Editorial O Estado de S.Paulo, 9/05/2013
Vencedor da disputa pela direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), o embaixador Roberto Azevêdo logo terá de cuidar de sua principal promessa de campanha, a reativação da Rodada Doha, a mais ambiciosa negociação comercial tentada até hoje.
Com muita articulação e muito vento a favor, o relançamento poderá ser a grande realização da próxima conferência ministerial da organização, marcada para dezembro, em Bali, na Indonésia. Ao assumir o posto, em setembro, ele já deverá ter avançado nas conversações para envolver os 159 países-membros da entidade. O esforço será realizado em ambiente bem diverso daquele de 12 anos atrás. Lançada no fim de 2001 em Doha, no Catar, a rodada foi inicialmente favorecida por vários fatores. Até os atentados terroristas de setembro daquele ano reforçaram o sentimento de urgência: a grande negociação seria mais uma resposta, a mais espetacular, talvez, à barbárie do terrorismo internacional.
As condições econômicas eram mais favoráveis que as atuais. O mundo prosperava, depois de várias crises financeiras, e havia muito interesse em maior abertura dos mercados. Além disso, a Rodada Uruguai, encerrada em 1994, havia resultado em soluções apenas provisórias para questões muito importantes, como as regras do comércio agrícola. O cenário é hoje muito diferente, a começar pela crise europeia e pela oposição de amplos segmentos da sociedade americana a mais acordos de liberalização.
Além disso, governos poderosos poderão propor uma revisão de itens já negociados - no setor de agricultura, por exemplo - e a ampliação da agenda, principalmente para inclusão de serviços. Sem sucesso, o negociador americano, Ron Kirk, tentou há anos essa manobra.
A Rodada Doha foi batizada também como a Rodada do Desenvolvimento, porque um de seus objetivos oficiais deveria ser a inclusão mais ampla dos emergentes e também dos mais pobres no jogo do comércio. Seria preciso levar isso em conta, para uma retomada realmente ambiciosa das negociações.
O brasileiro Roberto Azevêdo será provavelmente sensível a esse desafio, mas é preciso levar em conta as limitações de seu novo cargo. Ao tornar-se diretor-geral da OMC, ele deixará de ser representante dos interesses brasileiros. Passará a ser o principal dirigente de uma instituição multilateral com 159 membros. Se agir de outra forma, perderá credibilidade.
Não poderá ser porta-voz de quem defende, como o governo brasileiro, a sujeição do câmbio a regras internacionais de comércio nem receber ordens de Brasília. Terá de vestir o uniforme de um funcionário internacional, como fizeram, por exemplo, o francês Pascal Lamy, ex-negociador comercial da União Europeia, e o tailandês Supachai Panitchpakdi.
A eleição de Roberto Azevêdo põe em destaque duas raridades. Ele tem sido um raro exemplo de seriedade e competência nos postos mais importantes da diplomacia brasileira, dominada há anos por um terceiro-mundismo rastaquera. Igualmente rara é essa vitória de uma diplomacia incapaz, há uns dez anos, de conseguir apoio até entre os vizinhos pouco influentes. Brasília já foi derrotada na própria OMC e no Banco Interamericano de Desenvolvimento. Além disso, há forte oposição regional à sua pretensão de obter um posto permanente no Conselho de Segurança da ONU. Emergentes votaram a favor de Azevêdo por suas qualidades pessoais e, além disso, porque isso lhes interessava politicamente neste momento. Foi certamente decisivo o apoio da China e da Rússia. Mas esses dois países têm objetivos próprios bem definidos, relações comerciais mais intensas com o mundo rico do que com o Brasil e nenhum compromisso terceiro-mundista.
Atribuir esse resultado a algum acerto da geopolítica petista só pode ser má-fé ou ingenuidade. As consequências mais notáveis dessa política foram a sujeição dos interesses nacionais a um Mercosul emperrado, a perda de oportunidades nos mercados desenvolvidos e a submissão do País a uma relação colonial com a China.
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