Mas, como eu digo sempre, o Brasil não é, definitivamente, um país normal, e não por anormalidades próprias ao país, mas pelo atraso mental de suas supostas elites.
Segue o texto de 2013.
Paulo Roberto de Almeida
Salários de diplomatas no
exterior: um falso debate
Paulo Roberto de Almeida
10/03/2013
Depois que aqui postei uma
matéria do jornal O Globo sobre os altos salários de diplomatas no exterior,
várias pessoas me pediram comentários sobre o assunto, algumas de maneira
educada, uma, perceptivelmente, com uma espécie de esgar de triunfo: “pronto,
vamos pegar esses desgraçados, que dilapidam a nação com seus salários
nababescos, e sobretudo esse falso moralista [eu] que critica a tudo e a todos,
vamos ver como ele se sai dessa agora”. Claro, não foi assim, e foi em tom bem
mais raivoso, mas que não me cabe transcrever aqui.
Pois bem, existem altos
salários de diplomatas no exterior? Pode ser, ou até parece, numa simples
transcrição de valores em dólares transformados ao câmbio do dia. Esses
salários deveriam ser trazidos abaixo do teto constitucional que é o dos juízes
do Supremo? Vou logo dizer que isso é ridículo, e tecer algumas considerações
sobre o assunto.
Qualquer um que conheça a
estrutura – que não existe, a bem dizer – dos salários do setor público no
Brasil sabe que se trata de um caos indescritível, em cada um dos poderes,
dentro dos poderes, entre eles, nos três níveis da federação, em qualquer
dimensão que se possa examinar. Não existe correspondência entre cargos e
funções, existem diversos meios de escape dos baixos salários (com
reclassificações indevidas), existem cargos de confiança que são na verdade de
apaniguados, em grande medida, e existe, de forma abundante, barroca,
surrealista, milhares de penduricalhos e empulhações, que atendem pelo nome de
“gratificações”, dezenas delas, a maior parte completamente artificiais,
criadas unicamente para aumentar os ganhos sem precisar passar pelo ritual de
aprovação de uma lei específica, penduricalhos que depois são incorporados aos
salários nominais e até às aposentadorias (não só do próprio, como das viúvas,
que em média sobrevivem os próprios por 17 anos). Enfim, não preciso descrever
o horror que é essa situação e não preciso falar do horror que tenho dela.
Um país decente, ou
simplesmente normal, teria uma estrutura linear, progressiva, transparente, de
salários do setor público, atingindo a todos os funcionários públicos, onde
estivessem, o que fizessem, em qualquer poder, em qualquer unidade da federação.
Não conheço o sistema japonês em detalhes, mas parece que se trata de algo
próximo disso, e quem quiser saber como deveria funcionar no Brasil, talvez
devesse olhar o sistema japonês. Mas o Brasil não é, obviamente, um país
normal, e por isso exibe aberrações inacreditáveis, a começar pelo fato de que,
na média, os funcionários públicos ganham cinco ou seis vezes mais do que seus
equivalentes funcionais no setor privado, e não imagino (ao contrário, imagino
sim, mas pelo outro lado) que a produtividade média do funcionário público seja
cinco ou seis vezes superior à de seus colegas, ou equivalentes, do setor
privado.
O problema, portanto,
começa por aí. Para tentar colocar um pouco de ordem nesse caos, ou talvez para
tentar contornar o problema, burocratas espertos trabalhando para políticos
idem resolveram criar o tal de teto constitucional, o que por si já é uma
aberração. Como já disse alguém, a Constituição só não traz o seu amor de volta
em três dias, mas o resto, procurando bem, está lá. Não se trata de um teto,
pois ele é furado por dezenas de expedientes expertos, e outras malandragens
típicas dos brasileiros, que são altamente inovadores na malandragem justamente
(acabam de pegar uma médica do SAMU que tinha seis dedos em silicone de
colegas, para certificar presença no trabalho: devem ter aprendido desses
filmes de espionagem de Hollywood, trazendo os melhores truques da CIA). O teto
é patético e ridículo, inclusive porque não é um teto para os próprios
“tetados”: eles recebem diversas outras mordomias em espécie e em serviços,
ademais de ajutórios de diversas ordens para viver, comer e se vestir,
coitados, que seu salário real supera amplamente o de um juiz da Suprema Corte
dos EUA (atenção: não acho que eles ganham muito não, mas é que os EUA exibem,
na média, uma renda per capita cinco ou seis vezes superior à do Brasil, e que
lá esse é, de fato, o maior salário da função pública).
Pois bem, o que dizer,
então, do uso desse teto furando, em reais, no Brasil, sem computar qualquer
outro penduricalho, com salários (de diplomatas e militares, por exemplo) no
exterior, pagos em dólar por conveniência, mas vivendo em diferentes países,
com custos de vida e paridades cambiais bem diversas entre si. Não sou
economista, mas conheço economia, e sobretudo conheço e conheci a vida em
dezenas de países diferentes, do socialismo surreal ao capitalismo ideal, da
bonança rica à miséria mais miserável, e sei, por exemplo, que os aluguéis mais
altos podem ser encontrados em lugares os mais modestos, e que a loucura
econômica de certos governos pode ser ainda mais alta do que a imperante em
certo país tropical, onde burocratas, magistrados e luminares acham que podem
usar um valor nacional como parâmetro universal de alguma coisa.
Não vou entrar nesse
debate de que o salários dos diplomatas no exterior deve ser regulado pelo teto
constitucional brasileiro porque ele já é ridículo no próprio Brasil e para o
exterior passa a ser simplesmente surrealista. Uma coisa apenas afirmo: o teto
constitucional NÃO PODE ser parâmetro para medir qualquer coisa fora do Brasil,
em qualquer sentido que se pretenda. Encerro esta questão afirmando novamente:
isso é absolutamente ridículo, ponto!
Agora, os diplomatas
ganham muito no exterior? Em relação a que? Assim como não se mediu, no teto
constitucional dos juízes do Supremo os muitos penduricalhos que Suas
Excelências agregam, como medir os salários de outros diplomatas, que podem
estar sendo contemplados, por seus respectivos serviços, com diversas outras
vantagens indiretas (como educação dos filhos, por exemplo, algo que angustia a
maior parte dos secretários servindo no exterior)?
Sou totalmente a favor de
que uma lei absolutamente transparente que regulamente o que ganham TODOS os
funcionários públicos, no Brasil e no exterior. Neste último caso, eu não
chegaria ao ridículo de vincular o salário no exterior a QUALQUER valor do
Brasil, pois isso é economicamente falho e inadequado do ponto de vista
cambial, ou da simples conjuntura econômica, que muda sensivelmente em poucos
meses, trazendo alterações para melhor ou para pior no poder de compra. Existem
mecanismos pelos quais se pode estabelecer uma remuneração fixa, em escala, e
depois diferentes mecanismos de correção, e de adição, segundo o poder de
compra e a situação do trabalhador (com filhos, ou solteiro, por exemplo).
Enfim, não vou entrar nos
detalhes das remunerações pois não sou especialista, nunca me interessei pelo
assunto e jamais vou trabalhar num setor de administração que cuide de matérias
tão chatas quanto essa. Jamais procurei saber quanto iria ganhar em qualquer
função ou cargo que exerci, no Brasil ou no exterior. Isso simplesmente não me
interessa. Ganho o que me pagam, adapto meus gastos ao que ganho, e isso é
tudo, ponto final. Existem diplomatas que ficaram ricos na carreira? Pode ser,
mas não deve ser fácil para um diplomata normal, pois poucas vezes encontrei
colegas construindo mansões e dando festas faraônicas, como por vezes ocorre
com outros funcionários de alguns setores. Em todo caso, nunca encontrei, na
carreira, alguém que tenha entrado com o ânimo de enriquecer. Enfim tudo é
possível, nos assuntos humanos...
Agora, quanto a esse falso
debate que tentam criar no Brasil, em torno do teto constitucional para
diplomatas no exterior, só posso repetir: é ridículo!
Paulo Roberto de Almeida (Hartford, 10/03/2013); Diplomatizzando (http://diplomatizzando.blogspot.com/2013/03/salarios-dos-diplomatas-no-exterior-um.html)
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