Passo a anotar os dados dessa republicação, e de imediato reproduzo aqui um dos textos preparados naquela ocasião.
Paulo Roberto de Almeida
Normalmente, pessoas e
países procuram se guiar pelos bons exemplos, pelas experiências de
sucesso, pelos modelos que produziram mais crescimento, maior bem-estar e
trouxeram um incremento de "felicidade" às pessoas (seja lá como medir
essa felicidade). Não existem, ou pelo menos não se proclamam, modelos
de fracasso. A história econômica registra apenas os casos de sucesso:
os milagres japonês e alemão do pós-guerra, o milagre brasileiro do
início dos anos 1970, a fantástica ascensão (ainda em curso) da China,
precedida por vários exemplos de crescimento rápido entre os "tigres
asiáticos". Ninguém fala, et pour cause, de modelo africano ou latino-americano de desenvolvimento: poderia parecer gozação...
Pois bem, vou inverter o
exercício e falar, justamente, dos casos de fracasso, dos exemplos de
insucesso total e completo, dos modelos patéticos, que servem, uma vez
não é costume, para demonstrar exatamente o que não se deve fazer em
matéria de políticas econômicas, para não acabar como essas experiências
mal sucedidas ao longo da história. Isto por uma razão muito simples:
como se diz em linguagem popular, o sucesso tem muitos pais, o fracasso
não tem nenhuma mãe. Assim sendo, creio, sinceramente, ser muito melhor
aprender com o fracasso do que com o sucesso, pois este pode ter
múltiplas causas, por vezes difíceis de serem detectadas, ao passo que
aquele tem a virtude de nos indicar, precisamente, aquilo que não se
deve fazer, sob risco de entrar em decadência ou suportar fracassos,
como certos países por aí...
Os economistas Robert Barro e Xavier Sala-i-Martin, na introdução ao livro Economic Growth (2a
edição; Cambridge, Mass.: The MIT Press, 2004), sublinham a importância
do crescimento para o desempenho de longo prazo das economias e,
portanto, para a prosperidade e o bem-estar das pessoas. O PIB per capita real
nos EUA cresceu dez vezes, em dólares atualizados, entre 1870 e 2000,
passando de US$ 3.340 a US$ 33.300, o que corresponde a um crescimento
médio anual de apenas 1,8%; nada de excepcional, como se vê. Para
avaliar como as coisas poderiam ter sido diferentes, eles calculam,
retrospectivamente, como teria sido esse desempenho se os EUA tivessem
crescido apenas 1% a mais, ou seja, 2,8% ao ano, cumulativamente: pois
bem, o cidadão americano teria chegado ao ano 2000 com a fantástica
renda (média, recorde-se, pois o valor já pode ser encontrado em
Manhattan) de US$ 127.000, 38 vezes o valor de 1870 e 3,8 vezes maior do
que o valor real do ano 2000.
Mas suponhamos o exercício
inverso, ou seja, que os EUA tivessem crescido apenas 0,8% ao ano, algo
tampouco excepcional, pois correspondeu ao crescimento do PIB per capita
da Índia de 1900 a 1987 (0,64% ao ano), do Paquistão no mesmo período
(0,88% ao ano) e das Filipinas (0,86%). Nesse caso, o cidadão americano
teria chegado ao ano 2000 com uma renda disponível de apenas US$ 9.450,
apenas 2,8 vezes maior do que o valor de 1870 e 28% da renda
efetivamente realizada em 2000, o que aproximaria o americano do seu
vizinho mexicano. Nada de muito glorioso, não é mesmo? E qual a
diferença disso? Bem, digamos que os americanos não seriam muito
numerosos a passar suas férias em Acapulco, com o que os mexicanos
seriam provavelmente ainda mais pobres, comparativamente, do que eles
são efetivamente, posto que uma parte da renda do México deriva de suas
relações com a economia do poderoso vizinho ao norte.
Esse simples exercício de
simulação nos demonstra como o crescimento é importante para fins de
bem-estar e disponibilidade de bens e serviços, que por vezes podem
fazer a diferença entre a vida e a morte, simplesmente (pensemos em
serviços hospitalares e maternidades eficientes, provavelmente o fator
explicativo para as diferentes taxas de mortalidade nos EUA e no
México). Mas eu vou tratar de outro caso, ainda mais dramático, e muito
perto de nós: a Argentina. Sorry, caros vizinhos, mas não
pretendo chorar por vocês, apenas usar o seu caso como exemplo do que
não se deve fazer para não conhecer uma decadência similar, ou pior.
Cem anos atrás, os EUA já
eram o país mais rico do mundo, exibindo uma renda per capita de US$
5.017, segundo dados atualizados (dólares de 1990) pelo economista Angus
Maddison (ver, em seu site, Statistics on World Population, GDP and Per Capita GDP, 1-2006 AD).
A Argentina dispunha, então, de uma renda per capita de US$ 3.699, ou
seja, 73,7% do valor americano, ao passo que o Brasil era um pobretão,
com apenas US$ 776 de renda, ou seja, 15% do PIB per capita americano e pouco mais de 20% do argentino.
Pois bem, retomando os
mesmos dados para o ano de 2006, como registrados por Maddison,
constatamos que a Argentina, com US$ 9.679, já não fazia mais do que
31,7% do PIB per capital americano (estimado em US$ 31.049). O Brasil
continuou relativamente pobre, mas sua renda individual já tinha saltado
para US$ 5.835, correspondendo a 18,8% da renda americana (um progresso
modesto, reconheçamos), mas já tinha avançado para 60,3% da renda
argentina. Neste caso, não fomos nós que progredimos fantasticamente em
relação aos EUA; foi a Argentina que recuou espetacularmente na escala
da riqueza global, de fato uma das mais gloriosas decadências de que se
tem notícia em toda a história econômica mundial.
Estamos, agora, no ponto
onde eu queria chegar: o exemplo do fracasso, o modelo do insucesso, o
itinerário mais espetacularmente desastroso de que se ouviu falar nas
comparações de desempenho relativo para países capitalistas. A Argentina
tem direito a um Guiness, a um Prêmio Nobel (talvez Ignóbil) da
decadência econômica, ainda mais "brilhante", se ouso dizer, do que a
trajetória da Grã-Bretanha, que também foi o outro exemplo de insucesso
completo nos primeiros oitenta anos do século XX. Como é que se consegue
chegar a esse estado falimentar?
As receitas são simples, e
devem ser aprendidas por todo estadista que desejar evitar a decadência
e, ao contrário, promover o crescimento e a prosperidade. Comece por
destruir a legalidade de um estado, o que pode ser facilmente obtido por
meio de golpes, revoluções, quarteladas, ditaduras personalistas,
enfim, por todos esses casos de caudilhismo pretoriano a que nos
acostumamos tão bem na América Latina; pois foi o que a Argentina
conheceu a partir de 1930, e com muito maior intensidade a partir da
Segunda Guerra Mundial. Continue pela aplicação de uma série de medidas
econômicas que, no conjunto, contribuem para retirar as fontes de
crescimento e, inversamente, produzem desinvestimento, desincentivo ao
espírito empresarial, fuga de capitais, inflação, desemprego e perda
completa de confiança na moeda nacional. Também é relativamente fácil:
implante controles de preços, taxe pesadamente a produção, redistribua
os “lucros” – e se possível o controle das empresas – aos trabalhadores,
passe a gestão de órgãos públicos a sindicalistas mafiosos, penalize as
exportações pelo controle cambial, os investimentos por juros elevados
(derivados da dívida pública, sublinhe-se), emita moeda para cobrir as
despesas do governo, enfim, promova a nacionalização e a estatização de
"setores estratégicos" e depois proteja-os da concorrência estrangeira
por tarifas altas e outras medidas protecionistas. A Argentina também
praticou tudo isso com grande desenvoltura; aliás, ainda o faz...
Pronto: a receita está dada.
Mas parece que os argentinos não aprenderam nada dos erros do passado,
pois, a cada ano, continuam fazendo tudo sempre igual. Querem outro
exemplo, atual e corrente? Basta olhar a Venezuela. Gracias pelas aulas de economia, professor Chávez: sabemos, agora, exatamente o que não se deve fazer, para não afundar o país...
As digressões acima
respondem exatamente à pergunta deste ensaio: o que podemos aprender com
a experiência de outros países, ainda que pelo lado negativo, o que
pode ser relativamente frustrante. Ou seja: sabemos o que temos de
evitar – e Chávez está ai mesmo para nos demonstrar, praticamente todos
os dias – e o que existe de receitas para o fracasso. Elas nada nos
dizem, contudo, sobre o que devemos fazer para seguir as experiências de
sucesso, aquelas que produziram crescimento e bem estar em certo número
de países, o que também existe.
Sinto decepcionar os
leitores, mas não existem – pelo menos não acredito que existam –
“modelos de sucesso”: todo e qualquer “modelo” nada mais é do que uma
consolidação a posteriori de percepções sobre as supostas
razões do sucesso de um empreendimento, expressa a um nível de
generalidade que pretende abarcar toda uma experiência complexa em
poucas fórmulas aparentemente inovadoras. Cada país deve criar sua
própria fórmula, com base em suas vantagens comparativas – sim, elas
existem, por mais que alguns identifiquem nelas uma predestinação
permanente e um congelamento das possibilidades produtivas, o que é
absolutamente falso – e certa engenhosidade de que são capazes todos os
seres livres e sujeitos à competição, em condições “normais” de mercado
(as aspas significam que quando os estados passam a interferir, os
mercados deixar de atuar “normalmente”).
Sem pretender ser
repetitivo, volto aqui às minhas simples regras de boa governança
econômica que podem significar a diferença entre o sucesso e o fracasso
num processo de crescimento econômico sustentado, base indispensável a
qualquer evolução gradual para patamares mais avançados de
desenvolvimento social:
1) macroeconomia estável, acompanhando a dinâmica dos mercados;
2) microeconomia competitiva, com total liberdade de entrada nos mercados;
3) instituições públicas capazes de reduzir os custos de transação;
4) alta qualidade de recursos humanos, para maiores ganhos de produtividade;
5) abertura ao comércio internacional e aos investimentos estrangeiros.
Não chega a ser, exatamente,
um modelo, sendo mais bem um simples manual sobre o que fazer, num
plano altamente genérico e não totalmente operacional. Mas não deixa de
ser, também, um conjunto de lembretes sobre o que não fazer para não
incorrer em fracassos continuados.
* Publicado originalmente em 22/11/2010.
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