Link: https://www.academia.edu/33186849/QUINZE_ANOS_DE_POLITICA_EXTERNA_ENSAIOS_SOBRE_A_DIPLOMACIA_BRASILEIRA_2002-2017
A melhor diplomacia não se sustenta sem uma boa governança doméstica.
Seria a diplomacia brasileira um ponto fora da curva?
Paulo Roberto de Almeida
Sumário:
Índice
Apresentação: Das vantagens de ser um diplomata acidental, 11
1. As relações internacionais nas eleições presidenciais de 1994 a 2002(2002), 15
2. A política internacional do Partido dos Trabalhadores (2003) , 51
3. Uma política externa engajada: a diplomacia do governo Lula (2004), 77
4. Políticas de integração regional no governo Lula (2005) , 97
5. A diplomacia do governo Lula: balanço e perspectivas (2006) , 129
6. A diplomacia do governo Lula em seu primeiro mandato, 2003-2006 (2007) , 145
7.Bases conceituais de uma política externa nacional (2008), 161
8.Sucessos e fracassos da diplomacia brasileira: uma visão histórica (2009), 183
9.Pensamento e ação da diplomacia de Lula: uma visão crítica (2010) , 187
11.Processos decisórios no âmbito da política externa (2012), 233
12.As relações Sul-Sul: um novo determinismo geográfico? (2012-2013) , 251
13. A política externa companheira e a diplomacia partidária(2014) , 267
14.Contra as parcerias estratégicas: um relatório de minoria(2015) , 277
15.O renascimento da política externa (2016) , 295
16.A política externa e a diplomacia brasileira no século XXI (2017), 309
Apêndices
17. Relações internacionais do Brasil: perspectiva histórica (2001), 325
18. Diplomatas que pensam: qual é a nossa função? (2017) , 339
19. Relação cronológica seletiva de ensaios diplomáticos, 2002-2017, 345
20. Livros de Paulo Roberto de Almeida , 361
21. Nota sobre o autor , 365
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Das vantagens de ser um diplomata acidental
Este livro de ensaios foi montado de maneira improvisada, e pode sofrer de alguma repetição, sobretudo nos trabalhos voltados para a análise dessa coisa que eu chamei de lulopetismo diplomático. Mas ele reflete, com certa acuidade, minha produção intelectual sobre a diplomacia brasileira ao longo desta primeira década e meia do século XXI. Tentando terminar rapidamente esta assemblagem de alguns dos muitos artigos que elaborei, desde 2002, não contei com o tempo adequado para escrever uma apresentação formal. Consoante, entretanto, meu forte espírito contrarianista, permito-me revelar aqui – o que não é exatamente uma confissão – que sou uma espécie de contestador das verdades reveladas, aquilo que os franceses chamam de idées reçues, ou seja, o pensamento banal, aceito como correto nos mais diferentes meios em que essas ideias se aplicam, mas geralmente de forma equivocada ou, talvez, ingênua.
E por que digo isto, ao iniciar a apresentação de um livro de “ideias já recebidas”, ou pelo menos de ensaios já publicados? É porque eu já fui chamado, certa vez, de accident prone diplomat, ou seja, alguém que busca confusão, o barulho, no meu caso, de fato, mais a expressão de um ceticismo sadio do que uma simples provocação ou a contestação gratuita. Com efeito, eu não me deixo convencer com certas idées reçuesnos meios que frequento, e estou sempre à busca de seus fundamentos, justificações, provas empíricas, testemunhos de sua adequação e funcionamento no ambiente em que deveriam operar, em condições normais de pressão e temperatura, enfim, o entendimento convencional de como é ou de como deve funcionar a diplomacia, em especial, a nossa, esta tida por excelente e que, aparentemente, não improvisa. Talvez devesse fazê-lo, em certas ocasiões...
Na verdade, antes de ser um accident prone diplomat, se isto é correto (o que duvido), creio ser um diplomata acidental, alguém que se dava bem na academia, e que resolveu, num estalo, ser diplomata. Posso até recomendar esta profissão, aos que gostam de inteligência, de cultura, de viagens, de debates sobre como consertar este nosso mundo tão sofrido, aos que são nômades por natureza (como é o meu caso e, mais ainda, o de Carmen Lícia), menos talvez aos que pouco apreciam um ambiente meio estilo Vaticano, meio espírito Forças Armadas. Com efeito, hierarquia e disciplina são os dois princípios que estão sempre sendo lembrados aos jovens diplomatas como sendo a base de funcionamento desta Casa aparentemente tão austera, tão correta, tão eficiente no tratamento das mais diversas questões da nossa diplomacia. Confesso, também, que nunca fui um adepto zeloso desse rigorismo no trato de pessoas segundo convenções estabelecidas.
Atenção, acima eu disse diplomacia, que é uma técnica, e não política externa, que pode ser qualquer uma que seja posta em marcha pelas forças políticas temporariamente dominantes no espectro eleitoral do país. Política externa pertence a um governo, a um partido; a diplomacia pertence a um Estado, que possui instituições permanentes, entre elas essa que aplica a política externa de um governo por meio da diplomacia. E por que então o conceito de “acidental” que inaugura esta apresentação? Não preciso responder agora, e provavelmente nem depois, mas a resposta talvez esteja em cada um dos ensaios reunidos nesta coletânea de artigos escritos desde o início do milênio. Ninguém, por exemplo, há de recusar o fato de que, desde 2003 pelo menos, o Brasil vive tempos não convencionais, nos quais assistimos coisas nunca antes vistas na diplomacia, que por acaso é o título de meu livro mais recente: Nunca antes na diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais(Curitiba: Appris, 2014). Aliás, nossos tempos são decididamente não convencionais menos pela diplomacia do que por uma série de práticas exacerbadas naquele terreno que pertence ao domínio da moral.
Pois bem, reunindo tudo o que eu escrevi nos parágrafos anteriores – diplomata acidental, hierarquia, disciplina, ideias de senso comum, etc. – e juntando tais conceitos aos ensaios aqui compilados, os leitores terão uma explicação para o sentido geral de minha obra, anárquica, dispersa, contestadora, por vezes contrarianista, mas explorando o lado menos convencional da diplomacia, aquele que destrincha certas verdades reveladas e ousa apresentar outras ideias que não necessariamente fazem parte do discurso oficial. Esta talvez também seja a razão de eu apreciar, muitíssimo, uma seção da revista Foreign Policy, desde a sua reorganização por Moisés Naím, que se chama “Think Again”, ou seja, reconsidere, ou pense duas vezes, pois a resposta, ou a explicação pode não estar do lado que você costuma encontrar, mas que talvez esteja escondida em alguma dobra da realidade, por uma dessas surpresas do raciocínio lógico, por alguma astúcia da razão ou por algum outro motivo que se encontra enterrado, e quase esquecido, na história.
A vantagem de ser um diplomata acidental está justamente no fato de poder perseguir (nem sempre impunemente) o outro lado das coisas, e de poder contestar algumas dessas idées reçues que passam por certezas consagradas, ou pela única postura possível no funcionamento convencional da grande burocracia vaticana, que também leva jeito de quartel (mas acordando um pouco mais tarde). Durante todos estes anos em que venho escrevendo sobre política externa, tenho podido exercer meu lado irreverente e pouco convencional para tratar de aspectos muito pouco convencionais de nossa diplomacia nestes anos do nunca antes (agora, felizmente, terminados).
Atenção: muitos dos ensaios aqui coletados não brotaram, originalmente, de trabalhos de pesquisa, ou daquilo que se chama, usualmente, de scholarly work, isto é, o produto derivado de estudos meticulosos, ou objeto de revisão cega por pares, material que está mais propriamente coletado em meus livros publicados. Eles são, eu diria, peças de simples divertimento intelectual, ainda que vários deles contenham aparato referencial (notas de rodapé, bibliografia, citações doutas, etc.) e também sejam o reflexo de muitas leituras sérias e anotadas ao longo de meus anos de estudo e trabalho. Mas, destinados a veículos mais leves, e não a revistas científicas, eles constituem reflexões de um momento, de um problema, de uma conjuntura, de algum evento que valia a pena registrar em um artigo mais curto.
Vários ensaios foram publicados em veículos como Mundorama, ou Meridiano 47, ambos dirigidos por meu amigo Antonio Carlos Lessa, do IRel-UnB. Mas o que vai aqui compilado foi retirado de meus próprios arquivos, em processador usual de texto, para contornar os problemas de formatação de texto em suporte digital, mas corresponde, em princípio, aos originais, embora não necessariamente ao que foi publicado. Nem tudo o que publiquei vai aqui reproduzido, em ordem cronológica sequencial. Ficaram de fora diversos artigos circunstanciais, todas as resenhas de livros – já coletadas em outras publicações digitais que organizei – e alguns textos de menor importância. Coloquei uma listagem seletiva dos ensaios mais importantes num apêndice, ao final do volume, onde também figuram os respectivos links para revisão eventual das publicações. Essa lista representa uma pequena parte de uma produção mais ampla, que se dedica também às relações econômicas internacionais do Brasil, à globalização, a temas regionais (como a integração, e dentro desta ao Mercosul), questões diversas da política internacional e da economia mundial.
O lado divertido de ser um diplomata acidental está justamente na possibilidade de se poder escrever livremente sobre assuntos sérios e menos sérios, com a liberdade editorial que só existe nos veículos leves, sem precisar cumprir todo o ritual passavelmente aborrecido dos requisitos acadêmicos ligados às revistas “sérias” – como a RBPI, por exemplo, com a qual também colaboro, de diversas maneiras – e sem precisar atentar para a langue de bois normalmente associada às publicações oficiais, onde aquele lado Vaticano inevitavelmente predomina. Foi nestes ensaios que eu explorei o lado meio escondido de certas verdades reveladas do meio profissional, uma atividade que sempre me deu imenso prazer por combinar com meu jeito contrarianista de ser.
Dito isto, preciso voltar minhas energias para coisas mais sérias, como por exemplo o segundo volume de minha história das relações econômicas internacionais do Brasil, que me espera desde vários anos a partir da conclusão do primeiro volume (Formação da Diplomacia Econômica no Brasil: as relações econômicas internacionais no Império; 2001, 2005, 2017). Em todo caso, sempre que posso estou me divertindo com este tipo de exercício intelectual, aqui representado por uma dezena e meia de textos supostamente “diplomáticos”, vários publicados apenas em revistas digitais, alguns outros em publicações mais sérias, inclusive em meus próprios veículos de divulgação. Tenho como regra coletar no blog Diplomatizzando(que me serviu de “quilombo de resistência intelectual” nos anos patéticos do lulopetismo), tudo o que encontro de inteligente circulando pelo mundo, o que também compreende vários dos textos aqui reproduzidos. Espero que eles sirvam a um debate igualmente inteligente.
Vale!
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 25 de maio de 2017
(...)
18. Diplomatas que pensam: qual é a nossa função?
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 11 fevereiro 2017, 3 p
blog Diplomatizzando(link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/02/diplomatas-que-pensam-qual-e-nossa.html)
A pergunta da segunda parte do título, depois dos dois pontos, está obviamente relacionada à primeira parte: diplomatas que pensam. Como isso? Existem diplomatas que não pensam? Todo ser humano pensa, por definição cartesiana. Minha categoria dos “que pensam” tem, no entanto, sua razão de ser: como em toda carreira, profissão, ocupação, trabalho ou emprego, existem aqueles que desempenham mecanicamente suas funções, por necessidades, digamos assim, alimentares e de sobrevivência, que levam a vida como ela é, acompanhando pachorrentamente o ritmo das atividades gerais de sua comunidade de inserção, e existem aqueles que, ademais de se desincumbirem das tarefas às quais estão assignados (para ganharem um salário, para sustentarem a família, para satisfação e consumo próprios), também pensam um pouco além de sua profissão ou ocupação imediata. Eles pensam no significado de suas atividades, para si mesmos e para os outros, e concebem novas formas de desempenharem essas mesmas atividades, ou de introduzir novos métodos de trabalho que representam, de modo geral, um progresso (material ou intelectual) sobre o estado da arte existente.
Pois bem, este meu texto está voltado unicamente para esta segunda categoria, que se enquadra no conceito geral de “produtividade do trabalho humano”, na qual eu mesmo espero estar enquadrado. Produtividade, sendo muito rudimentar, é tudo aquilo que melhora, ou aumenta, a oferta da produção existente, com os mesmos recursos ou volume de insumos disponíveis, ou que produz a mesma quantidade de produtos com um volume menor de trabalho mecânico. A isso se dá também o nome de inteligência.
As funções dos diplomatas todo mundo sabe quais são. Grosseiramente, são três, resumidas em três verbos: informar, representar, negociar. Mas tudo isso pode ser feito de maneira mecânica: lendo os jornais do dia, se informando pelos canais disponíveis, e resumindo tudo isso para os chefes ou para a instituição, em bases correntes, ou seja, conjunturais; fazendo o trabalho de intermediação entre duas chancelarias, pelos meios burocráticos normais, os mais costumeiros e frequentes, ou outros informais (coquetéis, jantares, encontros); e comparecendo a reuniões formais, ali defendendo as instruções recebidas de sua secretaria de Estado. Estes são os diplomatas normais; os “anormais” (ou diferentes) são aqueles que, além disso, vão um pouco à frente, ao lado, ou mais adiante do que normalmente se espera deles: saem do conjuntural para o sistêmico, e buscam os fundamentos de suas ações; não informam apenas o que está se passando, mas se permitem explorar novas vias de conhecimento, inclusive em direção do passado, das memórias de tempos pretéritos, ou em novos caminhos ainda ignotos da maior parte dos colegas; sugerem, ou até criam, novas instruções, para resolver alguns problemas mais complexos do que o trivial costumeiro. Inovar tem o seu preço, que é o de romper hábitos arraigados e a segurança do déjà vu, a que estão acostumados a maioria das pessoas, talvez 99% da humanidade (exagero?).
Pois bem, uma segunda vez: meu texto está unicamente voltado para esta categoria de diplomatas, que pode ser (e costuma ser) uma minoria, e portanto sujeita à chamada “tirania da maioria”, de que falava Tocqueville (em outro sentido). Não importa muito: isso vale não só para os diplomatas, mas para todo mundo. Progressos da comunidade humana são impulsionados por aqueles que passam as noites nos laboratórios, lendo livros, imaginando coisas fora do comum, refletindo sobre como desempenhar suas atividades correntes de outra forma, mais cômoda, mais produtiva, mais imaginativa, fácil ou agradável; ou para responder a desafios terríveis: epidemias, catástrofes, trabalho penoso, carência de bens ou serviços para necessidades especiais, o que seja. Na vida diplomática, significa fazer com que seu país se adapte à dinâmica absolutamente impessoal, incontrolável, anárquica, com efeitos positivos e negativos ao mesmo tempo, decorrente do fluxo contínuo de interações humanas, sociais, “naturais”.
Vou ser mais claro: globalização não é de hoje, sempre existiu, sob diferentes formas. Ela geralmente se processa no plano micro: micro-social, microeconômico, micro-político, ou seja, no das relações humanas, em pequenas ou grandes sociedades. Ninguém controla esse conjunto de fluxos, que se processam espontaneamente, ou de modo deliberado, mas que respondem a necessidades naturais, a desejos humanos, à vontade das pessoas de terem segurança, bem-estar, riqueza, importância ou prestígio. São os governos os que tentam colocar em “ordem” essas interações e, ao fazê-lo, geralmente colocam um freio, ou impõem custos, a essas interações: por meio de impostos, tarifas, regulações, que dizem (ou pelo menos tentam dizer) o que os indivíduos ou as empresas podem, ou não, fazer. Governos, estados, são inerentemente antiglobalizadores, restritivos, cerceadores das liberdades humanas. Mas, num mundo babélico, entregue a nacionalismos estéreis, redutores, e até destruidores, se entende que elites dirigentes, governantes ou dominantes tentem colocar ordem em certos fluxos ou interações que podem se revelar temporariamente perturbadores da ordem existente.
Pois bem, uma terceira vez: o que os diplomatas que pensam têm a ver com tudo isso? Venho agora à segunda parte do título. Qual seria a nossa missão (já que estou me colocando entre os diplomatas que pensam)? Penso (ah, Descartes) que elas são de duas naturezas: uma didática, a outra facilitadora das interações humanas, sociais, ou seja, da globalização (que para mim é algo como a força dos ventos ou os fluxos das marés: eles existem, independentemente da nossa vontade, ou do cerceamento dos governos).
A didática é a de explicar para nossos concidadãos (mas não só eles) a natureza exata de nossa atividade, numa esfera que foge à compreensão e ao alcance da maioria das pessoas (que costuma viver em seu ambiente natural, local ou nacional). Mas ela é também dirigida aos nossos dirigentes, às elites que nos governam, que não são, longe disso, as mais esclarecidas possíveis. Políticos, em geral, são seres que vivem num mundo à parte, feito da reprodução de sua própria esfera de atividade: se eleger, se reeleger, e assim continuamente, constituindo uma classe em si e para si, no sentido hegeliano do conceito. Eles não têm tempo, disposição ou interesse para se informar sobre realidades mais complexas, e todas as realidades internacionais são sempre mais complexas do que as locais ou nacionais, nas quais vivem as pessoas, usualmente.
O diplomata que pensa precisa desfazer preconceitos (ideias pré-concebidas, geralmente erradas, ou limitadas), insuficiência de conhecimento, desconhecimento de línguas, falta de expertise no tratamento de realidades externas que povoam as mentes dos políticos que nos governam. Sua primeira tarefa é a de instruir, educar, o chefe da chancelaria, que pode não ser (geralmente não é) um ser semelhante, ou seja, um diplomata já instruído, formado, treinado para justamente tratar de questões que estão acima, ou ao lado, das preocupações imediatas dos dirigentes (que é o seu eleitorado, digamos assim). Essa é uma função importante: não se dobrar, de modo submisso, à ignorância, preconceitos e interesses imediatos dos políticos que podem pretender dominar também a esfera das relações exteriores da nação.
Junto com isso vem a função didática mais ampla, mais geral, que é (ou seria) a de explicar à sociedade, inclusive à comunidade dos acadêmicos, não só a natureza das ações do Estado a que servem, mas de justificar a tomada de certas posições e não de outras, que podem eventualmente desfrutar de maior apelo popular. Por exemplo: todo economista sensato, racional, deveria ser a favor do livre comércio, pois é a única forma eficiente de trazer mais prosperidade para o conjunto da humanidade, qualquer que seja ela, da tribo mais primitiva às sociedades mais avançadas. Que alguns economistas não o sejam, não importa, pois estes não são racionais, ou eles não conseguem explicar, com evidências empíricas, como o livre comércio seria prejudicial à sua própria sociedade. Pois bem (uma quarta vez), todo político sensato diz que é favor do livre comércio, mas de fato persegue formas diversas de protecionismo, por simples razão de sobrevivência no voto dos seus “constituintes”, aqueles que podem perder o emprego pela competição da produção estrangeira. A concorrência, em qualquer plano no qual ela se dê, é sempre uma ameaça aos espíritos acomodados, aos hábitos arraigados, aos conservadores.
Sendo perfeitamente (em duplo sentido) didáticos, em nossa primeira função, poderemos viabilizar igualmente a segunda função, que seria a de facilitar, estimular as interações humanas e sociais, contribuir para a prosperidade do seu próprio povo e a de todos os demais. Todo os diplomatas – ou os que pensam – estão de acordo com minha definição de funções, que me parece ser também uma obrigação dos que pensam? Pois bem: o que estamos esperando para fazer aquilo que é a obrigação dos que pensam: ensinar e facilitar ações de maior volume possível de interações sociais, internacionais?
Digo isto, porque tenho encontrado mais burocracia do que didatismo entre os diplomatas, e pouco sentido de missão (acima do trivial costumeiro) no trabalho que desempenhamos. Tenho encontrado mais submissão do que inovação, mais repetição mecânica do déjà vudo que propostas em ruptura com o costumeiro, mais conformismo do que rebeldia (que é a base de todo progresso humano e social). Por falta de didatismo (que significa primeiro aprender por si mesmo, antes de ensinar aos outros) temos talvez incorrido em equívocos fundamentais, que perpetuam o atraso relativo do país, nossa fraca inserção internacional (que considero um erro extremamente grave, prejudicial ao nosso futuro), e que podem até ter feito o país retroceder no conjunto de comunidades humanas que se arrastam (por vezes penosamente) em direção a mais prosperidade e bem-estar, a despeito de todos os entraves colocados pelas burocracias nacionais (e seus políticos respectivos) a maiores fluxos livres de interações de todos os tipos entre os indivíduos e as comunidades que compõem a humanidade.
Por conformismo, temos colaborado muito pouco com as marés da globalização, com os ventos incontroláveis das interações humanas, lutando em primeiro lugar contra a mentalidade tacanha dos introvertidos, dos protecionistas, dos regulacionistas puros, daqueles que pretendem nos levar aos extremos do corporatismo sob o qual já vivemos (que também significa um pouco de fascismo mental). Os diplomatas que pensam poderiam, ao menos, pensar um pouco nisso, nessa nossa missão...
Brasília, 11 de fevereiro de 2017
(...)
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