Como antigamente só havia essa diplomacia que recolhia o assentimento de mais de 90% (provavelmente) da comunidade acadêmica, ele talvez não fizesse muito sentido.
Como agora se retorna a uma diplomacia mais profissional do que partidária, talvez o artigo faça sentido, mas cabe registrar que ele é de 2009.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 5 de junho de 2016
Diplomacia
brasileira: consensos e dissensos
Paulo
Roberto de Almeida
Brasília,
7 maio 2009.
A leitura, mesmo superficial, das matérias publicadas
recentemente sobre a diplomacia brasileira revela algo talvez inédito nos anais
da política externa: ela deixou de beneficiar-se do tradicional consenso a que
estava habituada para enfrentar críticas. Com efeito, mesmo nas fases nas quais
a política externa exibiu elementos de ruptura – como a ‘política externa
independente’ de Jânio Quadros e João Goulart (1961-64) ou o ‘pragmatismo
responsável’ de Ernesto Geisel e do chanceler Azeredo da Silveira (1974-79) –,
ela parecia recolher a aprovação da opinião pública, que julgava as inflexões
necessárias ou bem-vindas.
Não parece ser o caso agora, quando setores da opinião
pública – empresários, jornalistas, diplomatas aposentados – manifestam-se
contra a diplomacia, acusando-a de ser partidária, ideológica ou de estar em
descompasso com os interesses nacionais. Em contraste, no seio da esquerda e
entre segmentos da academia ela goza de virtual consenso, o que não ocorre, por
exemplo, com a política econômica, acusada, nesses mesmos meios, de ser
‘neoliberal’. Iniciada sob promessas de mudanças na
forma e no estilo, assim como em sua substância, a diplomacia de Lula – que
guarda conexões com as posições internacionais do PT – é calorosamente
defendida por simpatizantes na academia e na imprensa, assim como vem sendo
atacada, com o mesmo ardor, por analistas de opiniões divergentes.
Apoiadores e críticos da política externa
No grupo dos apoiadores figuram acadêmicos
e jornalistas que sempre foram solidários com o PT,
quando não integram suas fileiras. Existem também aqueles que, sem dar apoio direto, a encaram positivamente, no que ela
representaria de defesa dos interesses nacionais, em face, por exemplo, de pressões
dos Estados Unidos para a integração hemisférica ou em relação a regimes tidos
como progressistas na América Latina. De fato, em nenhum outro campo da ação
do governo – certamente não na política econômica – é possível detectar tal
unidade de propósitos e tal identidade ‘filosófica’ entre, de um lado, o que
sempre postulou o PT, em seus posicionamentos sobre as relações internacionais
do Brasil, e, de outro lado, como se comporta, fala e age o governo Lula em sua
política externa.
O outro grupo abriga os que se
mantêm em postura independente ou que têm assumido uma atitude crítica em
relação a essa política, ademais dos que poderiam ser classificados como
oposicionistas declarados. Alguns analistas do meio acadêmico se opõem à política
externa, não por qualquer predisposição oposicionista, mas por julgá-la em seu
próprio mérito e concluir que ela rompe tradições diplomáticas. Os mais
críticos julgam que a política externa atual não logra alcançar, ao contrário
do que é proclamado, os objetivos pretendidos, sacrificando posições de
princípio e os interesses nacionais.
Os apoiadores benevolentes consideram a política externa
de Lula adequada e necessária ao Brasil, que deveria afirmar-se de forma soberana
nos contextos regional e mundial, possuir um projeto nacional de
desenvolvimento e contribuir para reduzir o arbítrio imperial e o
unilateralismo ainda presentes no cenário internacional. Trata-se de um grupo
expressivo, tendo em vista a conhecida dominação da academia pelo pensamento de
esquerda, pelo menos na área das humanidades.
Os opositores declarados, por sua vez, consideram essa
política uma emanação tardia do terceiro-mundismo dos anos 1960-80, exacerbada
pela adesão equivocada a regimes autoritários e marcada pelo anti-imperialismo
infantil. Eles criticam a retórica terceiro-mundista, contrária à globalização,
que, aliás, seria bem vista na China e na Índia, dois ‘parceiros estratégicos’.
As iniciativas tomadas representariam ilusões de mudança nas ‘relações de
força’ ou da ‘geografia comercial’ do mundo; os fracassos nas negociações
comerciais adviriam do próprio estilo de atuação, classificado por alguns de ‘ativismo inconseqüente’.
Consensos
ilusórios
Na verdade, se os militantes apoiadores da política
externa oficial conservam velhos postulados da esquerda – o nacionalismo
estatizante, o anti-imperialismo, a desconfiança em relação ao capital
estrangeiro, a oposição ao livre-comércio e à globalização, ademais de, para
muitos, ainda, uma continuada adesão ao socialismo –, o núcleo dirigente
prefere inserir o Brasil na globalização, se não no discurso, ao menos na
prática.
O governo investiu em novas posturas, representadas pela
multiplicação de iniciativas em diversas frentes de atuação. As mudanças foram
bem acolhidas nas bases do governo e recolheu apoio dos aliados, ao passo que
os críticos preconizam o abandono da retórica ‘terceiro-mundista’. À medida,
porém, que reveses foram sendo registrados em certas frentes, como nas relações
com os vizinhos, a condescendência com as ‘novas roupas’ da diplomacia foi
dando lugar a críticas acerbas quanto a seus resultados efetivos.
Os elementos inovadores da política externa do governo
Lula não deveriam, talvez, ser buscados no discurso ou na atuação diplomática,
mas sim no próprio fato de que, pela primeira vez na história, o discurso e a
prática nessa área já não mais recolhem um consenso presumido. A rigor, não se
trata de novidade na trajetória da diplomacia brasileira: nos primeiros anos da
independência elevaram-se fortes críticas na Assembléia contra a diplomacia
secreta de Pedro I; da mesma forma, na primeira década da República fizeram-se
protestos contra os diplomatas republicanos, julgados inexperientes e
‘improvisados’.
A diplomacia do segundo Vargas, nos anos 1950, e a já
citada ‘política externa independente’ foram alvos de ataques no Congresso e
nos grandes jornais. O alegado consenso, assim, talvez tenha sido mais ilusório
do que real. Em todo caso, o pior debate é sempre melhor do que o silêncio
obsequioso.
Paulo
Roberto de Almeida é diplomata de carreira, doutor em ciências sociais e autor
do livro O Estudo das Relações
Internacionais do Brasil (2006).
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