo Roberto de Almeida (Hartford, 10 de maio de 2013). 

2 comentários:

  1. Boa tarde Paulo!
    Ouvi um outro participante ativo contra a ditadura brasileira, que não faz parte dos "beneficiados" com vultuosas somas de dinheiro, e agora criticando a esquerda brasileira, dizendo que a separação de Mariguela, formando um grupo armado, pode ter sido planejado pela esquerda gramsciana. Faz sentido?

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  2. Amauri,
    Pode fazer sentido, sim, mas convém não imaginar que a "esquerda gramsciana" formasse um clube único, organizado e em condições de ditar "instruções" para velhos militantes como o Marighella. Este sempre foi do velho Partidão, mas bastante mais impulsivo e decidico a testar outras formas de lutas do que as táticas puramente políticas do Partidão. No final dos anos 1950 e início dos 1960, os líderes do PCB já tinha desistindo do aventureirismo que levou Prestes a tentar a via armada, em 1935, e estavam apenas engajados em alianças oportunistas (inclusive com gente de direita) para criar as condições de chegar ao poder pela via pacífica.
    Com o sucesso da Revolução cubana, muita gente achou que o mesmo poderia e deveria ser feito no Brasil, e assim começa uma corrida para a frente de muita gente querendo testar a via cubana. Marighella foi um deles, esteve em Cuba e voltou com a ideia de começar a guerrilha, primeiro urbana, depois rural, ao contrário do PCdoB maoista, que queria usar o modelo chinês de revolução camponesa (que na verdade não era uma, e sim destacamentos armados do PCC).
    Muitos jovens, inclusive eu, foram tentados por essa via, um pouco por idealismo revolucionário, romanticismo da guerrilha vitoriosa, e outras ideias falsas. Os intelectuais gramscianos estavam divididos entre a adesão ao velho Partidão e os novos caminhos da violência armada, e vários deles devem ter apoiado a ideia de Marighella de passar à ofensiva armada. Alguns foram para a guerrilha, outros só ficaram no apoio..
    Paulo Roberto de Almeida

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