Rui Barbosa, diplomata
Carlos Henrique Cardim
A Raiz das Coisas: Rui Barbosa, o Brasil no Mundo
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, 350 p.
O patrono incontestável da diplomacia brasileira é o “sacrossanto” Barão do Rio Branco, que deve figurar num pedestal do Itamaraty, à direita de Deus Pai, sem qualquer concorrente à sua esquerda (e nenhum iconoclasta se apresentou até hoje). No entanto, o famoso Juca Paranhos atingiu a categoria de mito, mais por ter protagonizado algumas bem sucedidas negociações de fronteiras, numa fase de consolidação dos limites geográficos da pátria, do que por ter formulado, propriamente, as bases conceituais da moderna diplomacia brasileira. Por certo, ele sempre é referido quando se trata da escolha sábia de procurar manter boas relações com o gigante hemisférico, ao mesmo tempo em que se buscava cultivar, numa boa barganha de equilibrista, nossa interação com a Europa, de maneira a preservar o rico patrimônio histórico trazido pelos novos imigrantes da fase pós-escravidão. Isso tudo, alertava o Barão, sem alienar nosso capital de altos e baixos com a Argentina, que ele pretendia o mais alto possível, desde que garantida a “relação especial” com os EUA da era Teddy Roosevelt, o tal que recomendava falar macio, mas carregar um grande porrete para convencer os mais recalcitrantes. Rio Branco nunca o desaprovou, pelo menos explicitamente.
Poucos se dão conta de que Rui Barbosa, o primeiro ministro da Fazenda da República, deveria ser considerado o “pai intelectual” da moderna diplomacia brasileira: ele deixou um legado de posições, hoje devidamente constitucionalizadas nos primeiros artigos da Carta de 1988. Rui nunca foi um diplomata profissional, mas se o fosse, poderia ser facilmente acomodado, com sua figura esguia e franzina, à esquerda de Deus itamaratiano, como um legítimo complemento ao redondo Barão. Esta monografia do Embaixador Cardim comprova que Rui foi muito maior do que o registrado na literatura da nossa política externa, mesmo sem ter deixado alguma grande obra centrada nessa problemática das relações internacionais. Aliás, parece incrível, mas Rui não deixou nenhum livro publicado, sobre qualquer tema, a despeito de suas “obras completas” – na verdade, coletâneas de artigos e textos diversos – perfazerem 160 volumes, cuidadosamente compilados pela Fundação que leva no seu nome no Rio de Janeiro. Foi lá que Cardim mergulhou para escrever a mais completa obra sobre o “diplomata” Rui Barbosa, um orador exímio.
Sua obra de ativo “internacionalista” está dispersa em centenas de artigos, pareceres, discursos, orações e preleções jurídicas, tendo sido jurisconsulto, consultor e advogado das boas causas: defendeu, por exemplo, o direito da primeira mulher que passou no concurso do velho MRE a ingressar na carreira diplomática, numa fase de misoginia explícita contra as poucas e corajosas candidatas. Sua mais importante ação diplomática está contida em telegramas, na condição de chefe da delegação à segunda conferência internacional sobre a paz mundial, realizada na Haia em 1907. Ele fez uma “dobradinha” de alta qualidade com o Barão, que trocava freqüentes impressões com ele, em telegramas cifrados, sobre os rumos dessa conferência e as posições que o Brasil deveria mais convenientemente adotar, em face do verdadeiro monopólio que as grandes potências exerciam sobre a agenda internacional. Cardim selecionou os expedientes e organizou um dossiê abrangente sobre a atividade e o pensamento de Rui em temas internacionais, numa obra que já nasce clássica, se a distinção se aplica.
Sua importância não parece ter sido reconhecida na diplomacia brasileira até recentemente, quando uma sala, com o seu nome, foi inaugurada no novo palácio dos Arcos em Brasília, bem mais conhecido como Itamaraty. Curioso que, a despeito da preeminência do Barão nos anais da Casa, nenhuma de duas pesquisas recentes sobre as grandes personalidades da história brasileira colocou Juca Paranhos entre os cinco primeiros. Em ambas, figura Rui; numa delas em primeiro lugar, um justo reconhecimento pelo seu mérito de verdadeiro modernizador do Brasil, desde cedo um opositor da tutela militar que insistiu em preservar o poder moderador durante a maior parte da República. Cardim nos traz aqui não exatamente o tribuno civilista e defensor da legalidade democrática, mas o defensor da igualdade soberana das nações, que ocupa lugar de destaque na moderna diplomacia brasileira. Poucos são os textos conhecidos dessa vertente diplomática do famoso jurista baiano, que aqui aparecem pela primeira vez resumidos e interpretados por um diplomata bibliófilo, que também é um acadêmico exemplar e um dos grandes editores de livros acadêmicos já conhecidos na história editorial brasileira.
O livro ainda traz belas imagens de época – fotos e uma saborosa iconografia com charges dos mais famosos humoristas brasileiros de um século atrás – e anuncia, além de tudo, novos volumes sobre Rui Barbosa, internacionalista brasileiro, que a Fundação que leva o seu nome publicará. Mas este, já é um livro de coleção...
Paulo Roberto de Almeida
[Buenos Aires, 6 de janeiro de 2008; revisão: 9.01.2008]
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