Tributar importação de serviços "atrasa" indústria, aponta CNI
Por Tainara Machado | De São Paulo
Valor Econômico, 14/06/2013
A tributação sobre a importação de serviços é um dos fatores que dificulta a inserção do Brasil nas cadeias globais de valor e afasta empresas de investimentos em pesquisa e tecnologia. Essas são as conclusões de um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) entregue esta semana ao ministro da Fazenda, Guido Mantega, e obtido pelo Valor.
A carga tributária sobre a importação de serviços é de no mínimo 41,1% sobre o valor da operação, mas pode chegar a 51,3% em alguns casos, de acordo com confederação. Para a CNI, a alta carga sobre importação de serviços é resultado não só dos seis tributos que incidem sobre as operações, entre os quais o mais importante é a cobrança de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), mas também da sistemática de cálculo, com cobranças cruzadas e interpretações divergentes das normas.
Para a CNI, os altos custos tributários têm impacto sobre as condições de competitividade, sobre o aproveitamento de oportunidades para o desenvolvimento de projetos conjuntos com empresas estrangeiras e sobre a incorporação de tecnologia por empresas brasileiras em diversos tipos de situação. "É como se o sistema tributário não tivesse a capacidade de entender a nova forma de organização das cadeias produtivas globais", afirma José Augusto Coelho Fernandes, diretor de políticas e estratégia da CNI.
A CNI chama atenção para o fato de que o setor de serviços não apenas tem maior peso na economia do país, representando cerca de 60% do Produto Interno Bruto (PIB), como influencia de forma "decisiva" a composição dos custos da indústria. "Há cada vez mais interdependência entre a manufatura e serviços", afirma o órgão.
Com base em dados da Pesquisa Industrial Anual (PIA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os economistas Jorge Arbache e Victor Burns chegaram à conclusão que cerca de um quarto (23,1%) de todo o custo da produção da indústria do Brasil entre 2007 e 2009 é explicado pela aquisição de serviços.
A relevância desses custos é ainda mais evidente quando se analisa seu impacto sobre o valor agregado, ou seja, sobre a parcela que a indústria efetivamente transformou da produção. Nesse caso, representam 54,1% do consumo intermediário no valor adicionado na indústria total, e 56,5% na indústria de transformação. Esse valor é mais alto em setores intensivos em tecnologia ou com grande expressão exportadora, como produtos químicos, metalurgia e equipamentos de informática.
Os serviços, afirma o estudo, "tornaram-se parte muito relevante não apenas do custo total das empresas, mas principalmente do valor das exportações das manufaturas em geral e daquelas de mais alta tecnologia". A produtividade do setor de serviços, portanto, também afeta a capacidade de competição da indústria doméstica, afirma Fernandes.
O debate ganhou relevância a partir de encontros do Conselho de Investimentos e Tributação Brasil-Europa, liderado nacionalmente pela CNI, que identificaram na tributação de serviços um impasse para aprofundamento dos negócios entre países.
Para reforçar o argumento, o estudo da CNI cita casos de cinco empresas brasileiras para as quais a tributação da importação de serviços implica perda de competitividade do produto no exterior, ou mesmo o abandono de projetos por causa dos custos envolvidos.
Um dos casos é de uma empresa produtora de aeronaves, cuja principal atividade é a exportação de bens. Ao vender um avião, a companhia se compromete a fornecer uma série de serviços, como treinamentos técnicos dos pilotos e da tripulação. São serviços que só podem ser contratados no exterior, por causa da localização do comprador, e que acabam sendo incorporados aos custos na formação do preço final da mercadoria. Pelos cálculos da empresa, o IRRF sobre importações de serviços onera em 1,1% o preço do produto final, enquanto a carga tributária total eleva em 2,4% o preço.
Para uma empresa produtora de ônibus, obrigada a prover garantias, manutenção ou troca de peças nos ônibus vendidos, o custo da importação de serviços é em média de 3% do custo do produto vendido (CPV) sobre o custo de produção. Também é apresentado um caso, na área de softwares, em que a carga tributária inviabilizou parcerias com uma empresa argentina e uma multinacional, e portanto, a realização de operações de exportação de serviços de uma empresa a partir do Brasil.
Segundo a CNI, são seis as distorções encontradas na tributação das importações desses serviços: a inclusão de tributos na base de cálculo de outros impostos; não aplicação pela Receita Federal de tratados destinados a evitar a dupla tributação de lucro das empresas; incidência da Cide-Remessas ao exterior sobre importação de serviços técnicos, que não implicam transferência de tecnologia; não dedução das despesas incorridas na importação de serviços que implicam transferência de tecnologia; e, por último, não concessão de isenção do IOF-Câmbio, ao contrário do que ocorre para bens.
Entre as sugestões que constam no estudo, a CNI recomenda que a base de cálculos para a aplicação de cada um dos impostos seja o valor efetivamente remetido ao exterior para pagar pela importação dos serviços e que as remessas ao exterior para pagamento por contratos de serviços sem transferência de tecnologia sigam as disposições relativas ao "lucro das empresas" presentes nos tratados destinados a evitar a dupla tributação. Segundo Fernandes, na próxima semana representantes da CNI devem se reunir com a Receita Federal para discutir essas proposições.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.