Brasília em ritmo argentino
12 de maio de 2014 | 2h 06
Editorial O Estado de S.Paulo
O governo brasileiro, mais uma vez, se curva às imposições argentinas e com isso fica de novo adiado o livre comércio de veículos e autopeças entre os dois países. O protecionismo, os entraves e a burocracia comercial continuam prevalecendo entre as duas maiores economias do Mercosul, um bloco malsucedido e impropriamente classificado como união aduaneira. O adiamento do livre comércio de produtos automotivos será por mais um ano, segundo a previsão oficial. Na prática, poderá ser por muito mais tempo, se Brasília continuar, como na última década, obediente aos comandos da Casa Rosada. Apesar de mais essa rendição, o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Mauro Borges, ainda exibiu otimismo ao anunciar, no Congresso Nacional, mais uma prorrogação do acordo automotivo e o fechamento - próximo, segundo ele - da lista de ofertas do Mercosul à União Europeia. A troca de ofertas é um passo necessário à conclusão de um acordo comercial entre os blocos.
O acordo automotivo entre Brasil e Argentina foi assinado em 2000, entrou em vigor no ano seguinte e seria substituído em 2005 por um regime de livre comércio. Não deu certo. O acordo foi prorrogado por mais um ano e a partir daí a liberalização foi sendo regularmente adiada. O último adiamento ocorreu no ano passado e o novo prazo deveria terminar em junho deste ano. Segundo o ministro, a mudança ficará para junho de 2015. Até lá, explicou, os dois lados poderão acertar de forma definitiva a liberalização do comércio automotivo. Poderão, é claro, se os governos estiverem interessados. Não há, hoje, razão para acreditar nessa mudança.
As regras têm variado segundo os interesses argentinos. Na última versão, a indústria brasileira poderia exportar sem impostos produtos no valor de até US$ 1,95 para cada dólar vendido pelos argentinos. Os dois lados concordam com a manutenção do sistema até o próximo ano, mas o governo argentino defende a redução do índice "flex" para 1,30. O governo brasileiro discorda, disse o ministro. "Mas temos condições de chegar a um acordo sobre isso", acrescentou, exibindo uma boa vontade nada surpreendente.
Também segundo o ministro, a preparação da lista de ofertas para a negociação com os europeus vai bem e deverá ser concluída numa reunião do Mercosul na terça-feira. Seria incorreto, disse ele, apontar a Argentina como um "óbice". Ele transmitiu esse recado outras vezes e a única novidade, no pronunciamento de quinta-feira, foi a palavra "óbice". O acerto com os argentinos foi adiado várias vezes. Talvez a previsão se confirme, mas é bom esperar para conferir.
E depois? O Mercosul, disse o ministro, só aceitará um acordo com a União Europeia se obtiver claras vantagens para suas exportações agropecuárias. A presidente Dilma Rousseff, segundo ele, tem pedido informações sobre os benefícios oferecidos pelos europeus. Brasileiros e argentinos têm insistido, ao longo das negociações com os europeus, na obtenção de facilidades de acesso para os produtos do agronegócio. O protecionismo agrícola na Europa é de fato um problema importante, mas é preciso pensar também nos interesses da indústria. Exportadores industriais de outros países têm condições mais favoráveis de acesso ao mercado da União Europeia.
O ministro reafirmou a disposição de trabalhar pela conversão da América do Sul em zona de livre comércio. Ele havia mencionado esse ponto recentemente. Mas, para isso, o governo brasileiro terá de aceitar uma abertura econômica maior. Essa condição foi citada em janeiro pelo presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, quando lhe perguntaram, em Davos, se haveria interesse em um acordo entre a Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia e México) e o Mercosul. No mesmo dia, também em Davos, a presidente Dilma Rousseff deixou claro seu pouco interesse em tornar mais aberto o mercado brasileiro. Nesse ponto, Brasília está muito mais próxima de Buenos Aires do que de Santiago, Lima, Bogotá e Cidade do México.
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