Morse era efetivamente diferente, e dentre seus trabalhos seminais, posso referir-me não apenas ao seus estudo sobre São Paulo, feito no início dos anos 1950, mas também a um artigo seminal -- que não sei se li em inglês ou numa versão traduzida em alguma revista brasileira -- comparando São Paulo e Manchester, não apenas como cidades, mas como pensamento econômico nas épocas de seus respectivos processos de industrialização.
Li O Espelho de Próspero e tinha essa informação de que não tinha sido publicado em inglês, pois discrepava profundamente da maneira como os brasilianistas e os latino-americanistas americanos em geral interpretavam a América Latina.
Foi um grande brasilianista, sem dúvida alguma, e foi uma pena não termos tido sua colaboração no livro que organizei sobre os brasilianistas: O Brasil dos Brasilianistas (Paz e Terra, 2002), e em sua versão americana Envisaging Brazil (Wisconsin, 2005). Mas tampouco tivemos a colaboração de Kennet Maxwell: eu lhe havia solicitado um ensaio sobre, justamente, as discrepâncias entre as análises dos brasilianistas americanos e a produção própria do "brasilianismo brasileiro", ou seja, como os americanos leram os grandes mestres brasileiros. Kenneth Maxwell, um brasilianista inglês especializado na Inconfidência Mineira, até que começou a fazer o seu trabalho, mas nunca terminou, e fui assim obrigado a deixá-lo fora de nosso volume. Uma pena.
Em todo caso, aproveitem este belo artigo publicado agora por ele.
Paulo Roberto de Almeida
Anápolis, 17/01/2016
Brasilianistas, abençoados sejam!
Morse acreditava que a cultura latino-americana tinha a sua própria importância, para além de mero reflexo da americana
Kenneth Maxwell
O Globo, 15/01/206
Redescobri,
esses dias, um artigo de ocasião de Richard Morse sobre os
“brasilianistas”. Em 1980, fui eleito para a cadeira do Comitê de
Estudos do Brasil da Associação Histórica Americana. Era um mandato de
dois anos. Nós decidimos dedicar a sessão anual a uma discussão sobre as
recentes publicações dos “brasilianistas”. No primeiro ano, convidamos
Fernando Novais, da Universidade de São Paulo, para Nova York. Em 1981,
convidamos Richard Morse para Los Angeles.
Richard
McGee Morse era, à época, professor de História em Stanford. Nascido em
1922, a sua família estava entre os primeiros colonos da Nova
Inglaterra, ali se instalando no início do século XVII. Ele estudou em
Hotchkiss, o colégio mais prestigiado de Connecticut. Depois, como o seu
pai, estudou na Princeton University.
Depois de
prestar serviço militar no Pacífico durante os estágios finais da
Segunda Guerra, doutorou-se na Columbia University. A sua tese era a
história do desenvolvimento urbano de São Paulo, publicada no Brasil em
1970. Ele, então, lecionou na Universidade de Porto Rico, em Yale e
Stanford, até o encerramento de sua carreira como diretor do Programa
Latino-Americano no Wilson Centre em Washington. Ele sempre fora, apesar
do seu criticismo da estreiteza acadêmica, um burocrata muito
habilidoso. No começo dos anos 70, ele dirigiu o escritório da Fundação
Ford, no Rio.
O seu livro mais célebre foi “O
espelho de Próspero — Cultura e ideias na América”, publicado pela Cia.
das Letras, em 1988. Morse sempre acreditou que a cultura
latino-americana tinha a sua própria importância, para além de mero
reflexo da americana. O livro é uma rica exploração histórica das
experiências culturais que formaram a Ibero-América. Antonio Candido
destacou sobre a obra: “rara erudição e intuição construtiva”. Mas nem
todos a receberam bem no Brasil. Simon Schwartzman achou o livro
“profundamente equivocado e potencialmente danoso em suas implicações”.
Os mexicanos foram mais complementares. Enrique Krause, escrevendo em
sua revista literária “Letras livres”, elogiou Morse pela sua afirmação
de que os latino-americanos tinham, de fato, criado uma civilização
original. “O espelho de Próspero” nunca foi publicado na língua nativa
de Morse.
Em 1954, ainda na Columbia University,
Richard Morse se casou com Emerante de Pradines, uma cantora e bailarina
haitiana. Tiveram dois filhos. Um deles, Richard Auguste Morse,
graduou-se em Princeton, como o pai e o avô, mas seguiu os passos da
mãe, tornando-se uma figura proeminente da música haitiana, além de
gerenciar o Hotel Oloffson, em Porto Príncipe, que serviu de inspiração
para o Hotel Trianon da obra “Os comediantes”, de Graham Greene.
Richard
McGee Morse morreu em Pétionville, no Haiti, em 2001. “Ema” continua
viva, aos 97 anos, assim como a influência deste mestre do “eroticismo
de ideias”. Eu ainda me recordo das caras nervosas dos reunidos em Los
Angeles, quando Morse fez as suas observações sobre os brasilianistas:
“Abençoados sejam! O que no mundo ainda há a se fazer?” Morse não
conseguiu resistir à analogia ao “Que fazer?”, de Lênin. Sempre gentil,
mas também implacável, ele os criticava: todos ali sabiam que estavam
sendo insultados, mas ninguém realmente entendia como e por quê.
Kenneth Maxwell é historiador
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