Os contornos do séculos XIX e começo do XX foram definidos em parte por uma série de decisões britânicas importantes de política externa e de economia. Ainda em 2007–2009 a política britânica tinha consequências mundiais: apesar de a desregulamentação da City de Londres ter contribuído para a gravidade da crise financeira mundial, a liderança britânica presente na cúpula do G–20 em Londres, em abril de 2009, mostrou ter, em última instância, uma influência estabilizadora. Atualmente, no entanto, apesar de todo o teatro político e da dramática retórica, a saída iminente do Reino Unido da União Europeia (UE) – conhecida como Brexit – na verdade não tem importância para o mundo.
A economia mundial pode ter alcançado um período de incerteza, mas isso se deve mais à volubilidade dos atos do presidente Donald Trump, o autoproclamado "Homem das Tarifas", que parece determinado a minar a credibilidade do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA), ao desestabilizar cadeias de suprimentos e ao negociar por meio de pronunciamentos aleatórios. A zona do euro enfrenta dificuldades para se livrar de suas prolongadas agonias, mas o problema fundamental continua sendo as más práticas bancárias e as finanças públicas potencialmente insustentáveis ostentadas por alguns países–membros. Embora o Brexit possa talvez se mostrar uma ideia infeliz para muitos habitantes do Reino Unido, seu provável impacto é uma queda do crescimento britânico, não uma desestabilização significativa do comércio regional, menos ainda do mundial.
É difícil exagerar a influência britânica sobre os assuntos mundiais após o país ter se tornado o berço da Revolução Industrial. A partir de cerca de 1750, as invenções britânicas criaram uma onda de inovação tecnológica que transformou a maneira pela qual a energia era gerada e o metal trabalhado. As ferrovias e os navios a vapor revolucionaram os transportes. Mesmo quando o centro da inovação migrou para o outro lado do Atlântico, o capital e a emigração britânicos sustentaram a industrialização no mundo inteiro.
Nada em torno da perda de influência mundial pode ser atribuído à filiação à UE. A maior parte da elite política britânica parece distante da realidade mundial. O mundo foi em frente. Um Brexit caótico pode causar grande prejuízo às pessoas comuns
Nem todas as contribuições britânicas foram positivas, é claro. A ascensão do Reino Unido como potência mundial foi acompanhada pelos horrores do tráfico de escravos no Atlântico e pelos abusos do domínio colonial.
Mas não há dúvida de que os atos britânicos – bons e ruins – foram relevantes para muitas pessoas, algumas das quais viviam em terras muito distantes. As alianças e a disposição britânicas de intervir militarmente moldaram as guerras europeias, desde Napoleão até as invasões alemãs da França em 1870, 1914 e 1940. A política de conciliação de Neville Chamberlain – inclusive sua estratégia e suas decisões pessoais na Conferência de Munique, em 1938, com Adolf Hitler – tiveram um grande impacto sobre a escolha do momento, a natureza e talvez até o resultado final da Segunda Guerra Mundial.
A maior influência mundial do Reino Unido revelou–se, talvez, em 1940–1941, quando o país foi essencialmente o único a confrontar o poder aparentemente incontível da Alemanha nazista. Ironicamente, o ingresso dos Estados Unidos na guerra ao mesmo tempo configurou o equilíbrio de forças decisivamente contra Hitler e não tardou em levar a uma reformulação completa da economia mundial.
A Conferência de Bretton Woods, de 1944, deixou claro que a era do império europeu tinha acabado. Também deixara de existir o comércio privilegiado no âmbito de zonas econômicas fixadas por ondas anteriores de expansão imperialista. Os acordos de comércio exterior pós–Segunda Guerra Mundial foram determinados pelas preferências americanas. Com as empresas, a mão de obra e os políticos americanos unânimes em seu desejo por acesso a todos os mercados, seguiram–se sucessivas rodadas de liberalização comercial.
Em 1945, o Império Britânico abarcava mais de 600 milhões de pessoas, cerca de 25% do total da população viva da Terra, o que o tornou (por um curto intervalo) a entidade política mais populosa de todos os tempos sobre o planeta. Nas décadas seguintes, o impacto mundial do Reino Unido foi sentido principalmente por meio de uma combinação de fiascos da descolonização, entre os quais a humilhação espetacular sofrida durante a Crise de Suez de 1956 [também conhecida como Guerra do Sinai], e a flagrante má gestão macroeconômica. Em 1976, o Reino Unido se tornou o único país a emitir uma moeda internacional de reserva que foi obrigado a tomar empréstimo do Fundo Monetário Internacional (FMI) durante a era (pós–1973) das taxas flutuantes.
Nada em torno dessa perda de influência mundial pode ser atribuído à filiação do Reino Unido à UE. No geral, o Reino Unido se saiu bem com o comércio do pós–guerra, metade do volume do qual é atualmente controlado pela Europa. O total do comércio exterior do Reino Unido (exportações mais importações) alcançou aproximadamente 40% do PIB durante a década de 1950; está mais próximo, atualmente, de 60%, com a maior parte desse aumento tendo ocorrido após o país ter ingressado na Comunidade Econômica Europeia, em 1973. De maneira mais ampla, a participação intensa na economia mundial observada durante as últimas quatro décadas contribuiu para superar a diferença (em termos de PIB per capita) com os EUA.
Talvez exista uma versão tresloucada do Brexit que poderia ter ramificações que extrapolassem as costas britânicas, mas isso parece absurdo. Ao contrário de Trump, nenhum político responsável do Reino Unido quer, de fato, reconduzir as tarifas protecionistas aos níveis da década de 1930. Também ao contrário dos EUA, nenhuma destacada autoridade do governo britânico está interessada em pôr mais uma vez em risco o futuro do país por meio do enfraquecimento da regulamentação financeira.
A maior parte da elite política britânica parece tão distante da realidade mundial quanto seus antecessores em 1938, 1944 e 1956. O mundo foi em frente, mais uma vez. Um Brexit caótico pode causar grande prejuízo às pessoas comuns – como aconteceu com a autoejeção britânica do Mecanismo de Taxas de Câmbio do Sistema Monetário Europeu, em 1992.
Só que essas pessoas comuns serão, na esmagadora maioria, britânicas. Os tempos em que o Reino Unido era capaz de mover o mundo ficaram, há muito, para trás. (Tradução de Rachel Warszawski)
Simon Johnson, professor do MIT Sloan, foi economista–chefe do FMI.
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