A orfandade do Brasil profundo
Rui Fabiano
É Jornalista
12/05/2015
O abismo entre os dois brasis é profundo e nenhum partido diagnosticou o problema. A queda do PT não o resolve, mas abre caminho para que uma interlocução se estabeleça.

O Brasil, como salta aos olhos, é um país dividido. E a divisão não é apenas partidária, que é sua manifestação mais superficial e circunstancial, já que o brasileiro não crê em partidos.
A mais densa manifestação divisionista se constata entre sua elite universitária, politicamente correta – uns dez por cento da população - e o restante da sociedade, da classe média para baixo.
As pesquisas tangenciam o problema. O chamado Brasil profundo é religioso, conservador em seus costumes e valores e com uma visão realista das questões do cotidiano (maioridade penal, liberação das drogas e do aborto, desarmamento, entre outras) - o avesso do que propugna o Brasil politicamente correto.
Este – e aí incluem-se os formadores de opinião, estudantes e professores universitários, profissionais liberais e a militância de esquerda (centrais sindicais, ONGs, movimentos sociais) – fala outro idioma, embora se arvore a falar por todos.
Não se trata de uma tese, mas de fatos. O Brasil profundo, segundo pesquisas diversas, rejeita, por exemplo, o casamento gay. Por essa razão, nenhuma proposta nesse sentido foi submetida ao Congresso ou mesmo, via plebiscito, ao povo.
Buscam-se então vias alternativas. Assim, a autorização veio pelo Supremo Tribunal Federal, respondendo a consulta, contra a letra explícita da Constituição. A união civil estável sob a proteção do Estado, objeto da consulta, é tratada no parágrafo 3º, do artigo 226, nos seguintes termos: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Apesar disso, o STF decidiu legislar: estendeu-a aos homossexuais. Na sequência, o Conselho Nacional de Justiça, sem qualquer base legal, autorizou os cartórios a realizar casamentos – e não apenas união civil estável sob a proteção do estado -, indo além da transgressão anterior.
Não se trata aqui de discutir o mérito da iniciativa, mas como foi obtida: à revelia da maioria, sem consultá-la – e mesmo já sabendo o que esta expressara, por meio de diversas pesquisas.
Idem o desarmamento. Em plebiscito de outubro de 2005, dois terços da população se manifestaram contrários à proibição da venda de armas de fogo – mas e daí? O Brasil politicamente correto, que se diz democrata, afronta a maioria e busca expedientes por meio de portarias administrativas, que contrariam a vontade explícita da maioria. O Congresso é também ignorado.
O mesmo Brasil real é contra a legalização do aborto, considerando que as exceções já acolhidas em lei – risco de vida da mãe, estupro e feto anencefálico – são suficientes. Mas a agenda politicamente correta insiste em ampliá-lo.
O deputado Jean Wyllys, que simboliza uma ala do politicamente correto, acha que, em questões assim, o povo não deve ser consultado, pois seguramente “votaria errado”. Ou seja, sente-se tutor da população em questões comportamentais.
O deputado Jean Wyllys, que simboliza uma ala do politicamente correto, acha que, em questões assim, o povo não deve ser consultado, pois seguramente “votaria errado”. Ou seja, sente-se tutor da população em questões comportamentais.
Há uma determinação, de índole positivista, de impor às massas ignaras um novo país, moldado por valores que não compartilha e que não é chamado a debater.
A chave dessa divisão está no sistema educativo. Há décadas – e isso remonta ao tempo do regime militar -, a agenda politicamente correta, que contesta valores da formação cristã tradicional, que moldou o pensamento da população brasileira desde a colonização, vem sendo imposta nos colégios e universidades, sobretudo no meio urbano. Há mais de uma geração já submetida a esse software educacional, que prepara o país para sua total esquerdização, por meio de uma revolução cultural no melhor estilo gramsciano. E isso gerou dois brasis.
A própria Igreja Católica submeteu-se a essa polarização. Em 64, posicionou-se contra a esquerda; hoje, a apoia, via CNBB. Idem a OAB, hoje transformada em célula do PT. O fenômeno, complexo, é, no entanto, tratado de forma simplista.
O presidente do PT, Rui Falcão, adverte contra uma “conspiração conservadora”, que estaria promovendo “o renascimento da direita”, como se por trás da voz das ruas, que descrê dos partidos e da própria política, estivesse, como proclamou o sábio Sibá Machado, líder do governo na Câmara, “o braço da CIA e do imperialismo”. A realidade é outra: o PT aparelhou a sociedade civil organizada, mas não o Brasil profundo.
Aparelhar 200 milhões e varrer os valores essenciais que moldaram a construção de uma nação de meio milênio, exige, se é que é possível, mais tempo e melhor conteúdo.
Xingar de “fascistas”, “reacionários” e “direitistas” os milhares de manifestantes que ocupam as ruas – e os milhões que se manifestam de casa -, e que rejeitam a imposição de uma agenda avessa a seus costumes, é inútil e ridículo.
O abismo entre os dois brasis é profundo e nenhum partido sequer diagnosticou o problema. A eventual queda do PT não o resolve, mas, ao menos, abre caminho para que uma interlocução se estabeleça. É preciso repensar o país real, em vez de insistir, como os positivistas que há 126 anos proclamaram a república, em conduzi-lo como um rebanho inepto a um projeto de paraíso que só existe na cabeça dos que o conceberam.
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