quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Across the Empire (7): leituras no velho Oeste - Paulo Roberto de Almeida


Crossing the Empire, 2014 (7): de Denver a Cody
Leituras no Velho Oeste

Paulo Roberto de Almeida

            A jornada desta quarta-feira 3 de setembro, toda ela consumida no trajeto entre Denver, Colorado, e Cody, Wyoming, não teve nada de excepcional, a não ser por um traço do caráter americano que revela um pouco do espírito que presidiu à construção desta nação, com base primeiro na própria sociedade, depois, muito depois, no Estado.
            Digo que não teve nada de excepcional pois o dia foi de viagem, um pouco menos de 500 milhas para sair de um estado e entrar em outro, parando numa pequena cidade que também homenageia o Buffalo Bill (ele está em todas as partes por aqui), quase às portas de nosso segundo objetivo principal: o parque nacional do Zé Colmeia, digo, de Yellowstone, imortalizado num desenho animado que frequentou a infância de milhões de crianças de nossa geração. Não sei onde anda atualmente o Zé Colmeia, e provavelmente o autor dos desenhos já faleceu, mas se deve apenas a ele nossa vinda a um parque natural, que de ordinário não comparece em nosso turismo cultural e citadino. Mas, teve sim, algo excepcional, e vou tratar unicamente disso nesta postagem.
            No meio do caminho entre Denver e Cody está Cheyenne, capital do estado cowboy do Wyoming, onde já tínhamos estado no ano passado, mas totalmente por acaso, pois que simplesmente por um desvio imposto pela natureza: nosso trajeto vindo do centro dos EUA, Missouri, Kansas City, deveria nos levar a Denver, e depois a Boulder, antes de seguir viagem para o Utah, Salt Lake City, terra dos mórmons, onde estivemos efetivamente, mas tendo de fazer um desvio pelo norte, pelos estados do Nebraska e Wyoming, justamente. A razão foram chuvas torrenciais, justo quando estávamos no Missouri, que destruíram estradas, arrastaram casas, ceifando algumas dezenas de vidas e arrasando completamente o vale do rio North Platte. Em face da tragédia, tivemos de desistir do Colorado, e por isso fomos a Omaha, Lincoln, Cheyenne, Ogalalla, e outras cidades do roteiro cowboy.
            Desta vez, como já tínhamos visitado o centro de Cheyenne, nos dedicamos a um museu que tinha ficado apenas nos registros em 2013: do velho Oeste. Pois chegamos lá em torno do meio dia, dedicando mais de uma hora a este simpático museu, que aparece nesta foto que fiz, atrás da escultura do vaqueiro domando um cavalo. 


O edifício é bem maior do que aparece na foto, tão grande que perdi um boné que havia comprado no ano passado no rancho do Jack London, em Sonoma, na Califórnia. Tive de comprar outro, no próprio museu, importante para dirigir no final da tarde, na direção oeste, quando o sol do final da tarde bate bem na frente do carro.
Mas, além dos cowboys, também encontrei uma cowgirl, com um lindo chapéu de vaqueira, rosado, que se deixou fotografar para a ocasião. Espero que ela goste...


Também me fiz fotografar por Carmen Lícia, em frente a esta típica carruagem de transporte de passageiros, muito parecida com aquelas que todos já vimos em filmes de Hollywood sobre o velho oeste, justamente.


Mas o que mais me chamou a atenção foi esta peça que, como disse ao início, retrata o espírito de um povo, um povo que se fez pela democracia de aldeia, na base, não aquela superestrutural como conhecemos nós, que parte do princípio da organização do Estado, com seus poderes, etc. 

Nos EUA, a democracia é um mores, um costume social, um hábito de vida, algo que começa pela eleição do xerife (vimos vários cartazes pedindo votos para um e outro candidato a sheriff, cada vez que entrávamos num novo condado), pela eleição do juiz, as duas bases do poder local, e depois se estende ao conselho de pais e mestres da escola (em todos os lugares, mesmo os mais recuados, podemos cruzar com os ônibus amarelos transportando escolares, de manhã e de tarde), e que explica o grau de desenvolvimento social dos EUA, independentemente das desigualdades sociais, e da segregação racial, que são dois outros traços da sociedade.
Esta peça é uma livraria ambulante, a primeira do condado de Laramie, uma cidade próxima de Cheyenne. Fiz algumas fotos para ilustrar a importância que assume a leitura, os livros, a cultura de forma geral, na sociedade protestante original dos EUA.



Como disse Monteiro Lobato (não pretendendo obviamente ser sexista): “um país se faz com homens e livros”. Não importa se ele estava querendo vender mais livros da sua recém criada Companhia Editora Nacional: é um fato que um país se faz basicamente com conhecimento acumulado, do que se encontra nos livros. Em todo os EUA nos deparamos com pessoas lendo em todas as circunstâncias, nas mais pequenas cidades sempre existe uma biblioteca pública, e nós mesmos, Carmen Lícia e eu, frequentamos duas, em Hartford e em West Hartford, muito boas, por sinal. Posso ler todos os mais novos lançamentos, sem precisar comprar nas livrarias comerciais, e antes de me decidir por encomendá-lo novo ou usado (em três meses ele estará praticamente novo na rede de sebos que mais uso, a Abebooks).
O museu é uma joia da cultura cowboy e da fronteira, com seu kitsch, e seus traços profundamente humanos. Fiz fotos de algumas obras de arte também, mas termino por esta paródia musical em forma de pintura: um cowboy com sua guitarra sendo unanimemente acompanhado por uma plateia atenta e participativa. O quadro se chama, apropriadamente, Standing Bovation..., uma ovação merecida, sem dúvida.


Amanhã, ou melhor, hoje, dentro de algumas horas, vamos a Yellowstone. Não sou muito chegado a bichos e natureza, preferindo, como Carmen Lícia, as cidades e a cultura, mas como está no caminho...
Paulo Roberto de Almeida
Cody, 4 de setembro de 2014

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