O que se pode esperar de Bolsonaro na Política Externa
Diplomatas avaliam que diplomacia poderá ser a mais alinhada aos EUA desde o governo do marechal Humberto Castelo Branco
Claudia Antunes e Henrique Gomes Batista, correspondente
O Globo, 28/10/2018 - 20:03 / 29/10/2018 - 08:57
RIO E WASHINGTON — A julgar por declarações da campanha, a política externa liderada por Jair Bolsonaro será a mais alinhada aos Estados Unidos desde o governo do marechal Humberto Castelo Branco, o primeiro depois do golpe de 1964, segundo analistas e diplomatas ouvidos pelo GLOBO. Essa orientação decorreria menos de cálculos estratégicos do que da associação que Bolsonaro e sua equipe buscaram com o ideário de Donald Trump, em especial no que diz respeito à retórica nacionalista e à desconfiança das instituições multilaterais.
— Trump quer que os Estados Unidos sejam grandes, eu também quero um Brasil grande — disse Bolsonaro em julho no programa Roda Viva.
O general Augusto Heleno Pereira, possível ministro da Defesa, já declarou ao GLOBO que as relações com os EUA “podem melhorar”, e criticou a “prevenção enorme” da esquerda em relação à superpotência. Na última sexta-feira, o presidente do PSL, Gustavo Bebbiano, reagindo a uma declaração da observadora eleitoral da OEA sobre fake news, disse que o organismo interamericano tem “zero credibilidade”, e que, como a ONU, tem “viés esquerdista, globalista”. Filho do capitão, Eduardo Bolsonaro, deputado federal por São Paulo, esteve em agosto com Steve Bannon, ideólogo da campanha de Trump.
O ocidentalismo ortodoxo
No início de outubro, em entrevista à agência Reuters, o cientista político Paulo Kramer, da assessoria de Bolsonaro, indicou como possível chanceler do próximo governo o embaixador Ernesto Araújo, diretor do Departamento de EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty.
No segundo semestre de 2017, Araújo publicou em uma revista do centro de estudos do Itamaraty o ensaio "Trump e o Ocidente”, que se tornou referência no círculo bolsonarista. Nele, o embaixador afirma que o presidente americano assumiu a missão de resgatar a civilização ocidental, sua fé cristã e suas tradições nacionais forjadas "pela cruz e pela espada". Essa civilização, escreveu Araújo, está sendo corroída pelo “inimigo interno”, aqueles que esqueceram a própria identidade sob a influência do “marxismo cultural globalista”, cujo marco inicial seria a Revolução Francesa, anterior a Karl Marx.
O ensaio dá pistas para interpretações de obsessões de Trump, como seu desejo de se aproximar da Rússia (bastião do cristianismo ortodoxo) e seus reiterados ataques à Alemanha (que teria jogado fora a criança, o nacionalismo, junto com a água da bacia, o nazismo). Termina conclamando o Brasil a, sem desprezar sua tradição de política externa autônoma, “alinhar-se consigo mesmo” e integrar-se a ao projeto de “recuperação da alma do Ocidente”. Até porque, alega o embaixador Araújo, Trump não é imperialista, mas defende o respeito mútuo entre “nações soberanas e independentes”.
Embora ressalte que é difícil fazer previsões com base apenas no que foi declarado por Bolsonaro e seus colaboradores, o cientista político Dawisson Belém Lopes, professor de relações internacionais da UFMG, avalia que, se adotar o trumpismo como modelo, o presidente eleito tenderá a fazer uma política externa personalista e contrária ao multilateralismo.
Lopes explica que o Brasil sempre foi “ocidentalista”, com diferentes gradações, segundo classificação feita pelo embaixador Gelson Fonseca, autor de livros e ensaios sobre a política externa: "ortodoxa" nos governos Castelo e Eurico Gaspar Dutra; "matizada" com Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Juscelino Kubitschek; e "heterodoxa" com João Goulart, Ernesto Geisel e Luiz Inácio Lula da Silva.
— Bolsonaro deu indicações de que estará no primeiro grupo, mas é bom lembrar que em nenhum dos dois casos já ocorridos o alinhamento durou muito. É uma aposta equivocada, e não acho que o Brasil será tratado com a deferência que dão à Rússia, à Índia ou a Israel — disse o especialista da UFMG.
Descarte de propostas
Entre conhecedores da diplomacia, a expectativa é de que Bolsonaro nomeie um chanceler atento à trajetória diplomática brasileira, que o convença a descartar propostas inspiradas em iniciativas de Trump e que eles consideram temerárias para o país: questionar acordos ambientais (Bolsonaro já disse que desistiu de tirar o Brasil do Acordo do Clima de Paris); abandonar organismos de direitos humanos; transferir a embaixada em Israel para Jerusalém (além dos EUA, só a Guatemala o fez); ou antagonizar demais a China, maior parceiro comercial do país e membro dos Brics, cuja cúpula de 2019 será no Brasil (a visita de Bolsonaro a Taiwan, em fevereiro, motivou uma nota de protesto da embaixada chinesa).
— Os EUA fazem essas coisas, mas são uma superpotência. Se levar essas ideias adiante, Bolsonaro acentuaria o isolamento do país a um ponto enorme — diz o embaixador aposentado e ex-ministro de vários governos Rubens Ricupero, autor de “A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016”.
O também diplomata aposentado José Alfredo Graça Lima, que já representou o Brasil em organismos comerciais e hoje é conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), afirma que “determinadas frases [de Bolsonaro] terão que ser revistas à luz da realidade”:
— Haverá um processo educativo, que vai evoluir de acordo com a sua assessoria.
Nem Ricupero nem Roberto Abdenur — que foi vice-chanceler no governo FHC e embaixador na China, entre outros países — acreditam que o alinhamento com Washington possa automaticamente beneficiar o Brasil. Para Abdenur, o país “corre o risco de ser colocado em uma posição subalterna” e deve ter em mente que podem surgir contenciosos comerciais com Washington, já que Trump recentemente criticou o Brasil por ser “muito duro” nas negociações de comércio.
— Bolsonaro pode conseguir a simpatia retórica, mas Trump é América Primeiro. Ele só quer levar vantagem e já criticou as práticas comerciais do Brasil. Com esse tipo de amigo, não precisamos de inimigo — afirmou Ricupero.
Governo Trump prevê proximidade
No governo dos Estados Unidos, a eleição de Bolsonaro é vista como uma oportunidade. Ele seria um contraponto à eleição no México do esquerdista Andrés Manuel López Obrador, que toma posse em 1º de dezembro.
— Acreditamos que Bolsonaro pode ser tão próximo do governo Trump como é o premier israelense Benjamin Netanyahu — disse uma alta fonte da diplomacia americana.
Embora as posições do presidente eleito sobre China e Jerusalém agradem os encarregados da diplomacia trumpista, é pela questão da Venezuela que os americanos mais “torciam” por Bolsonaro. Eles acreditam que o Brasil adotará uma atitude mais drástica contra o regime de Nicolás Maduro, em contraste com a orientação atual do Itamaraty, que condena as violações de direitos humanos no país, mas tenta deixar uma porta aberta para o diálogo com Caracas.
Segundo representantes de países latino-americanos em Washington, Bolsonaro pode ser o incentivo que faltava para que outros governos da região, como a Colômbia — que recentemente se recusou a assinar uma carta criticando o secretário-geral da OEA, Luis Almagro, por considerar o uso da força contra Caracas —, ampliem a pressão contra o governo venezuelano.
Bolsonaro vem engrossar uma onda de governos de direita na América do Sul, com presidentes dessa orientação política eleitos em Argentina, Chile, Colômbia e Paraguai. Para os analistas, isso não significa que ele terá apetite ou encontrará receptividade se pretender assumir um papel de liderança na região. Embora muitos apostem que Bolsonaro acabará "normalizado", mesmo com a má repercussão de suas declarações contrárias à democracia e aos direitos humanos, em países como Argentina e Chile o elogio a ditaduras continua sendo inadmissível para a maior parte da opinião pública.
Antecipa-se, além disso, uma certa “competição” para ver quem é o país sul-americano mais amigo dos Estados Unidos, posição que nas últimas décadas tem cabido à Colômbia.
Em outros centros de poder em Washington, o pessimismo é maior do que no governo. Organismos multilaterais temem retrocessos nos direitos humanos, com aumento da violência no campo, o avanço de milícias e de crimes de ódio.
Apostas para a a Chancelaria
Na campanha, Bolsonaro disse duas vezes que nomearia um diplomata chanceler. Além de Ernesto Araújo, citado por seu assessor Paulo Kramer, diplomatas mencionam outros nomes: o embaixador Luís Fernando Serra, que o presidente eleito conheceu em Seul (fala-se no Itamaraty que “rolou uma química” entre os dois); e Pedro Bretas, que está encerrando seu período como embaixador no Canadá e teria a simpatia do general Heleno Pereira.
Se preferir optar por nomes que provoquem menos resistência da maioria dos diplomatas, são mencionados embaixadores aposentados como Rubens Barbosa (ex-embaixador nos EUA) e Luiz Felipe de Seixas Corrêa (ex-vice-chanceler), que é sogro de Ernesto Araújo. De fora do quadro diplomático, o nome mais mencionado é o da senadora Ana Amélia (PP-RS), que concorreu a vice de Geraldo Alckmin, declarou voto no candidato do PSL na primeira hora e há poucos meses equiparou a rede de TV Al Jazeera, do Qatar, ao Estado Islâmico.
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