domingo, 1 de dezembro de 2013

Os banqueiros centrais que afundaram o mundo - Liaquat Ahamed lido por Maurício Santoro Rocha

Já li esse livro, e recomendo os interessados comprar uma edição americana na abebooks.com: mesmo pagando três vezes mais o frete em relação a um preço provável de 4 dólares, ainda sai mais barato que uma edição brasileira, nova ou usada.
Por outro lado, Keynes pode ter sido um heroi nos anos 1920 e 30: mas ele construiu o sistema que vive em crise, desde pelo menos três ou quatro décadas.
Paulo Roberto de Almeida 
Durante a crise asiática, Liaquat Ahamed olhou com apreensão uma capa da revista Time com fotografias de autoridades econômicas com o título “o comitê para salvar o mundo”. Economista formado em Harvard e Cambridge, com longa carreira como banqueiro de investimentos, Ahamed pensou no fracasso dos titulares dos bancos centrais dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e Alemanha em enfrentar a Grande Depressão da década de 1930. Do desconforto nasceu o excelente livro “Lords of Finance: The Bankers Who Broke the World”.
As biografias dos quatro protagonistas se entrelaçam com os dilemas de seus países. Montagu Norman, da Grã-Bretanha, era um aristocrata herói da guerra dos bôeres.Émile Moreau , da França, tecnocrata da prestigiosa Inspetoria de Finanças. Benjamin Strong, dos Estados Unidos, executivo de Wall Street que participara da organização tardia do Fed, após a sucessão de crises que afligiu“o primitivo, fragmentado e instável sistema bancário” (p.52) do país. O personagem mais interessante é Hjalmar Schacht, raro exemplo de self-made man da Alemanha imperial. Brilhante, mas de ambição desmedida, que o levou à aliança com os nazistas. O economista John Maynard Keynes foio contraponto ao quarteto, na qualidade de intelectual em ascensão cujas opiniões críticas desafiavam a ortodoxia com a qual os banqueiros tentaram lidar com a Grande Depressão.
Ahamed começa a narrativa com a crise financeira decorrente da Primeira Guerra Mundial. O conflito causou sérios distúrbios ao comércio internacional e ao funcionamento das economias européias. Para financiar gastos militares, os governos recorreram a aumentos de impostos, empréstimos (“O mais pernicioso e insidioso legado econômico da guerra foi a montanha da dívida na Europa”, p.100) ou simplesmente emissão monetária. A inflação disparou: os preços se multiplicaram por dois na Grã-Bretanha, três na França e quatro na Alemanha, abrindo caminho à catastrófica hiperinflação da década de 1920.
Outro problema: as excessivas reparações que os vencedores impuseram à Alemanha no Tratado de Versalhes. A impossibilidade de honrá-las levou a uma série de conflitos políticos, como a ocupação francesa da Renânia, fomentando o extremismo político. Tentativas internacionais de limitar as reparações – os Planos Dawes (1924) e Young (1929) – tiveram impacto positivo, mas criaram na Alemanha uma perigosa dependência ao capital estrangeiro. A fonte secou após a quebra da bolsa de Nova York e o medo de novo colapso da economia contribuiu para a vitória de Hitler.
Um tema que perpassa a obra é a dificuldade das autoridades financeiras em se adaptar às novas realidades. Ahamed examina de maneira magistral como os esforços para retomar o padrão-ouro (símbolo de confiança e estabilidade) após a I Guerra Mundial resultaram em erros e problemas de coordenação internacional. Uma das melhores anedotas do livro é a bronca que o ator Charles Chaplin deu no então secretário do Tesouro britânico, Winston Churchill, pela decisão de retornar ao ouro com um câmbio sobrevalorizado.
Porém, Ahamed presta homenagem a Benjamin Strong, que “mais do que qualquer um, inventou o moderno banqueiro central” (p.171), criando diversos dos métodos usados para tentar estabilizar economias, e o fez no contexto de um Fed ainda bastante frágil, cindido por conflitos internos. A história sobre como Schacht derrotou a hiperinflação alemã, por meio da criação de uma moeda indexada (o Rentenmark) é bastante conhecida, e narrada com competência pelo autor, bem como o posterior serviço de Schacht sob os nazistas, no qual conseguiu conciliar o combate ao desemprego com controle da inflação, mesmo em meio à Grande Depressão.
Ahamed é crítico do modo fechado pelo qual os banqueiros centrais – “o clube mais exclusivo do mundo” – operavam, e de como seus procedimentos estavam cada vez mais fora de sintonia com as pressões democráticas por transparência e prestação de contas à opinião pública. Tais fracassos ficaram evidentes na incapacidade de prevenir a crise de 1929 e na absoluta desordem e falta de cooperação que se seguiu, com os EUA, cada vez mais isolacionistas,culminando na conferência de Londres (1931) que “provou ser um completo fiasco, o último daquela longa lista de cúpulas desastrosas que começaram em Paris em 1919” (p.466).
Nesse sentido, Keynes é de fato o herói do livro, com sua atuação aberta por meio da imprensa e dos livros, construindo as idéias que resultaram nacúpula de Bretton Woods, em 1944, e na criação de instituições econômicas internacionais que colaboraram para a prosperidade sem precedentes do mundo do pós-guerra.
AHAMED, Liaquat. Lords of Finance: The Bankers Who Broke the World. Nova York: Penguin, 2009, 564 p. ISBN 978-I-59420-182-0
Maurício Santoro Rocha é Doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro -  IUPERJ e Especialista em Políticas Públicas e Gestão (Mauricio.Rocha@mdic.gov.br).

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