Índice
Apresentação:
O maior historiador diplomático brasileiro
Paulo Roberto de
Almeida, André Heráclio do Rêgo
1. O Barão do Rio Branco e Oliveira Lima: vidas paralelas
itinerários divergentes
2. Oliveira Lima, intérprete das Américas
André Heráclio do Rêgo
3. O
império americano em ascensão, visto por Oliveira Lima
Paulo Roberto de
Almeida
Apêndice:
O Brasil e os Estados Unidos antes e depois de Joaquim Nabuco
Paulo Roberto de
Almeida
Notas aos capítulos
Sobre
os autores
Apresentação
O
maior historiador diplomático brasileiro
Paulo
Roberto de Almeida
André
Heráclio do Rêgo
O Itamaraty, nos anos finais do
século XIX e iniciais do XX, congregava três personalidades cuja atuação se
espraiava desde as lides diplomáticas até a área cultural.
A primeira delas, José Maria da Silva Paranhos Júnior,
o barão do Rio Branco, era, ademais do negociador e do chanceler que marcou
época, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da
Academia Brasileira de Letras. O segundo, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de
Araújo, além de haver sido o paladino do pan-americanismo e nosso primeiro
embaixador em Washington, já na idade madura, após uma juventude em que deixou
sua marca na História do Brasil, ao dedicar-se à causa abolicionista, era
também historiador e memorialista, considerado por Gilberto Freyre como um dos
maiores estilistas da língua portuguesa.
Essas duas primeiras
personalidades foram consagradas ainda em vida. Nabuco, desde a campanha
abolicionista; Rio Branco, desde as questões de limites. Multidões acorreram
aos respectivos enterros, o de Joaquim Nabuco no Recife, em 1910, o de Rio
Branco no Rio de Janeiro, ao início de 1912, ocasião na qual inclusive o
carnaval teve que ser adiado.
A terceira personalidade não
teve consagração em vida, e ainda hoje não alcançou completamente nem a
póstuma. Trata-se de Manuel de Oliveira Lima. Pernambucano como Nabuco,
Oliveira Lima era bem mais jovem do que os outros dois. Além da diferença generacional,
também não compartilhava com eles a formação nos cursos jurídicos de Olinda e
de São Paulo. Ao contrário, graduou-se em Lisboa, no curso superior de Letras,
tendo uma formação ‘profissional’ nas áreas de História e Literatura. Terá
sido, pois, na sua época, o único grande historiador brasileiro que não foi
autodidata. Também ao contrário de Nabuco e Rio Branco, foi republicano na
juventude e na idade madura flertou com a monarquia.
Entrou no Itamaraty no
princípio da última década do século XIX, numa época em que a situação política
de Rio Branco e Nabuco não era das melhores. Paralelamente à carreira
diplomática, logo se iniciou na escrita da História, tendo publicado ainda
nesta década dois livros, que possibilitaram sua entrada na Academia Brasileira
de Letras entre os 40 primeiros integrantes, ou seja, como membro fundador,
glória que, se não pode ser comparada à de Nabuco, que além de fundador foi o
idealizador da instituição, ao lado de Machado de Assis, foi bem superior à de
Rio Branco, que teve de esperar a abertura de uma vaga para entrar no grêmio.
Oliveira Lima poderia ter sido
um êmulo do barão do Rio Branco, nosso grande chanceler e modelo da diplomacia
até hoje, se tivesse mais ‘diplomático’. Sua caracterização como ‘diplomata
dissidente’ é adequada; em alguns casos terá sido também um “rebelde com
causa”, que foi a de sua luta pelo desenvolvimento social, político e econômico
e do Brasil, para ele espelhando, mas apenas parcialmente, os magníficos
progressos da nação americana, em cuja capital ele trabalhou como jovem
diplomata, mas já totalmente consciente das grandes diferenças que separavam o
mundo anglo-saxão do errático universo ibero-americano que ele soube analisar
tão bem numa fase já madura de sua vida.
Não sendo muito diplomático e
não aceitando ficar à sombra do poderoso barão, voltou-se cada vez mais para os
estudos históricos, contando para tanto com a ajuda do próprio chefe desafeto,
que lhe propiciava longos períodos de inatividade diplomática. Graças a esses
longos períodos em disponibilidade e às longas licenças que tirava – o que
certamente não agradava à chefia superior, que paradoxalmente o punia com
longos períodos em disponibilidade, teve tempo para pesquisar e escrever,
erguendo uma obra historiográfica mais sistemática e consistente que as de Rio
Branco e Nabuco. Nela, foi muitas vezes pioneiro e precursor: da história da
vida privada, por exemplo, ao indicar a utilização de romances como fonte
historiográfica; da utilização das obras de viajantes estrangeiros sobre o
Brasil. Sua obra antecipou, de certa forma, os escritos de Gilberto Freyre,
Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro e José Honório
Rodrigues, entre outros. Se passarmos para o campo da patriotada, poderíamos
dizer até que ele foi precursor de Norbert Elias e de Lucien Febvre,
respectivamente nos conceitos de processo civilizatório e de instrumentos
mentais, e até mesmo de Georges Duby, no que se refere à caracterização
tripartite da sociedade. Além disso, Oliveira Lima foi pioneiro em estudos
comparatistas, e era o historiador brasileiro que mais sabia da história de
Portugal, dispondo para tanto de uma capacidade de síntese sem igual.
Ele, como Nabuco e Rio Branco,
foi único e incontornável, mas a História lhe foi ingrata, algumas vezes por
culpa sua, por ser corajosamente sincero, ao ponto de ser incômodo. Após um
começo brilhante, sua vida profissional e intelectual passou a se caracterizar
por um ressaibo amargo de incompletude e de frustração, no que se poderia
considerar uma trajetória interrompida. Ao contrário de Rio Branco e de Nabuco,
ao seu enterro não compareceram multidões, apenas a esposa, que compartilhava
com ele o ‘exílio’ em Washington, e mais uns poucos.
Aos 150 anos de seu
nascimento, no Recife, em dezembro de 1867, vale examinar alguns dos seus
muitos escritos com o objetivo de constatar que ele foi, efetivamente um dos
grandes, senão o maior dos historiadores diplomáticos brasileiros, pesquisador
incansável dos arquivos, leitor das crônicas dos contemporâneos, colecionador
de manuscritos, de livros e de obras de arte, leitor da literatura de cada
época, dos jornais do momento e dos grandes historiadores do passado. Sua obra
completa excede as possibilidades de um único estudioso e, talvez por isso,
temos de nos contentar com uma Obra
Seleta, e com vários outros trabalhos, reeditados de forma dispersa e
errática, ao sabor do interesse de editores, de admiradores e de alguns poucos
acadêmicos devotados ao estudo de uma imensa série de livros, resenhas, notas e
artigos de revista e de jornais, que pode facilmente encher mais de uma estante
de livros.
Sua biblioteca, depositada na
Universidade Católica de Washington, oferece um testemunho de seu voraz
interesse por toda a história das civilizações ocidentais desde os descobrimentos,
com um grande foco no hemisfério americano, daí o título desta coletânea por
dois estudiosos e admiradores de sua obra, que é especialmente relevante no
plano pessoal, não apenas pela mesma condição profissional, a de diplomatas de
carreira, mas igualmente pelo que ela oferece como interpretação significativa,
e ainda válida, a despeito da passagem de um século, sobre o desenvolvimento
comparado dos povos das Américas. Oliveira Lima não foi apenas historiador, mas
também sociólogo, cientista político, fino psicólogo dos personagens estudados
– como D. João VI, por exemplo – e também uma espécie de antropólogo cultural,
como tal inspirador de uma outra rica obra construída pelo conterrâneo Gilberto
Freyre, que com ele conviveu em sua fase iniciante e já na fase madura e
derradeira do grande historiador pernambucano.
Os trabalhos aqui coletados
não podem representar a justa homenagem que lhe é devida no 150o
aniversário de seu nascimento, mas eles representam, ainda assim, um testemunho
de apreço, nos planos sociológico e historiográfico, pelo valor intelectual da
produção ímpar do historiador e diplomata Oliveira Lima. Não temos nenhuma
dúvida de que nos próximos 150 anos essa obra continuará a ser lida e a servir
de inspiração a novos historiadores e sociólogos das civilizações do hemisfério
americano.
Brasília, novembro de 2017
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