Chafurdando nas Profundezas
Monica Baumgarten de Bolle
(Artigo publicado no O Globo a Mais de 02/10/2014)
Versão original
ou interpretação magistral? Confesso que, geralmente, prefiro o
original, seja do que for. Prefiro, por exemplo, a política econômica
original que estabilizou o País, aquela introduzida pelo governo de
Fernando Henrique Cardoso, à versão diluída de Lula e à interpretação
deturpada, desafinada de Dilma. Na música, porém, o oposto ocorre. Gosto
mais da interpretação de “Samba e Amor” de Caetano Veloso, do que da
versão original gravada pelo compositor Chico Buarque, o mesmo Chico que
nos assusta com suas preferências políticas. Achei espetacular o soul
rasgado da cantora britânica Adele na voz acrobática da diva Aretha
Franklin. “Rolling in the deep” não tem tradução exata para o português.
Em inglês, “to roll in the deep” é sentir dor arrebatadora, dor de
rejeição, dor de traição. O Brasil está “rolling in the deep”, chafurda
nas profundezas da obstinação irracional de seus dirigentes.
Os dados são implacáveis, aniquilam qualquer
versão, original ou não, com oscilações impossíveis entre graves e
agudos. Diz o FMI: entre 2006 e 2013, a posição externa brasileira
passou de um superávit de 1,3% do PIB, para um déficit de 3,6% do PIB. O
tamanho do rombo é limítrofe – um pouquinho mais e o País estará na
zona de perigo, aquela em que qualquer soluço nos mercados
internacionais pode se traduzir numa saída de recursos com efeitos
nefastos sobre a moeda e as reservas brasileiras. Com seus US$ 81
bilhões de déficit externo, o Brasil está atrás somente dos EUA e da
Inglaterra. A diferença é que os EUA têm o dólar e Aretha Franklin, e a
Inglaterra, a libra e Adele.
Do lado fiscal, agosto registrou o pior
resultado para o mês dos últimos dezoito anos, impulsionado por gastos
que aumentaram quase 30% no período. Está certo que a Presidente Dilma
não gosta de austeridade, já atacou a austeridade, fez pregações na
Europa contra a austeridade. Mas, não precisava ir tão longe, deixando
as contas públicas em frangalhos para o próximo governante – ou para ela
própria. Diz o Ministro da Fazenda que o ajuste fiscal ficará para o
próximo governo. Como ele certamente não haverá de integrar o próximo
governo, parece estar cantando com Aretha e Adele: “farei com que você
pense em mim nas profundezas de seu desespero” (“And I’m gonna make your
head burn/Think of me in the depths of your despair”). Não há dúvida de
que nos lembraremos dele, e de seu par no Tesouro, o inabalável Arno
Augustin, sobretudo se o Brasil vier a ser rebaixado pelas agências de
classificação de risco no ano que vem.
A campanha presidencial rola nas profundezas
insondáveis de seus últimos dias antes do embaralhado primeiro turno. A
Presidente-candidata, escorada nas acrobacias que seus marketeiros fazem
com a verdade, se prepara para subir a rampa do planalto em janeiro de
2015. “Vejam como sairei com cada pedaço seu, não subestime o que sou
capaz de fazer” (“See how I leave with every piece of you/ Don’t
underestimate the things that I will do”).
Pobre Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.