Sérgio Eduardo Moreira Lima
Presidente da Fundação Alexandre de Gusmão
Comemora-se este ano o bicentenário do nascimento do diplomata oitocentista Francisco Adolfo de Varnhagen (1816-1878). É notória sua contribuição para a historiografia brasileira, tendo sido considerado por Capistrano de Abreu o maior historiador de sua época. O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e a Academia Brasileira de Letras, duas instituições às quais está associado, têm previstas homenagens com foco no seu papel na História e na Literatura. A FUNAG, como braço acadêmico do Itamaraty, em parceria com o Instituto Rio Branco e com a Universidade de Brasília, marcará a efeméride com a realização de seminário sobre Diplomacia e Pensamento Estratégico na Concepção de Varnhagen e sobre sua participação,durante o Império, no projeto de transferência da capital.
2.O propósito desta iniciativa é estimular a pesquisa e o debate em torno de personagens brasileiros que marcaram sua época, distinguiram-se em suas atividades a ponto de integrar a memória nacional. É importante que se discuta o alcance de sua obra do ponto de vista dos princípios e valores que inspirou e dos interesses maiores da nação a que serviu. Varnhagen teve o mérito de pensar o Brasil de uma perspectiva geopolítica e geoestratégica. Para ele, a ação diplomática deveria orientar-se nessa direção como instrumento na realização de propósitos que levariam ao ideal de grandeza nacional. Sua formação militar e as pesquisas que conduziu a respeito das fronteiras e dos espaços brasileiros ainda em Portugal permitiram-lhe um juízo amadurecido e um conhecimento detalhado de questões cruciais na defesa dos interesses da pátria.
3.Quando visitei recentemente o Memorial Juscelino Kubistchekpude verificar que ali se encontra o barômetro de Varnhagen como a pedir um estudo mais aprofundado sobre aquele instrumento de medição e um maior reconhecimento dos esforços do diplomata na gênese do processo de integração territorial brasileiro. Em sequência ao projeto de José Bonifácio (1823), Varnhagen, então representante do Brasil na Áustria de Francisco I, realizou, em 1877, a primeira expedição ao Planalto Central para a identificação do local para a futura capital. Oficializada pelo Ministério da Agricultura, a aventura, que logrou superar todas as dificuldades da época, visava ao reconhecimento de regiões propícias à participação europeia no esforço de povoamento e desenvolvimento do centro-oeste do País. A viagem foi precursora da Missão Cruls, como era chamada a Comissão Exploradora do Planalto Central do Brasil, formada, em 1892, pelo engenheiro belga Luís Cruls, diretor do Observatório Astronômico do Rio de Janeiro, e outros 21 membros, entre cientistas, técnicos e militares, que seguiu o mesmo roteiro percorrido por Varnhagen.
4.Em 2013, a Fundação Alexandre de Gusmão publicou, em trêsvolumes, a obra Pensamento Diplomático Brasileiro, Formuladores e Agentes da Politica Externa (1750-1964), que reúne ensaios de acadêmicos, historiadores e diplomatas. Dentre os personagens selecionados para figurar no estudo, encontra-se Francisco Adolfo de Varnhagen. Coube ao Presidente do IHGB, Professor Arno Wehling, respeitado historiador e biógrafo do personagem, explicar a contribuição do brasileiro de Sorocaba, filho de pai alemão e mãe portuguesa, ao pensamento da diplomacia brasileira. Trata-se de um dos trabalhos maisreveladores sobre o biografado já elaborados na busca de responder àquestão sobre a contribuição de Varnhagen ao pensamento diplomático brasileiro. A obra, assim como o ensaio citado, pode ser consultada na Biblioteca Digital gratuitamente (www.funag.gov.br).
5.O texto do Professor Wehling é revelador do alcance e da atualidade do pensamento diplomático de Varnhagen. Sua visão estratégica das bacias hidrográficas e dos limites territoriais, relacionada à defesa e precocemente à integração nacional, repercute no próprioconceito orientador da localização da futura capital do País no divisor de águas, ou seja, na confluência dos grandes rios que fluem e aproximam a imensidão do espaço brasileiro. Igual interesse demonstrava no tocante aos povos indígenas, às questões da navegação do rio Amazonas e das fronteiras com potências europeias no norte. Suas concepções e diretrizes contribuíram para a consciência geopolítica da importância desses espaços, mas também para a valorização do direito internacional, na melhor tradição da diplomacia pátria.
6.O Seminário servirá de estímulo à reflexão sobre a atualidade da obra e do pensamento de Francisco Adolfo de Varnhagen. Os temas referidos evoluíram e adquiriram importância econômica, ambiental e de integração regional, cujo impacto se observa também nos planos nacional e global, à luz das preocupações com mudança de clima e compromissos com o desenvolvimento sustentável, sem prejuízo de uma perspectiva geopolítica e estratégica.
Seminário Diplomacia e Pensamento Estratégico na Concepção de Varnhagen
Data: 31 de março de 2016 às 15 horas
Local: Brasília, IRBr
Organizadores: FUNAG, IRBr, UnB, IHGB
Projeto de programa:
15.00 hs - Abertura: Diretor do IRBr, Embaixador Gonçalo Mourão
Professor Jarbas Silva Marques, IHDF
Presidente da FUNAG, Embaixador Sérgio E. Moreira Lima
15.10Pensamento Estratégico e diplomacia na Concepção de Varnhagen
Presidente do IHGB, Professor Arno Wehling
16.00 hs - Varnhagen entre os primeiros historiadores do Brasil e sua
contribuição para a formação da nacionalidade
Embaixador Luiz Felipe de Seixas Corrêa
Intervalo
16.50 hsVarnhagen e a América do Sul
Ministro Luis Claudio Villafañe Gomes Santos
17. 20 hs Geopolítica de Varnhagen e seus discípulos
Ministro Paulo Roberto de Almeida
17.50 hsVarnhagen e o espaço brasileiro(?)
Embaixador Synesio Sampaio Goes Filho
18.20 hsDebate
19.00 hs Encerramento
Biografia de Varnhagen
Nasceu em 17 de fevereiro de 1816, em Sorocaba, São Paulo, filho do engenheiro alemão - o Coronel Frederico Luís Guilherme de Varnhagen e de Dª. Maria Flávia de Sá Magalhães, de nacionalidade portuguesa. Seu pai, um dos pioneiros da fundição de ferro no Brasil, aqui chegou em 1809, contratado para iniciar os trabalhos da fábrica de São João de Ipanema, onde permaneceria até 1821, quando resolveu retornar à Europa e fixar-se com a família em Portugal.
Cursou o Real Colégio Militar da Luz (Lisboa), matriculando-se, em seguida, na Academia da Marinha. Aderiu à causa do ex-Imperador D. Pedro I, na disputa pela coroa portuguesa, engajado no 2º Batalhão de Artilharia. Promovido a oficial, ingressou na Academia de Fortificações, onde concluiu o curso de engenheiro militar em 1834. Estudioso da poesia medieval lusitana, frequentador das rodas literárias lisboetas, aproximou-se de Alexandre Herculano e do Cardeal D. Francisco de São Luís, o que lhe valeu uma recomendação para ter acesso aos arquivos da Torre do Tombo. Lá, ele iniciaria suas atividades na pesquisa documental, encontrando um tesouro praticamente intocado, que soube explorar como ninguém, conforme notou Capistrano de Abreu. Dentre inúmeros achados, descobriu por códice o apógrafo do Roteiro do Brasil, de Gabriel Soares de Sousa, cuja edição crítica lhe serviu de proficiência para ser admitido na Academia Real de Ciências de Lisboa. Em 1840, licenciou-se do exército português e viajou para o Rio de Janeiro, a fim de pleitear a nacionalidade brasileira. Na ocasião, foi eleito sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – o IHGB, que nessa época havia iniciado um programa de investigação, subsidiado pelo governo imperial, enviando estudiosos aos arquivos europeus, a fim de coletar e extrair cópia de documentos e diplomas para a escrita da história pátria. Entretanto, o primeiro pesquisador comissionado, o diplomata Dr. José Maria do Amaral, não pode dar conta das tarefas que lhe foram confiadas. Para substituí-lo, foi indicado o nome de Varnhagen, de reconhecida experiência no manuseio dos papéis da Torre do Tombo, e que desejava ingressar na carreira diplomática.
Designado para levantar documentos relativos aos tratados de limites da América Portuguesa, nos arquivos de Simancas, ele desempenhou com sucesso suas primeiras missões em Portugal e na Espanha. Regressando ao Brasil em 1851, ocupou o cargo de Primeiro Secretário do Instituto Histórico. Diligente, organizou a biblioteca e o rico acervo documental do grêmio. A par disso, conquistou a simpatia do Imperador D. Pedro II, assíduo frequentador daquele reduto letrado, o que lhe possibilitou pleitear postos, condecorações e honrarias, além da proteção de Sua Majestade. Sem negligenciar as atribuições do serviço diplomático, continuou dedicado às pesquisas e publicações. Encarregado de negócios do Brasil na Espanha (1852-1858), estendeu suas investigações aos arquivos de Amsterdam, Paris, Florença e Roma. Data dessa temporada na Europa, o lançamento da sua História geral do Brasil antes da sua separação e independência de Portugal (Madri, 1854-1857). Promovido ao posto de ministro residente, representou a chancelaria imperial em diversos países da América do Sul (1859 e 1867). Durante a permanência no Chile, casou-se e constituiu família com uma jovem da sociedade local. Em 1868, foi nomeado para a legação brasileira em Viena. Realizou, ainda, uma última viagem de estudos ao Brasil em 1877, ocasião em que percorreu o interior das províncias de São Paulo, Goiás e Bahia. Regressando à Viena, veio a falecer em 26 de junho de 1878. Sepultado no Chile, por exigência da esposa, um século mais tarde, os despojos do historiador seriam trasladados para Sorocaba, onde hoje se encontram, atendendo à sua vontade expressa em testamento. Pertenceu ao quadro social de importantes associações científicas internacionais: Academia de Ciências de Munique, Sociedade de Geografia de Paris e Instituto Histórico e Geográfico do Rio da Prata além da já citada Academia Real de Ciências de Lisboa. Membro do Conselho do Imperador, Grande do Império, Comendador da Ordem da Rosa, Cavaleiro da Ordem de Cristo. Agraciado com a Grã-Cruz das Ordens de Santo Estanislau, da Rússia; da Coroa de Ferro, da Áustria; de Isabel, a Católica e de Carlos II, da Espanha. Como reconhecimento aos seus méritos, D. Pedro II concedeu-lhe o título de Barão de Porto Seguro, em 1872. Dois anos mais tarde, elevou-o a Visconde com honras de grandeza.
Deixou uma extensa e variada bibliografia, composta por dezenas de títulos, entre livros, opúsculos, artigos e memórias, abrangendo estudos literários, etnográficos, filológicos e históricos. Sua obra máxima foi, sem dúvida, a História geral do Brasil antes da sua separação e independência de Portugal, trabalho de fôlego, que contrastava com a escassa historiografia nacional da época. Deve-se notar que a contribuição pretendia não apenas reconstituir o passado do país recém-emancipado, dando-lhe unidade e coerência, mas também concorrer para a consolidação das instituições monárquicas. É bem verdade que o livro foi recebido com frieza no Brasil, devido ao tratamento pouco simpático dispensado aos gentios e aos jesuítas, apesar dos elogios que recebeu dos maiores brasilianistas de então, o bibliotecário francês Ferdinand Denis e o naturalista alemão Von Martius. No âmbito do Instituto Histórico, onde prevalecia uma visão romântica das origens da Nação de viés indigenista, o trabalho mereceu réplicas do Cônego Fernandes Pinheiro e de Gonçalves de Magalhães, tendo este último sustentado um áspero debate com Varnhagen, que na arena acadêmica costumava pôr de lado a proverbial cortesia de diplomata, transformando-se num polemista intransigente, incapaz de absorver qualquer apreciação crítica. Dentre suas memoráveis discussões, cabe ainda lembrar o litígio com José Inácio de Abreu e Lima, autor do Compêndio de História do Brasil, a quem chamou de plagiário difamador que se intitula general, a propósito das fontes utilizadas na elaboração daquela obra. Outro que também não escapou da sua pena afiada foi o geógrafo francês M. D´Avezac, que censurou a História geral do Brasil pela ausência de uma descrição prévia do país e de seus primitivos habitantes, tópicos privilegiados pelo inglês Robert Southey, na sua History of Brazil (1811-1819). Revidando o questionamento, Varnhagen desautorizou o trabalho de Southey, reduzindo-o a uma simples Memória para escrever-se a história do Brasil e dos países do Prata. Polêmicas a parte, não se pode negar que o Visconde de Porto Seguro foi o maior historiador de sua época, pela extensão da obra, dos fatos que revelou, das fontes que descobriu, pela publicação de inéditos, enfim, pelo seu enorme esforço e determinação, como bem assinalou Capistrano de Abreu, no necrológio que lhe dedicou.
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