domingo, 11 de maio de 2014

Eleicoes 2014: percepcoes dos eleitores - Marcia C. Nunes; Alberto Carlos Almeida

Decifrando o eleitor

Márcia Cavallari Nunes
Valor Econômico, 02/05/2014-
Especial. Rumos da Economia. 

"A mudança desejada pela população não é necessariamente de governo, mas sim na maneira de governar"

Com o exercício da democracia e após várias eleições, o brasileiro foi aprendendo a votar. Com os seus erros e acertos, o eleitor hoje é bem mais pragmático, crítico e exigente. Ele passou a perceber que quando vota em um candidato que dá continuidade ao que o anterior estava fazendo, independentemente de ser do mesmo partido, quem ganha é ele mesmo e toda a população. 
Focando na esfera federal, ele vivenciou os avanços do país, desde a abertura da economia iniciada por Fernando Collor, passando pela implantação do Plano Real e pelo controle da inflação nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, até a grande mobilidade econômica ocorrida na era Lula. Na percepção do eleitor, com cada presidente o país avançou um pouco. 
Nas eleições de 2010, Dilma se apresentou como legítima sucessora de Lula e era vista como a que mais daria sequência às políticas públicas implementadas por ele. Essa expectativa do eleitor se confirmou até recentemente. Entretanto, hoje há sensação crescente de que os avanços desaceleraram. Por isso, ao contrário da última eleição presidencial, quando havia um desejo grande de continuidade, hoje se observa um desejo grande de mudança. 
Pesquisa do Ibope Inteligência divulgada na última semana mostra que mais de dois terços dos brasileiros (68%) querem que o próximo presidente do Brasil mude totalmente ou muita coisa no governo do país. Outros 28% gostariam de continuidade total ou que muita coisa do governo atual permanecesse igual na próxima gestão. Resultados totalmente inversos aos observados em 2010. 
Dentre os que querem mudanças, 24% citam a presidente Dilma Rousseff como quem mais tem condições de implementar as mudanças que o país ainda necessita. Aécio Neves é citado por 19%, Marina Silva por 15% e Eduardo Campos por 7%. Outros 23% declaram que nenhum dos nomes é capaz de realizar as mudanças necessárias e 1% acha que todos são capazes. 

Entre aqueles que querem mudanças, quando questionados se desejam que elas sejam feitas com Dilma no governo ou com outro presidente, 64% citam que querem com outro presidente no lugar de Dilma. Os que mencionam a atual presidente somam 25%, ou seja, Dilma Rousseff possui um contingente de eleitores (um em cada quatro) que acreditam que ela é a melhor candidata para promover as mudanças desejadas. 
Esses números deixam claro que a mudança desejada pela população brasileira não é necessariamente de governo, mas sim na maneira de governar. Essas mudanças consistem em acelerar o ritmo do desenvolvimento econômico do país, melhorar a prestação dos serviços públicos, combater a corrupção, dar mais transparência para a gestão, entre outras ações. Enfim, almejam uma mudança no Estado brasileiro. 
O brasileiro não admite retrocesso. Para ele, é proibido perder o que já foi conquistado. É por isso que, apesar de querer mudança na maneira de se governar o país, ele valoriza a continuidade de programas, pois percebe que ganha quando isso acontece. A continuidade tornou-se um valor. Não me refiro à continuidade de governo, mas sim a de avanços no país. 
A percepção dos principais problemas do país foi mudando ao longo dos anos, a economia foi perdendo força frente aos demais. Em 20 anos, o principal problema do Brasil deixou de ser a geração de empregos e passou a ser a saúde. Pesquisas realizadas nesse período mostram que, em agosto de 1994, 53% dos brasileiros consideravam o emprego como a área em que o Brasil mais enfrentava problemas. No entanto, no estudo mais recente, de dezembro de 2013, 58% citam a saúde. Geração de empregos é citada apenas por 10% dos brasileiros como a área em que o Brasil enfrenta mais problemas. 
A mobilidade econômica pela qual o Brasil passou nos últimos anos não significa necessariamente uma mobilidade social. Para que isto ocorra, o eleitor precisa ter acesso a serviços públicos de educação, saúde e transporte coletivo de qualidade. Precisa ter acesso à cultura e ao lazer. Só assim o eleitor vivenciará uma verdadeira mobilidade social. 
Assim, hoje existe uma percepção de que há uma diminuição no ritmo de crescimento econômico do país, o que gera muitas inseguranças. Somam-se a isso o problema da segurança pública e a questão da corrupção que aparecem todos os dias no noticiário, além das demandas constantes por melhorias nos serviços públicos. Tudo isso junto, faz com que o eleitor não tenha uma expectativa positiva de futuro e reforça, cada vez mais, o desejo de mudança. 
O brasileiro entende também que há dinheiro público suficiente para se realizar tudo o que é necessário, desde que bem usado e sem corrupção pelo caminho. O nível de tolerância está no limite. Por isso, as manifestações de junho do ano passado exigiam serviços públicos no padrão Fifa. 
A população brasileira passou anos ouvindo que o Brasil é o país do futuro e ela quer que esse futuro chegue. Cansou de esperar. O futuro demora, mas precisa ser construído. O eleitor quer respostas para as perguntas "Como é que vamos avançar? Como vamos continuar crescendo? Como e quando vamos melhorar a educação, a saúde, a segurança e o transporte?". E, é claro, sem perder nenhuma das conquistas alcançadas. 
O eleitor exige respeito, transparência na gestão pública e serviços de qualidade tanto no setor público, quanto no setor privado. Ele quer sentir que o Brasil continua avançando e que isso se reflita de alguma forma na sua vida. E tem pressa: quer ganhos tangíveis no curto prazo. 

Márcia Cavallari Nunes é CEO do Ibope Inteligência. 

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Mudança veloz na cabeça
Alberto Carlos Almeida
Valor 02/05/2014
Especial. Rumos da Economia

Ser de esquerda é acreditar que a pobreza e a desigualdade são causadas por uma estrutura social injusta 

Houve uma mudança dramática da cabeça do eleitor nos últimos quatro anos: a política social perdeu importância e se tornaram bem mais relevantes medidas cujo objetivo é o aumento da eficiência da economia. Isto ocorreu porque a estrutura social do Brasil mudou muito, aumentou a escolaridade, aumentou a renda média e aumentou a capacidade de consumo. O resultado disto é simples, modificaram-se as demandas. 
Na última eleição presidencial, assim como ocorreu em 2006 quando Lula foi reeleito, o Bolsa Família foi um dos principais temas de campanha. Ele foi a vedete, o mascote da campanha. O PT se esforçou com sucesso em demonstrar que essa política de transferência de renda fazia justiça a um enorme eleitorado que havia sido abandonado há anos por uma elite insensível aos pobres, esse foi o discurso de Lula e Dilma. Os adversários insistiram em afirmar que o Bolsa Família resulta na acomodação de quem o recebe, que seus beneficiários deixam de buscar empregos e passam a nutrir uma grande dependência em relação aos benefícios governamentais. Falou-se muito na expressão "porta de saída": encontrar um meio para que quem recebe o Bolsa Família pudesse, no futuro, não mais precisar do benefício. 

São visões de mundo opostas, são apenas ideologias, não existe um lado certo ou errado. Há somente a ideologia com que você concorda e aquela de que você discorda, em geral dá-se o nome de "certo" àquilo com que se concorda e "errado" àquilo de que se discorda. O que existe no Brasil são dois eleitorados que têm valores diferentes, de um lado os que prezam o Bolsa Família e as políticas de transferência de renda, de outro os que acham que se trata de um gasto indevido do governo. A distância relativa entre esses dois eleitorados sempre existirá, é ela quem assegura os votos certos do PT e os votos certos do PSDB. O que mudou muito nos últimos quatro anos foi a importância das políticas sociais de transferência de renda para definir o voto. 
Ser de esquerda é acreditar que a pobreza e a desigualdade são causadas por uma estrutura social injusta. Quem pensa assim acha que é papel do governo e do Estado atuar para diminuir as desigualdades. Ser de direita é acreditar que a pobreza e a desigualdade são causadas pelos próprios indivíduos que são diferentes em seu apetite pelo bem-estar econômico e por sua capacidade individual de alcançá-lo. Quem pensa assim acha que o governo não deve atuar para diminuir as desigualdades, mas apenas dar as condições para que cada um busque o que for melhor para si em termos econômicos e financeiros. 
As pessoas mais pobres e com menor escolaridade tendem a ser de esquerda, ao passo que as pessoas menos pobres e mais escolarizadas tendem a ser de direita. Veja-se o mapa de votação do Brasil em 2006 e 2010 e ver-se-á que o PT é sistematicamente mais bem votado nas áreas mais pobres enquanto o PSDB é sistematicamente mais bem votado nas áreas menos pobres. Isto ocorre também nas eleições para governos estaduais e prefeituras. O mapa de votação, por exemplo, da cidade de São Paulo vem sendo assim e foi assim em 2012 quando no segundo turno se enfrentaram Haddad, do PT, e Serra, do PSDB. 
A classe média ainda não dará o tom principal da eleição presidencial, mas ela entrará no palco em grande estilo 
Na medida que uma sociedade aumenta seu nível escolar, e quanto mais rápido isto ocorre, foi o que aconteceu com o Brasil nos últimos anos, toda a população caminha para a direita. O pensamento de esquerda e seus eleitores não deixam de existir, muito menos deixa de existir a diferença relativa entre esquerda e direita, mas as políticas substantivas demandadas pelo eleitorado mudam, e muito. Nos Estados Unidos muito mais escolarizados do que o Brasil a esquerda é representada por Obama e pelos Democratas, a direita é liderada pelos Republicanos. Lá, porém, diferentemente de nós, o equivalente do Bolsa Família (existe nos EUA) não é um tema relevante de campanha. 
No Brasil de 2014 o Bolsa Família continuará sendo um divisor do voto petista e anti-petista, mas terá bem menos peso do que em 2010. Outros temas estão na cabeça do eleitor com mais força hoje do que há quatro anos, este é o caso da necessidade de mais estudo para se obter melhores empregos e da necessidade de se investir mais em infraestrutura. Ser de esquerda nos EUA é defender mais a geração de empregos do que o combate à inflação. No Brasil das últimas duas eleições presidenciais ser de esquerda era defender de maneira clara as políticas de transferência de renda. 
Em 2014 o eleitorado obrigará os candidatos a caminharem para a direita em um ritmo mais rápido do que no passado. O PT já vem há algum tempo atualizando o seu discurso. Desde a eleição passada o PT fala em "classe média", "oportunidades", "geração de empregos" e coisas congêneres. No fim de 2013 o governo Dilma ocupou fortemente a mídia com notícias de investimentos em infraestrutura, as chamadas concessões. Dilma respondia a este novo eleitorado, a esta nova cabeça do eleitor. Programas como o Pro-Uni, Fies, e Ciência sem Fronteiras respondem à demanda por condições para melhorar de vida, nestes programas não se dá o peixe, como se convencionou dizer do Bolsa Família, mas se ensina a pescar. 
Alguns podem considerar que este novo eleitorado é uma vantagem para a oposição. Pode até ser, desde que ela saiba entendê-lo. O fato é que nos últimos anos, talvez até mesmo na última década, o PT soube captar de maneira mais efetiva as demandas do eleitorado e suas mudanças. Não é bom para a democracia, não é bom para o PT e tampouco para o PSDB que o eleitorado não seja plenamente compreendido pela oposição. Todos ganham com uma competição eleitoral mais acirrada. Um eleitorado mais à direita não significa necessariamente que as demandas sociais não tenham que ser contempladas, longe disto. Na verdade, a classe média ainda não dará o tom principal da eleição presidencial, mas ela entrará no palco em grande estilo. Ironicamente, este novo ator é resultado do sucesso dos governos do PT e é ele quem pode ameaçar o predomínio de Dilma e de Lula na política nacional. 

Alberto Carlos Almeida, sociólogo, é diretor do Instituto Análise e autor de "A Cabeça do Brasileiro". 

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