Os furos da meta fiscal
19 de março de 2014 | 2h 08
Editorial O Estado de S.Paulo
Político experiente, já tendo presidido o Senado Federal, do qual ainda é membro, o ministro da Previdência Social, Garibaldi Alves Filho, sabe que pouco teria a ganhar em caso de divergências ou atritos com sua chefe, a presidente Dilma Rousseff. Assim que percebeu o alcance da entrevista que o ministro concedera ao jornal Valor (17/3) - na qual ele considerou "completamente irreal" o déficit de R$ 40,1 bilhões para a Previdência incluído nos novos parâmetros da política fiscal anunciados pelo governo há poucas semanas -, a presidente exigiu dele uma retratação. O ministro tratou então de divulgar uma nota na qual, com grande habilidade, manteve o dito por dito.
Embora por razões políticas e funcionais o ministro tenha até admitido na nota que o déficit previdenciário em 2014 pode ficar no nível previsto pelo governo - o que será essencial para que, como prometeu o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o superávit primário alcance 1,9% do PIB neste ano -, dados recentes e o histórico da evolução das contas da Previdência indicam que o rombo deve ficar em torno de R$ 50 bilhões, como, aliás, o próprio Garibaldi previu de maneira fundamentada na entrevista citada.
Isso quer dizer que pelo menos 12% da meta de superávit primário de sua responsabilidade, de R$ 80,8 bilhões, prometido pelo governo em 20 de fevereiro, é frágil (a meta de superávit primário total do setor público é de R$ 99 bilhões). Isso significa também que o corte de gastos de R$ 44 bilhões anunciado na ocasião será insuficiente para se alcançar a meta, que começa a se transformar em fantasia contábil.
Em 2013, o déficit da Previdência alcançou R$ 49,9 bilhões, ou 1,04% do PIB. Mesmo sem prever nenhuma grande modificação nas regras dos benefícios que justificasse uma substancial redução de despesas ou um extraordinário aumento de receitas, o governo projetou uma redução nominal de 19,9% no déficit em 2014, que passaria a 0,77% do PIB. Se isso ocorrer, representará uma notável mudança na tendência do déficit previdenciário, que vem crescendo em valor e como porcentagem do PIB.
Isso vem ocorrendo porque reformas essenciais, que envolvem temas como fator previdenciário, tempo de contribuição e idade mínima para aposentadoria, entre outros, vêm sendo adiadas e, como admitiu o ministro em entrevista ao jornal Brasil Econômico (17/3), não serão examinadas neste ano, por causa das eleições. Na melhor das hipóteses, a discussão começará no ano que vem.
A principal reforma feita pelo governo nos últimos anos, a criação do Fundo de Previdência dos Servidores Públicos Federais (Funpresp), estabelece condições iguais para a aposentadoria dos empregados do setor privado e dos novos funcionários públicos e constitui um grande passo para a redução do déficit da previdência do setor público, mas seus efeitos positivos sobre as finanças do governo só surgirão no médio prazo.
Problemas específicos têm pressionado o déficit da Previdência, como a regra para a concessão de pensões por morte. Se o contribuinte tiver recolhido apenas uma contribuição mensal antes da morte, seus dependentes têm direito à pensão igual à que recebem os dependentes de contribuintes que recolheram regularmente durante toda sua vida ativa. De acordo com o ministro, o Brasil é o país que proporcionalmente mais gasta com pensões em todo o mundo (3,2% do PIB).
Outros problemas apontados pelo ministro são os gastos excessivos com aposentadoria por invalidez (18% do total dos aposentados no Brasil, contra uma média de 10% na União Europeia). Também os pagamentos de auxílio-doença são considerados problemáticos pelo governo, pois eles aumentaram 26,6% entre 2012 e 2013.
Uma das medidas que o governo pretende utilizar para reduzir esses gastos é a ampliação dos programas de reabilitação e de requalificação profissional, que reduziriam o tempo em que os segurados recebem o benefício. Mas ainda não há estrutura para assegurar esses cursos a um número elevado de segurados.
Com tantas pressões sobre as despesas, é no mínimo estranho que o governo tenha previsto a redução tão acentuada do déficit da Previdência Social em 2014.
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