Bacha e como abrir o País
Diretor da Casa das Garças, think tank de
economia, reflete sobre dificuldades de abertura comercial no Brasil e
como enfrentá-las. Bacha não descarta medidas para conter a eventual
valorização excessiva do real, combinadas com liberalização.
OESP, Blog Fernando Dantas, 18 Julho 2016
Por que é tão difícil abrir a economia brasileira, se existe
uma opinião tão sólida junto a uma grande e respeitada corrente de
economistas de que este seria um passo positivo, que poderia acelerar o
crescimento e a produtividade? O economista Edmar Bacha, um dos “pais”
do plano Real e sócio-fundador e diretor do think tank Casa das Garças,
no Rio, tem uma nova e provocativa reflexão sobre aquele tema.
Para início de conversa, ele revisa os argumentos tradicionais sobre a dificuldade de “vender” a abertura comercial à sociedade e aos políticos.
O primeiro ponto é que a defesa econômica da abertura é complexa e em alguns aspectos contraintuitiva. Já a ideia de proteger o mercado interno e exportar o excedente seria mais fácil de vender. O tradicional argumento das vantagens comparativas e da especialização produtiva não é algo tão palatável ao ouvinte leigo quanto a ideia de proteger empregos e a indústria nacional. Em termos da política recente e atual, Bacha observa que a retórica de Donald Trump do “America First” e de Dilma Rousseff da defesa do mercado interno contra a crise são exemplos desse primeiro ponto, pelo qual os defensores da abertura se consideram “iniciados”, na contramão dos protecionistas, que seriam os “desinformados”.
Um segundo argumento é que os benefícios da abertura são difusos, enquanto os custos são concentrados e recaem sobre grupos politicamente poderosos. Os “aberturistas”, como ironicamente coloca o economista, consideram-se “defensores do bem comum”, e seus adversários seriam “lobistas”.
Em terceiro lugar vem o fato de que os benefícios da abertura ocorrem mais a longo prazo, enquanto os custos vêm na frente: “aberturistas” são “visionários”, e protecionistas são “míopes”. Em quarto, a defesa da proteção viria de uma leitura histórica simplista e equivocada de que o Brasil estagnou-se no século XIX com economia aberta e exportação de produtos primários, e desenvolveu-se no século XX com fechamento e substituição de importações. Como os defensores da abertura são críticos desta visão caricatural, consideram-se “cosmopolitas” e veem seus opositores como “provincianos”.
Bacha deixa claro que esses quatro pontos têm fundamento, mas se pergunta se não há uma quinta razão, que, de certa forma, ponha em questão o sentimento de superioridade dos defensores da liberalização comercial, refletido nos adjetivos com que classificam a si mesmos e aos protecionistas.
Para o economista, o que falta no argumento dos “aberturistas” é reconhecer que não basta reduzir as tarifas unilateralmente para que uma realocação de recursos eficiente se produza, mantendo o equilíbrio externo e interno. A “inércia alocativa” pode levar a desemprego e desequilíbrio externo, e as exportações podem vir a crescer mais pela retração da demanda do que pelo aumento da competitividade externa. Desta forma, a transição pode ser bem mais lenta e penosa do que se imagina, fazendo com que, em regimes democráticos, muitas vezes nem se consiga chegar ao ponto de iniciar a abertura. Ou, caso se tente, ela acabe sendo interrompida ou revertida.
Assim, Bacha acha que o processo de liberalização comercial não pode ser apenas na base do “chicote”, mas deve também conter “cenouras” para atrair a adesão de grupos sócioeconômicos importantes. Ele propõe uma abertura administrada e não apenas baseada em mecanismos automáticos de mercado, que privilegie a reciprocidade em relação a movimentos unilaterais e que se baseie numa flutuação cambial administrada. Os pilares graduais e simultâneos desta estratégia seriam a redução do custo Brasil, os acordos comerciais e – a mais polêmica – a “troca de tarifas por câmbio”.
Bacha diz que, com a perspectiva de aumento das importações, uma estratégia anunciada de abertura poderia levar à desvalorização do câmbio (aumento de demanda por dólares), mas o problema é que o efeito confiança que um caminho liberal como este poderia trazer é tão forte que o País seria inundado de capitais e o real acabaria se apreciando. Neste caso, ele considera que medidas macroprudenciais e de controle de entrada de fluxos deveriam ser tomadas. “Acho que não deveríamos deixar o efeito manada na conta capital prejudicar o equilíbrio de longo prazo da conta corrente”, conclui o economista. (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 15/7/16, sexta-feira.
Para início de conversa, ele revisa os argumentos tradicionais sobre a dificuldade de “vender” a abertura comercial à sociedade e aos políticos.
O primeiro ponto é que a defesa econômica da abertura é complexa e em alguns aspectos contraintuitiva. Já a ideia de proteger o mercado interno e exportar o excedente seria mais fácil de vender. O tradicional argumento das vantagens comparativas e da especialização produtiva não é algo tão palatável ao ouvinte leigo quanto a ideia de proteger empregos e a indústria nacional. Em termos da política recente e atual, Bacha observa que a retórica de Donald Trump do “America First” e de Dilma Rousseff da defesa do mercado interno contra a crise são exemplos desse primeiro ponto, pelo qual os defensores da abertura se consideram “iniciados”, na contramão dos protecionistas, que seriam os “desinformados”.
Um segundo argumento é que os benefícios da abertura são difusos, enquanto os custos são concentrados e recaem sobre grupos politicamente poderosos. Os “aberturistas”, como ironicamente coloca o economista, consideram-se “defensores do bem comum”, e seus adversários seriam “lobistas”.
Em terceiro lugar vem o fato de que os benefícios da abertura ocorrem mais a longo prazo, enquanto os custos vêm na frente: “aberturistas” são “visionários”, e protecionistas são “míopes”. Em quarto, a defesa da proteção viria de uma leitura histórica simplista e equivocada de que o Brasil estagnou-se no século XIX com economia aberta e exportação de produtos primários, e desenvolveu-se no século XX com fechamento e substituição de importações. Como os defensores da abertura são críticos desta visão caricatural, consideram-se “cosmopolitas” e veem seus opositores como “provincianos”.
Bacha deixa claro que esses quatro pontos têm fundamento, mas se pergunta se não há uma quinta razão, que, de certa forma, ponha em questão o sentimento de superioridade dos defensores da liberalização comercial, refletido nos adjetivos com que classificam a si mesmos e aos protecionistas.
Para o economista, o que falta no argumento dos “aberturistas” é reconhecer que não basta reduzir as tarifas unilateralmente para que uma realocação de recursos eficiente se produza, mantendo o equilíbrio externo e interno. A “inércia alocativa” pode levar a desemprego e desequilíbrio externo, e as exportações podem vir a crescer mais pela retração da demanda do que pelo aumento da competitividade externa. Desta forma, a transição pode ser bem mais lenta e penosa do que se imagina, fazendo com que, em regimes democráticos, muitas vezes nem se consiga chegar ao ponto de iniciar a abertura. Ou, caso se tente, ela acabe sendo interrompida ou revertida.
Assim, Bacha acha que o processo de liberalização comercial não pode ser apenas na base do “chicote”, mas deve também conter “cenouras” para atrair a adesão de grupos sócioeconômicos importantes. Ele propõe uma abertura administrada e não apenas baseada em mecanismos automáticos de mercado, que privilegie a reciprocidade em relação a movimentos unilaterais e que se baseie numa flutuação cambial administrada. Os pilares graduais e simultâneos desta estratégia seriam a redução do custo Brasil, os acordos comerciais e – a mais polêmica – a “troca de tarifas por câmbio”.
Bacha diz que, com a perspectiva de aumento das importações, uma estratégia anunciada de abertura poderia levar à desvalorização do câmbio (aumento de demanda por dólares), mas o problema é que o efeito confiança que um caminho liberal como este poderia trazer é tão forte que o País seria inundado de capitais e o real acabaria se apreciando. Neste caso, ele considera que medidas macroprudenciais e de controle de entrada de fluxos deveriam ser tomadas. “Acho que não deveríamos deixar o efeito manada na conta capital prejudicar o equilíbrio de longo prazo da conta corrente”, conclui o economista. (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 15/7/16, sexta-feira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.