Um importante artigo, realista e ao mesmo tempo acadêmico. Ops, será que os acadêmicos não conseguem ser realistas? Talvez, para sim, e para o não...
Paulo Roberto de Almeida
A nova desordem mundial
Víctor Pou
Valor Econômico, 6/0\10/2014
Víctor Pou é professor do IESE Business School
Recentemente, completou-se o centenário do começo da Primeira Guerra Mundial, uma tragédia para o mundo e especialmente para a Europa. Embora hoje se argumente sobre a improbabilidade da repetição de uma hecatombe similar, comprova-se com preocupação uma rápida e perigosa deterioração da situação geopolítica mundial. O centro da deterioração não está na Europa, como em 1914, mas em sua vizinhança. Analistas prestigiados veem ecos inquietantes do verão europeu de 1914, diante da magnitude dos conflitos atuais na Ucrânia, Mediterrâneo e Oriente Médio, as áreas geográficas limítrofes com a Europa no leste e no sul.
O grande paradoxo é que a economia e a política do mundo avançam por caminhos opostos: enquanto a primeira é global há décadas, a segunda retrocede para o tribalismo. O mundo vem se convertendo em um tabuleiro de grande complexidade e o jogo das relações internacionais remete ao equilíbrio de poderes do século XIX e princípios do XX que resultou na Primeira Guerra Mundial.
De acordo com o presidente do centro de estudos Brookings Institution, de Washington, Strobe Talbott, existe perigo real de conflito entre grandes países. Na sua avaliação, os paralelos entre 1914 e 2014 são preocupantes. Talbott considera que hoje há três fenômentos perigosos: descontentamento mundial com os diferentes sistemas de governança; crescimento de novos nacionalismos radicais e acúmulo de conflitos concretos que ameaçam a estabilidade mundial.
O veterano diplomata Henry Kissinger acaba de publicar o livro "World Order" (ordem mundial, em inglês), no qual explica a decomposição progressiva da velha ordem mundial estabelecida após a Segunda Guerra Mundial e avisa sobre as enormes dificuldades para tentar construir uma nova, que deveria estar baseada tanto em força quanto em legitimidade. O estrangulamento da velha ordem poderia conduzir a um novo período de anarquia e confrontação.
É um estrangulamento que acredito já estar em curso, pela ação de quatro forças. A primeira consiste no declínio progressivo dos Estados Unidos (agravado pelos sucessivos erros do presidente Barack Obama na política exterior) e na persistente incapacidade da Europa em assumir um verdadeiro papel global. A segunda é a determinação do islamismo fanático e radical em impor seu totalitarismo em grande escala. A terceira é a estratégia da Rússia de Putin para recuperar espaços territoriais perdidos após o desmoronamento da antiga União Soviética. A quarta é o avanço da China em direção à liderança do mundo, primeiro de caráter econômico e, depois, global. A essas quatro forças, poderíamos adicionar os esforços do Irã para transformar-se em potência militar atômica e líder regional.
Na avaliação de outros analistas de destaque, como José Ignacio Torreblanca, representante em Madri do centro de estudos European Council on Foreign Relations, as dificuldades que a velha ordem vêm enfrentando têm como foco principal o fator estatal. Por um lado, temos Estados que se desordenam e, por outro, temos Estados que negam a ordem internacional e suas normas, ou seja, que desordenam os demais.
O primeiro problema, a desestabilização, é o padrão dominante nos conflitos no Oriente Médio. Por trás do denominado Estado Islâmico da Síria e do Iraque esconde-se uma verdade de consequências muito incômodas: na zona em que pretende edificar um califato islâmico, o Estado deixou de existir como forma de organização política e administrativa, dando lugar a uma violência sectária e religiosa de raízes tão profundas quanto difíceis de lidar. Além da Síria e do Iraque, outros Estados ficaram reduzidos a nada, como a Líbia, ou ainda querem nascer, como a Palestina. O segundo tipo de instabilidade provém dos Estados que desordenam ou pretendem desordenar, como Rússia, Irã e China.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o Ocidente fixou as regras da nova ordem mundial e, agora, sequer parece disposto a adaptar essas normas, além de não ter capacidade para impô-las, nem saber como persuadir os demais a aceitá-las, convertendo-se em espectador passivo de seu próprio declínio.
A capacidade de impacto mundial da União Europeia continua centrada no campo econômico, mas pesa muito menos no político, no militar e no demográfico. Uma Europa ensimesmada, que não consiga assumir um verdadeiro papel global no curto prazo, está condenada à irrelevância no século XXI.
Na UE abriu-se um novo ciclo, depois das eleições de maio para o Parlamento Europeu, presidido pelo alemão Martin Schulz, e da designação de uma nova Comissão Europeia, presidida pelo luxemburguês Jean-Claude Juncker. Também foram nomeados o novo presidente do Conselho Europeu, o polonês Donald Tusk, e a alta representante de Política Exterior e Segurança Comum, a italiana Federica Mogherini.
Os principais desafios que se apresentam para os próximos cinco anos certamente são importantes. No plano interno, consistem em recuperar a confiança da cidadania, colocar em ordem a nova arquitetura do euro e evitar tendências centrífugas, como a possível saída do Reino Unido. Em termos internacionais, enfrentar a agressividade da Rússia, desenvolver uma nova política para o Mediterrâneo e Oriente Médio e afirmar-se como parte imprescindível na administração de assuntos globais.
Os próximos cinco anos serão decisivos na vida da UE. Poderão ser testemunhas de uma reação necessária aos desafios mencionados ou testemunhas da continuidade da marcha rumo a sua própria irrelevância em um mundo cada vez mais desordenado. (Tradução de Sabino Ahumada)
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