O Brasil quer a globalização?
Blogs Estadao, 19 de julho de 2013 | 19h17
Fernando Dantas
O mundo está cada vez mais envolto numa teia de acordos comerciais bilaterais e regionais, ao mesmo tempo em que as negociações multilaterais na Organização Mundial do Comércio (OMC) empacam no atoleiro da rodada Doha.
Em recente artigo, na revista eletrônica “Mural Internacional”, a economista Lia Valls Pereira, do Ibre/FGV no Rio, fez uma reflexão sobre “a nova onda de regionalismo” e a agenda brasileira. O link é este.
No trabalho, ela chamou a atenção para a proliferação crescente de acordos ao longo das últimas décadas: eram apenas 25, entre 1958 e 1990; subiram pra 88, entre 1991 e 2000; e atingiram 158, entre 2001 e 2012.
Recentemente, uma série de novas iniciativas ambiciosas trouxe preocupação ao governo brasileiro, aferrado à sua estratégia voltada para o Mercosul.
(se o leitor se interessar, eu coloquei diversos posts novos no blog abaixo deste: entrevistas com economistas internacionais e uma análise da ata do Copom)
Há, por exemplo, o Acordo de Associação Transpacífico (TPP), com negociações lançadas em novembro de 2011, e que inclui Austrália, Brunei, Chile, Malásia, Nova Zelândia, Peru, Cingapura, Vietnam, Estados Unidos e Japão. Outra iniciativa importante, lançada em março de 2013, é o Acordo Transatlântico sobre Comércio e Investimento, entre os Estados Unidos e a União Europeia (UE).
Existe ainda o Acordo Regional de Cooperação Econômica (RCEP, na sigla em inglês para Regional Comprehensive Economic Partnership), lançado em novembro de 2012, com o objetivo de conciliar duas áreas de cooperação e acordos na Ásia e Oceania: a primeira configura-se pelos acordos bilaterais dos países da ASEAN com China, Japão e Coreia do Sul; a segunda é o Acordo de Cooperação Econômica entre Austrália, Nova Zelândia e Índia.
E, finalmente, há, no nosso contexto mais regional, a Aliança do Pacífico, cujas negociações foram lançadas em junho de 2012, e que inclui Chile, Peru, México e Colômbia.
O trabalho de Lia faz uma discussão mais profunda da evolução desse panorama de negociações comerciais regionais nas últimas décadas, mas, para se entender as implicações para o Brasil, é preciso ter em mente uma distinção básica de dois tipos de acordo, por ela comentada.
Em primeiro lugar, há os acordos especificamente comerciais, que, como mostra o texto da pesquisadora, são uma tendência meio antiquada. Hoje, a maioria das negociações, incluindo todas as mencionadas acima, inclui temas como direitos de propriedade intelectual, investimentos e serviços.
Uma visão sobre essa segunda tendência é a de que está ligada à “harmonização de políticas domésticas” em função da globalização das cadeias produtivas. É como se os países de adaptassem para um passo além da integração comercial, que é a integração produtiva.
Por outro lado, todo este novo movimento do regionalismo se dá sob o pano de fundo das imensas dificuldades de avançar nas negociações multilaterais no âmbito da OMC e da rodada Doha, tanto nos temas comerciais quanto nos demais.
Assim, um temor possível seria o de que o Brasil está perdendo o trem da globalização das cadeias produtivas, pelo fato de não participar desta nova rodada de negociações regionais e se aferrar ao Mercosul que, diferentemente dos demais, continua centrado na parte comercial – e, mesmo aí, não avança.
A perspectiva de Lia é um pouco diferente. Ela analisa, por exemplo, os possíveis efeitos para o Brasil de não pertencer ao novo clube que está sendo formado na Aliança do Pacífico. Em termos de comércio, são pequenos. Na questão de investimentos, é mais difícil de se prever, mas nada indica um impacto cataclísmico para o Brasil.
Para a pesquisadora, o grande problema brasileiro, associado à questão dos acordos regionais, é que o País precisa decidir se quer ou não participar da globalização das cadeias produtivas.
Como ela nota, “a estratégia da política industrial no Brasil é do adensamento das cadeias produtivas locais, a partir da exigência de conteúdo local nos investimentos”. Lia observa que isto conflita com as regras de investimentos da OMC, o que não impede que vários países o façam. A economista acrescenta que o Brasil tem elevadas tarifas de importação sobre bens intermediários, o que onera o produto final e piora a sua competitividade.
A cauda e o corpo
O grande ponto de Lia – se a pesquisadora me permite esta simplificação – é que, com objetivos de política industrial deste tipo, o Brasil não tem mesmo muito o que fazer com estes acordos regionais de nova geração, que vão muito além do comércio e estão ligados à globalização produtiva.
Como ela própria escreve: “As duas questões antes citadas (conteúdo local e elevadas tarifas) não requerem a realização de acordos comerciais da nova geração e nem obrigam uma reflexão sobre em que cadeias globais as indústrias brasileiras podem se inserir”.
Alguém poderia contra-argumentar, dizendo que seria bom para o país se engajar em negociações dos novos acordos, justamente para mudar a estratégia de política industrial.
Lia não leva muita fé nesse caminho: “Nossa história de acordos não é muito boa para isso, porque temos uma resistência em mudar políticas domésticas em função de acordos internacionais”.
Além disso, acrescenta a pesquisadora, o que se vê é que muitas vezes esses acordos vêm na esteira da globalização da cadeia produtiva, sendo mais uma consequência do que uma causa, como se vê na Ásia, “que faz acordos agora, mas já está toda liberada”.
Assim, o primeiro passo para o Brasil, na visão de Lia, é avaliar se o País quer de fato participar desta nova etapa da globalização produtiva. Isto significa reduzir tarifas de bens intermediários, melhorar o ambiente de negócios, investir em infraestrutura e cumprir todos os passos da agenda que faria o país simultaneamente se especializar mais em determinados etapas da cadeia e, nelas, aumentar sua competitividade.
Se o Brasil optar por este caminho, a busca de acordos da nova geração virá por decorrência, e como complementação. O que Lia parece pensar é que se trata de uma ilusão pensar que a cauda dos acordos regionais possa sacudir o corpo da estratégia de política industrial.
Esta coluna foi publicada originalmente na AE-News/Broadcast
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