quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

O Estado brasileiro contra o Brasil: liberdades economicas (4) - Paulo Roberto de Almeida

10/11/2011

Interpretando alguns indicadores setoriais de liberdade econômica - IV

Paulo Roberto de Almeida 
Que observações poderiam ser feitas a partir da tabela constante do : Economic Freedom of the World: 2011 Annual Report ) e de outros dados desagregados (setoriais) constantes dos dados dos países – ver o artigo anterior desta série – tendo o Brasil como referência de comparação com outros países emergentes? Já tínhamos constatado que, em termos de liberdades econômicas, o Brasil fica atrás mesmo de economias que, até duas décadas atrás, ainda eram consideradas socialistas ou em mera transição para o capitalismo; no caso da China, a situação é ainda mais bizarra, uma vez que ela ainda é oficialmente apresentada como uma “economia socialista de mercado”(1).

Ora, a China, bastante admirada em certos círculos econômicos do Brasil – tanto acadêmicos quanto governamentais – em razão do papel supostamente mais preeminente do Estado, como planejador ou indutor do crescimento econômico, quando não como “promotor” do desenvolvimento econômico e social, situa-se vários pontos acima do Brasil, tanto na classificação geral, quanto em áreas relevantes da atividade econômica, como a 2a. (Estrutura Legal e Garantia de Direitos de Propriedade), a 4a. (Liberdade de Comerciar Internacionalmente) e a 5a. (Regulação do Crédito, do Trabalho e dos Negócios), com exceção, justamente, da primeira, relativa ao tamanho do governo.

Paradoxalmente, portanto, e curiosamente, a economia “socialista” da China é bem mais “capitalista” do que a brasileira, uma vez que seu governo – importante como ele aparece nas estatísticas quanto ao seu tamanho – é de fato responsável por todas as obras de infraestrutura (portos, aeroportos, energia, etc.) que são relevantes para impulsionar os negócios dos seus capitalistas, deixando para o setor privado todos aqueles setores que sustentam uma economia competitiva no plano mundial e que fazem da China, justamente, um país imbatível quando se trata de dinâmicas competitivas.

Se formos considerar, por exemplo, a área 2 (Estrutura Legal e Garantia de Direitos de Propriedade), registraremos que a proteção legal dos direitos de propriedade é muito mais bem assegurada na China (6.85 pontos) do que no Brasil (5.45 pontos, apenas); ou que a aplicação formal dos contratos é mais bem respeitada na China (6.73) do que no Brasil (4.82 pontos). No que se refere à liberdade de transacionar internacionalmente (área 4), as taxas aplicadas ao comércio exterior, bem mais baixas na China, a colocam à frente do Brasil (pontuação de 8.15, contra apenas 7,28 para o Brasil); as barreiras não-tarifárias também dão à China uma melhor posição (6.01 pontos, acima dos 4.77 do Brasil).

Ainda nessa área do comércio internacional – que constitui, como se sabe, um dos mais relevantes fatores de competitividade internacional e de ganhos de produtividade via incorporação de novas tecnologias e melhoria geral do desempenho das empresas expostas à concorrência externa –, a China apresenta uma proporção do comércio exterior, relativamente ao tamanho da sua economia bem mais favorável do que a do Brasil (9.12 pontos, contra apenas 2.44), o que significa que o seu coeficiente de abertura externa cumpre seu papel de modernizar a economia e trazer ganhos de oportunidade para o conjunto de seus empresários.

É importante registrar aqui que a China tornou-se um formidável competidor internacional no campo das manufaturas industriais não em virtude do tamanho do seu Estado, mas graças ao dinamismo de seus empresários e à política de abertura comercial, justamente praticada pelo Estado chinês. Ou seja, a China vem registrando essas extraordinárias taxas anuais de crescimento econômico a despeito do tamanho do seu Estado, não graças a ele, na direção contrária, portanto, do que apontam nossos intervencionistas renitentes da academia ou do governo. O Estado chinês se conforma, assim, a um padrão “Adam Smith” de intervenção na vida econômica (2).
Focalizando, agora, a última área detalhada no relatório do Fraser Institute (Regulação do Crédito, do Trabalho e dos Negócios), constatamos, uma vez mais, que a China “socialista” não apenas é mais capitalista do que o Brasil, como ela é mais amiga do “capital financeiro”, ou da “financeirização” como a designam certos socialistas brasileiros, qualquer que seja a significação desse termo: a regulação do mercado de créditos é, aparentemente, mais eficiente na China do que no Brasil (7.43 pontos, contra apenas 6.65)l também, o crédito ao setor privado é bem mais abundante no “socialismo de mercado” (9.73, de um total de 10 pontos, recorde-se) do que no “capitalismo periférico” (apenas 7.59).

Mais importante, no quesito controle sobre taxas de juros e taxas de juros reais, a China recebe a pontuação máxima (10 pontos), para miseráveis 6 pontos no Brasil. Quanto ao mercado laboral, ele é regulamentado de forma bem mais liberal na China “socialista” do que no Brasil “capitalista”; em geral, é mais fácil e rápido contratar, despedir e fazer barganhas coletivas no país asiático do que aqui (em média 5.11 a 8.90 lá, contra apenas 2.23 a 5.44 no Brasil). De fato, o Brasil é mais “generoso” com seus trabalhadores, mesmo se eles dificilmente conseguirão dobrar sua renda pessoal antes de 5 ou 6 décadas, ao passo que na China os ganhos de renda dobram em menos de vinte anos. Qual é, então, a melhor perspectiva em termos de progressos individuais?

(a continuar...)
Notas: (1). Ver Paulo Roberto de Almeida, “Falácias acadêmicas, 13: o mito do socialismo de mercado na China”, Espaço Acadêmico, ano 9, n. 101, outubro 2009; ISSN 1519-6186 (on-line); p. 41-50; link: http://www.periodicos.uem.br/EspacoAcademico (2). Com base nessa constatação, se poderia sugerir, talvez ironicamente, que o título de um dos mais conhecidos livros do sociólogo dos sistemas mundiais Giovanni Arrighi, Adam Smith in Beijing: Lineages of the Twenty-First Century (2007; publicado no Brasil como: Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI; Rio de Janeiro: Boitempo, 2008), fosse mudado para algo mais conforme à realidade: A China vai à Escócia, e ter eventualmente como subtítulo: “como um gigante da economia mundial do século XXI opera um retorno aos padrões da escola liberal de economia do século XIX”. Muitos seguidores ingênuos de Giovanni Arrighi no Brasil provavelmente acreditam que a China está “revolucionando” o capitalismo, ao supostamente introduzir uma versão “administrada” pelo Estado desse “modo de produção”, quando é precisamente o Estado chinês que está abrindo as portas da economia chinesa às formas mais clássicas do capitalismo, um processo raramente visto no mundo desde a primeira revolução industrial: a China se move no mundo graças a seus capitalistas, não ao Estado “socialista” (que quando existe, sob a forma de empresas estatais, atua de modo perfeitamente capitalista).

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