Posso dizer que isso é incorreto, e já o acordo anterior estava plenamente habilitado a defender a soberania brasileira ao mesmo em que promovia nossos interesses nacionais, ao possibilitar a exploração comercial da Base de Alcântara.
Agora, como na época, essa conversa mole em torno da soberania não faz muito sentido.
Leiam o que escrevi em 2001, em defesa desse acordo, que foi sabotado pela esquerda, inclusive pelo atual presidente, que em nome de um nacionalismo enviesado terminou por recusá-lo.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 18 de março de 2019
Acordo de Alcântara: soberania e interesse nacional
Paulo Roberto de Almeida
Washington, 31 de agosto de 2001
(http://www.pralmeida.org)
(opiniões e
argumentos emitidos a título pessoal)
Muito tem sido escrito e afirmado, algumas
vezes em tom inflamado, a respeito do Acordo Brasil-Estados Unidos sobre
Salvaguardas Tecnológicas (dito acordo sobre Alcântara), assinado em 18 de
abril de 2000 e atualmente submetido à apreciação do Congresso Nacional, como
etapa prévia à sua ratificação pelo poder executivo e ulterior entrada em
vigor. Parecer contrário à sua aprovação foi preparado (mas ainda não votado)
pelo relator da matéria na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos
Deputados, Deputado Valdir Pires (PDT-BA), cujos argumentos se prendem
basicamente à adequação desse acordo a princípios historicamente defendidos
pela diplomacia brasileira, à sua conveniência para o interesse nacional e seus
efeitos eventualmente negativos em termos de acesso brasileiro à tecnologia de
ponta no setor espacial, adicionalmente a outras considerações de caráter
político ou econômico.
Gostaria de oferecer a seguir alguns
comentários pessoais e gerais sobre algumas dessas importantes questões
levantadas no parecer do deputado, defensor do interesse nacional tanto quanto
vários outros funcionários públicos, inclusive os diplomatas, complementando
minha linha de raciocínio por uma série de considerações tópicas relativas aos
argumentos defendidos no parecer submetido à apreciação da Comissão de Relações
Exteriores da Câmara. Para melhor apreciação destas considerações tópicas
transcrevo, in fine, a íntegra do relatório do deputado Valdir Pires.
QUESTÃO DA SOBERANIA BRASILEIRA E DO
INTERESSE NACIONAL:
A soberania brasileira pode, por definição,
ser melhor defendida a partir de uma posição de forte capacitação tecnológica e
de inserção plena na economia internacional do que em uma situação de
isolamento ou de tentativa de manutenção da antiga autarquia econômica, até os
anos 90, quando o sistema produtivo brasileiro realizava cerca de 95% do PIB no
interior da própria economia nacional, o que implica, obviamente, diversos
elementos de irracionalidade.
À luz desse critério, pergunta-se de que
forma essa soberania estaria mais perto de ser realizada?: com a plena
utilização de Alcântara, colocando o Brasil num mercado dinâmico, lucrativo e
dotado de alta densidade tecnológica, como ocorre com os lançamentos de
satélites?; ou numa tentativa de reproduzir isoladamente todo o ciclo da
conquista espacial, com todos os custos econômicos e a delonga de tempo daí
decorrentes?
O
acordo de salvaguardas pode não ser o modelo ideal se examinado pelo critério
da cooperação espacial, mas deve-se considerar, justamente, que ele não é, não
pretende ser e não pode ser um acordo de cooperação em bases recíprocas. Ele é, tão simplesmente, uma garantia, considerada como
exigência absoluta pelos Estados Unidos, de que sua tecnologia espacial – fruto
de enormes investimentos públicos e privados ao longo das últimas décadas – não
será repassada sem a concordância dos detentores. Ora, estes não desejam, por
razões que lhes são próprias, repassar essa tecnologia, provavelmente porque
esperam poder conservar uma liderança tecnológica durante um certo tempo, além
de outras considerações de natureza estratégica e de segurança.
Não
está em poder do Brasil modificar essa situação, apenas tentar alcançar
capacitação similar, ou equivalente, no mais curto espaço de tempo possível. Os
processos de equiparação tecnológica são geralmente conduzidos em bases
comerciais ou mediante cooperação. Como
esta segunda modalidade não pode ser implementada neste caso específico,
caberia ao Brasil começar a construir as melhores condições possíveis para
apresentar oportunidades interessantes de parceria com empresas do setor
privado. Ora, a utilização plena de Alcântara oferece, ainda que não possa
garantir com segurança, as condições iniciais para que essa inserção do Brasil
no mercado dos lançamentos se faça da maneira mais rápida possível. É pela via
comercial que essa cooperação indireta se dará, uma vez que, pouco a pouco,
empresas brasileiras serão chamadas a fornecer determinados serviços ou
equipamentos, em lugar de sua importação contínua pelas empresas americanas de
lançamento.
Nesse sentido, o acordo de Alcantara está
mais próximo de lograr aumentar a soberania brasileira, do que um não acordo,
como seria o caso de uma não adoção pelo Congresso brasileiro.
QUESTÃO DA
SIMETRIA-ASSIMETRIA DO ACORDO:
A simetria
não quer dizer necessariamente a existência de uma perfeita similaridade de
concessões e benefícios entre as partes de um acordo, como se fosse um perfeito
espelho, pois os países nunca são perfeitamente iguais ou situados no mesmo
nível ou patamar de desenvolvimento.
A simetria
pode ser igualmente interpretada como o fato de que as partes alcançam benefícios
equivalentes, em termos de seu potencial econômico e tecnológico. Ora, no caso
estamos falando da maior potência econômica do planeta, situada na vanguarda do
desenvolvimento tecnológico, e de uma potência média como o Brasil, ainda
incipiente em matéria de tecnologia espacial.
A pergunta
a ser colocada é a seguinte: o Brasil retirará vantagens desse tratado?
Inegavelmente, em termos de resultados comerciais e retornos tecnológicos,
ainda que indiretos e, no início, extremamente modestos. Os EUA retirarão
vantagem? Também, pois que suas empresas realizarão lançamentos a menor custo,
podendo inclusive beneficiar-se de uma série de serviços locais adicionais
(equipamentos simples, fornecimentos de material não durável, hotelaria, lazer
etc) a preços sensivelmente menores do que em suas bases, onde a mão-de-obra,
por exemplo, é reconhecidamente mais cara.
Ou seja,
os benefícios e vantagens não são absolutamente simétricos e nem poderiam ser,
dada a disparidade de partida e de objetivos de cada parte. Do ponto de vista
do Brasil, trata-se tão simplesmente de oferecer uma base de lançamento, do
ponto de vista dos EUA, o aluguel dessa base a um preço razoável.
Qual o
preço a pagar por isso? A preservação do segredo tecnológico embutido nos
lançamentos de empresas dos EUA. Mas, podemos estar seguros que nossos
técnicos, engenheiros e outros especialistas espaciais saberão retirar
ensinamentos de todo o know-how que estiver sendo mobilizado num lançamento,
ainda que os equipamentos em si permaneçam, por vontade do cliente, como uma
“caixa-preta”. Essas situações não são eternas, e mesmo as caixas pretas acabam
sendo refeitas, copiadas indiretamente, inspirando métodos similares ou
funcionalmente equivalentes, enfim, a vontade política e o contato com situações
reais atuam como poderosos estimulantes ao catch-up tencológico.
QUESTÃO DA
“CESSÃO DE TERRITÓRIO” BRASILEIRO:
Tal “cessão” simplesmente não existirá: as empresas
americanas estarão alugando, e portanto terão o direito de controlar, uma
determinada parcela da base de Alcântara. Empresas estrangeiras e brasileiras
também restringem o acesso a determinadas áreas de suas instalações, nos mais
diversos pontos do País, para a guarda de seus segredos industriais.
QUESTÃO DO “SEGREDO” TECNOLÓGICO:
A proteção do segredo
tecnológico já ocorre hoje, em empresas brasileiras ou estrangeiras operando
com tecnologias de ponta em outras partes do território nacional. A lei protege
plenamente o segredo comercial e os métodos ou processos de fabricação que uma
empresa deseja manter em regime de confidencialidade, em lugar de patenteá-lo
por exemplo. Trata-se de uma escolha ditada por considerações puramente
comerciais ou, no caso de países, de uma estratégia orientada por questões de
segurança. Não nos cabe contestar a legitimidade dessas preocupações, apenas
constatá-las e tentar fazer da adversidade – que é a desigualdade existente no
mundo em matéria tecnológica – uma fonte de vontade política para tentar
superar essa assimetria.
Ainda
no caso do chamado segredo tecnológico, a modalidade mais flagrante e mais
conhecida dessa situação – ainda que muitas vezes ignorada pela maior parte das
pessoas – é a da fórmula da famosa e popularíssima Coca-Cola: essa bebida, que
tem 150 anos de existência, não está protegida, nem nunca esteve, por nenhum
tipo de patente, nem de produto, nem de processo de fabricação (apenas e tão
somente de marca de fábrica e de design
industrial).
Nada, nem ninguém,
pode impedir uma outra empresa de tentar copiar, imitar e fabricar por sua própria
conta a bebida identificada como “coca-cola” (desde que oferecida sob outro
nome, outra marca e outro desenho), assim como nada, nem ninguém pode obrigar a
fábrica original da Coca-Cola a revelar o seu segredo industrial. Não há lei
conhecida no mundo civilizado que determine a revelação de um segredo
comercial. Quando essa tentativa ocorreu, na Índia, nos anos 50, a Coca-Cola
preferiu abandonar o país – e perder um mercado promissor de vários milhões de
consumidores – do que ceder ou revelar seu segredo comercial, a famosa fórmula
do xarope (que não tem nada de muito surpreendente, diga-se de passagem). De
fato, nos EUA e em outros países, muitos concorrentes tentaram alcançar o
sucesso da Coca-Cola, não pela cópia mas pela imitação. Nunca ninguém conseguiu.
O segredo da Coca-Cola não está, na verdade, na “caixa-preta” da fórmula
mágica, mas na imensa quantidade de dinheiro empregado em sua propaganda e
comercialização (distribuição).
O segredo do sucesso
de Alcântara não está na caixa-preta americana, mas na capacidade soberana do
Brasil de saber inovar e de oferecer um produto equivalente, ou similar, a um
preço menor. Esse objetivo pode, eventualmente, ser alcançado sem o acordo de
Alcântara, mas em sua ausência o caminho será mais longo e certamente mais caro
e difícil.
COMENTÁRIOS TÓPICOS:
Elementos
de apreciação sobre o parecer do deputado Valdir Pires à mensagem nº 296 do
Poder Exectuivo, que submeteu ao Congresso nacional Acordo Brasil-Estados
Unidos sobre Salvaguardas Tecnológicas (Alcântara), de 18 de abril de 2000.
Estas notas estão organizadas de forma dialogal, ou socrática: após transcrição
de trechos do relatório do deputado, identificado como VP, emito minhas
próprias opiniões ou comentários, em caráter pessoal (PRA).
VP: Um dos
princípios básicos do Direito Internacional Público é o da igualdade jurídica
entre os Estados: distribuição equilibrada das obrigações; compromissos
consensuais que devem ser obedecidos, de igual modo, por ambas as Partes.
PRA: Nem
todos os acordos entre Estados soberanos são absolutamente simétricos, com
obrigações e direitos igualmente distribuídos: um acordo de cessão de bases,
por exemplo, como ocorre frequentemente no âmbito da OTAN, não apresenta
caráter simétrico. Nem por isso, retira o poder soberano do Estado concedente,
ainda que possa definir obrigações desiguais para as Partes. De fato, nem todos
os acordos bilaterais podem ser absolutamente simétricos, por força de seu
próprio conteúdo. A simetria, neste caso, deveria ser analisada tendo presente
os objetivos e as vantagens comparativas de cada parte, ou seja, o interesse
econômico-comercial brasileiro, associado ao uso do CLA, de um lado, e a
proteção dos segredos tecnológicos americanos envolvidos, de outro.
VP: Acordo
de Alcântara: suas cláusulas criam obrigações exclusivamente, ou quase que
exclusivamente, para o nosso país.
PRA: Ele
foi contraido precisamente com esse objetivo: definir obrigações brasileiras de
preservar o segredo tecnológico embutido em equipamentos de origem
norte-americana e de vetar o acesso à tecnologia neles contida. É um direito
dos EUA definirem tais obrigações e um direito soberano de o Brasil aceitar ou
não tais condições. A obrigação foi contraída voluntária e soberamente e poderá
ser declarada perempta quando o Brasil assim o desejar (vencido o prazo de
extinção das obrigações).
VP:
Perguntamo-nos se há quaisquer motivos que justifiquem essa grosseira e
gritante assimetria.
PRA: A
“assimetria” é uma característica deste acordo específico: não se trata de um
acordo bilateral de cooperação, mas sim de assunção de compromissos, como pode
existir, no direito privado, num contrato de locação com cláusulas muito
restritas, por exemplo. No direito comercial, um contrato de franquia ou um
licenciamento de tecnologia ou know-how protegidos pelo segredo comercial
apresentam igualmente caráter assimétrico, nem por isso o locatário da franquia
ou da licença farão qualquer objeção de princípio contra cláusulas restritivas
que sóem acompanhar tais contratos.
VP: O
Brasil vem demonstrando firme compromisso com a causa do desarmamento e da
não-proliferação.
PRA: O
acordo não tem por objeto o desarmamento, mas sim o controle de tecnologias
sensíveis que seu detentor julga por bem não disseminar, por razões comerciais
ou de segurança estratégica. Ele não interfere em absoluto com a vontade e a
decisão brasileira de se dotar de armas ou de eliminá-las.
VP: A
adesão do Brasil ao MTCR foi precedida de negociações com os EUA sobre
controles sobre a exportação de tecnologias sensíveis, especialmente a de
mísseis e componentes de mísseis.
PRA: A
adesão ao MTCR não impede o Brasil de desenvolver sua tecnologia espacial.
VP: O
acordo é inteiramente dispensável, já que o Brasil assumiu compromissos que
impedem o repasse, a divulgação e a apropriação indevida de tecnologias
sensíveis ou de uso dual.
PRA: O
acordo não tem esse objetivo multilateral e sequer está dirigido a tecnologias
brasileiras. Seu objeto é tão somente o de proteger tecnologia norte-americana.
Desse ponto de vista, a assimetria é inevitável. Caberia observar, a
esse respeito, que o MTCR é um regime informal e voluntário, e não, um tratado
multilateral, vinculante. Por esse motivo, o argumento de que o acordo com os
EUA seria dispensável (por supérfluo) mostra-se injustificado, mesmo em uma
análise preliminar, ou seja, sem que seja preciso entrar no mérito da questão.
VP: A desconfiança é injustificável e desrespeitosa.
PRA: Não
cabe ao governo do Brasil fazer julgamento de valor sobre a atitude do governo
dos EUA. O Brasil tem o direito ou não de aceitar tal atitude de desconfiança.
O principal objetivo do Brasil neste acordo não era vencer uma batalha de
opinião contra o governo dos EUA, mas tão simplesmente de definir condições que
viabilizassem operações de lançamento contendo tecnologia norte-americana.
VP: O
Brasil firmou com Ucrânia, Rússia, China, França e Argentina acordos visando a
cooperação mútua nos usos pacíficos do espaço exterior, os quais não prevêem as
salvaguardas tecnológicas.
PRA:
Acordos de cooperação, como o conceito indica, visam benefícios mutuamente
benéficos para as partes, que prometem empreender atividades conjuntas segundo
regras mutuamente acordadas. O acordo em apreço tem como título: Acordo sobre
Salvaguardas Tecnológicas Relacionadas à Participação dos EUA nos Lançamentos a
partir de Alcântara,
VP: O
governo norte-americano controlará diretamente áreas do Centro de Lançamento de
Alcântara, as quais serão inacessíveis para os próprios técnicos brasileiros
que lá tPRAalham.
PRA:
Acordos de sede, com organismos internacionais, ou acordos de relações
diplomáticas, segundo dispositivos da Convenção de Viena, também prevêm
imunidades, privilégios e áreas de acesso proibido ou restrito. O acordo de
Alcantara pode ser considerado uma modalidade particular no gênero. A Embaixada
do Brasil em Washington só é acessível a pessoal norte-americano com
autorização expressa das autoridades brasileiras; nas áreas de comunicações ou
arquivos, por exemplo, tal acesso é simplesmente vedado. Pode-se igualmente observar que não há falta de
legitimidade em reconhecer que um país, detentor de tecnologias avançadas, pode
pretender protegê-las contra seu uso não autorizado. Neste caso é importante
enfatizar o caráter específico (certas operações espaciais em particular) e limitado
do controle de acesso no acordo em questão (isto é, só às áreas definidas como
sensíveis). Também deve ser observado que os técnicos brasileiros não têm
acesso proibido, mas apenas se sujeitarão a uma sistemática de verificação de
identidade, estabelecida.
VP: A
alfândega brasileira será proibida de revistar e inspecionar qualquer remessa
de material norte-americano que ingresse no território nacional.
PRA: A
alfândega norte-americana também não pode revistar o conteúdo de malas
diplomáticas brasileiras que transitam por seus aeroportos.
VP: O
governo brasileiro não terá nenhum controle efetivo sobre o material que a
Parte norte-americana utilizará nos lançamentos a partir de Alcântara.
PRA: O
governo norte-americano não tem nenhum tipo de controle sobre equipamento ou
programa de criptografia que a Parte brasileira utiliza em sua Embaixada em
Washington.
VP: O
governo dos EUA poderá, se quiser, lançar do CLA satélites de uso militar (
espiões) contra países com os quais o Brasil mantém boas relações diplomáticas.
PRA:
Argumentando ad absurdum, pode-se arguir que governo brasileiro também pode,
teoricamente, utilizar postos diplomáticos no exterior para monitorar
eletronicamente comunicações de terceiros países com os quais os EUA mantém
boas relações diplomáticas, mas isto não está efetivamente em qustão. No caso do acordo de Alcântara, a
possibilidade de ingresso no Brasil de material indevido, de acordo com o ATS,
só poderia, a rigor, ocorrer em caso de declaração inverídica do governo dos
EUA sobre o equipamento enviado a Alcântara, pois nos termos do Artigo VIII,
item B, é exigida uma declaração oficial, escrita, sobre o conteúdo dos
respectivos “containers”. Além disso, no item C, do mesmo Artigo, há o
requisito de que as firmas americanas licenciadas assegurem, por escrito, às
autoridades dos EUA, que nada “não relacionado com o lançamento em vista”
estará dentro dos “containers” enviados ao CLA. Assim, na hipótese de os
“containers” trazerem material diferente do especificado, ficaria incontestavelmente
caracterizada a violação do acordo e do Direito Internacional (que afirma que
os acordos devem ser implementados de boa fé). Creio, pois, que esses
dispositivos (apesar da dificuldade prática de detecção da infração) deverão
ter efeito inibidor no que tange à introdução no Brasil de material ou
equipamento diverso do autorizado.
VP: O dispositivo (de recuperação de escombros”) não
se coaduna com os princípios do direito internacional aplicáveis ao caso:
“Acordo sobre o Salvamento de Astronautas e Restituição de Astronautas e de
Objetos Lançados ao Espaço Cósmico” (22.04.1968).
PRA: Tal acordo multilateral visa à cooperação
internacional na área que é a sua, não se substituindo ou se sobrepondo a
acordos bilaterais que países membros possam contrair entre si em atividades
definidas nesses instrumentos bilaterais. Os acordos multilaterais também
possuem salvaguardas de arranjos específicos entre países, não constituindo
norma absoluta, obrigatória ou derrogatória da vontade das partes em acordo
específico entre si.
VP: As
salvaguardas tecnológicas previstas no Acordo são rigorosas e minuciosas, elas
levantam dúvidas quanto à sua adequação ao princípio da soberania nacional.
PRA: A
soberania nacional não está minimamente em causa, pois o Brasil, de livre e
espontânea vontade, contraiu obrigações de respeitar segredos tecnológicos, em
troca da utilização comercial de sua base de lançamentos. A compensação da
cessão mediante salvaguardas se fará pelo retorno financeiro e comercial aberto
pelo uso de tal base.
VP: Ao
proibir a assistência e cooperação tecnológica, o Acordo suscita
questionamentos sobre a sua real utilidade para o País. O único benefício que o
Brasil poderá usufruir do acordo será o dinheiro proveniente do uso do CLA, que
é, diga-se de passagem, muito pouco.
PRA: O acordo não se destina à cooperação ou à
transferência de tecnologia na área espacial; num certo sentido, ele é mesmo o
contrário disso: ele visa a fechar a tecnologia, segundo critérios próprios ao
detentor dessa tecnologia. Do ponto de vista brasileiro, o fim precípuo do acordo
é, essencilmente, o de viabilizar a utilização comercial de Alcântara. Quanto
aos montantes percebidos, os critérios são o custo-oportunidade e a existência
de alternativas mais baratas. O mercado determina o preço das bases de
lançamento: quanto mais lucrativo o empreendimento, mais países se sentirão
motivados a oferecer bases similares (como parecia ocorrer no caso da Guiana,
em experiência frustrada de acordo com empresa americana).
VP: O
Acordo estabelece que o Brasil não permitirá o lançamento de Cargas ou Veículos
de países sujeitos a sanções estabelecidas pelo Conselho de Segurança das
Nações Unidas ou cujos governos, a juízo de qualquer das Partes, tenham dado,
repetidamente, apoio a atos de terrorismo internacional. Os Estados Unidos
poderão proibir que o Brasil possa lançar satélites para nações desafetas dos
EUA.
PRA: O
MTCR, assim como o Clube de Londres sobre tecnologia da área nuclear, já
estabelecem mecanismos de cooperação e de monitoramento controlado pelos pares,
visando a obstaculizar o acesso à tecnologia por parte de estados em relação
aos quais existam presunções de proliferação. O Brasil consultará os EUA em
casos desse gênero. Práticas discriminatórias existiram em diferentes conjunturas
da história mundial do século XX: nos anos 1930, por exemplo, EUA e Alemanha,
cada qual a sua maneira, visaram controlar o acesso a minerais estratégicos e
combustíveis de vizinhos ou aliados, dificultando ou obstaculizando o acesso a
rivais potenciais (Japão ou URSS, por exemplo). Preocupações com segurança,
legítimas ou apenas percebidas como reais, podem levar à adoção de medidas
severas a esse respeito. No que respeita aos países sujeitos a sanções do CSNU,
o Brasil teria, mesmo, que respeitá-las, como os demais membros da ONU. Quanto
aos países que “a juizo de qualquer das partes, tenham dado, repetidamente,
apoio ao terrorismo”, a própria linguagem do acordo sugere uma decisão
negociada, ou, pelo menos, uma troca de comunicações, a respeito, e não um procedimento
impositivo da parte americana.
VP: O
Brasil perde a autonomia de utilizar a sua base como bem entenda.
PRA: O
Brasil pode conservar tal faculdade, bastando não se vincular a acordo
restritivo (como existente na área de franquias, por exemplo) com nenhuma
nação. A assunção de obrigações visa a determinadas contrapartidas materiais,
que poderiam não se materializar sem as salvaguardas.
VP: O
dispositivo proíbe que o Brasil estabeleça laços significativos de cooperação
com países que não façam parte do MTCR (apenas 32 países).
PRA: O
Brasil já assumiu compromissos de não-proliferação ao abrigo do MTCR e de
outros instrumentos. Trata-se de um dispositivo de tipo “religioso”, pois a
adesão voluntária de um crente a uma determinada seita também impõe obrigações
comportamentais que limitam sua liberdade (a monogamia não tradição cristão,
por exemplo).
VP: A China
não pertence ao MTCR, por considerá-lo injusto, irracional e pouco eficiente,
além de ser um instrumento que tende a perpetuar as desigualdades tecnológicas
entre as nações.
PRA: A
China escolheu tal caminho, o que lhe veda cooperação em certas áreas e
portanto o acesso a determinadas tecnologias. Sua capacitação tecnológica tem,
assim, de ser feita com base em seus próprios recursos e possibilidades, o que
implica auto-financiamento e cronograma condizente com tal escolha. A
experiência histórica ensina que a igualdade tecnológica entre as nações á mais
facilmente atingida mediante intercâmbios comerciais e acordos voluntários de
cooperação e que as experiências solitárias de catch-up tecnológico (como no
caso da ex-URSS) podem apresentar alto preço material e humano.
VP: O
Brasil tem com a China acordo bilateral de cooperação espacial: os satélites
sino-brasileiros poderão não ser lançados da base de Alcântara.
PRA: O
acordo Brasil-China se destina ao lançamento de satélites brasileiros mediante
foguetes chineses a partir de bases chinesas: isto não será afetado pelo acordo
de Alcântara. De fato, na
cooperação espacial Brasil/China não se visualiza o lançamento de foguetes
chinêses a partir do CLA. Vale pecisar, contudo, que a China, embora não seja
membro do MTCR, emitiu declaração oficial em que se associa, não só ao
espírito, mas até mesmo à linguagem utilizada pelo MTCR , para assegurar sua
observância aos controles de exportação de tecnologia de mísseis. Na época, as
autoridades americanas vislumbraram, mesmo, a possibilidade de cooperação entre
empresas americanas e chinesas para lançamento de satélites americanos na
China. Isso demonstra que, sujeito à interpretação do ATS, não é absolutamente
claro que a China viesse a ser, de plano, excluida de lançamentos do CLA, já
que, de certa forma, ela poderia ser considerada “parceira”do Regime.
VP: O
Brasil não poderá usar os recursos provindos do uso do CLA pelos
norte-americanos para o programa espacial brasileiro.
PRA:
Cláusula absolutamente irrelevante, pois o Brasil pode dotar orçamentariamente
o CLA com tantos recursos quanto suas disponibilidades de Tesouro o permiterem. A proibição de uso dos recursos
auferidos em Alcântara em atividades espaciais, no Brasil, parece ter sido
incluída no texto do CLA mais para “efeito interno”, nos EUA, já que,
evidentemente, o uso das verbas em comunicações, ou obras de outra natureza,
liberaria recursos governamentais brasileiros, provenientes de outras fontes,
para serem utilizadas no programa espacial, o que torna irrelevante a ressalva
feita no acordo.
VP: O
objetivo verdadeiro e último do acordo: inviabilizar o programa do VLS e
colocar a Política Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais (PNDAE)
na órbita dos interesses estratégicos dos EUA.
PRA: O
acordo não tem qualquer impacto, direto ou indireto, sobre o programa espacial
brasileiro, que continuará a ser desenvolvido de forma autônoma. Ele é
absolutamente neutro em relação a decisões nessa área que serão tomadas unica e
exclusivamente pelo Brasil.
VP: Pelo
“Ajuste Complementar entre o Brasil e os EUA para o Programa da Estação
Espacial Internacional (ISS)”, a AEB forneceria à NASA uma série de caros
equipamentos que seriam instalados na ISS; a NASA cederia à AEB quotas para a
utilização da ISS Muitos cientistas contestam a oportunidade e o mérito de tal
acordo, pois o projeto é absurdamente caro, em detrimento do desenvolvimento do
veículo brasileiro lançador de satélites; o acordo e o ajuste complementar
fazem parte de uma mesma estratégia destinada a colocar o programa espacial
brasileiro na estrita dependência econômica, tecnológica e política dos EUA, o
que já aconteceu com o programa espacial argentino.
PRA: O
Brasil sempre soube definir acordos e parcerias em função de seus interesses
nacionais e não há motivo para pensar que o VLS e o programa espacial
brasileiro sejam colocados na dependência de quem quer que seja.
VP: O
Brasil se obriga a assinar acordos de salvaguardas com o mesmo objetivo e do
mesmo teor com outros países, que deverão obrigar os outros governos a exigir
dos seus Licenciados (empresas que dominam tecnologia espacial) o que o governo
norte-americano exige dos seus. Trata-se, conforme nossa concepção, de
aberração jurídica que contraria princípios do direito internacional.
PRA:
Trata-se de extensão das medidas de não-proliferação já assumidas anteriormente
pelo País e que o Brasil assume voluntariamente, não obrigado por qualquer
outro nação.
VP: Não é
“praxe internacional” que lançamentos comerciais sejam amparados por acordos de
salvaguardas tecnológicas. Na realidade, trata-se de prática que vem sendo
imposta pelo governo dos EUA aos outros países do mundo.
PRA:
Contratos amparados em cláusulas de direito comercial costuma ter cláusulas
restritivas quanto ao uso, cessão ou comercialização da tecnologia ou licença
de know-how cedida comercialmente.
VP: O
acordo, na medida em que proíbe transferência de tecnologia e impõe cláusulas
abusivas ao Brasil, cria situação discriminatória contra o País, o que fere
frontalmente o artigo 1º do Tratado do Espaço.
PRA: Não se
trata de acordo multilateral de cooperação ou regulando a transferência de
tecnologia, mas de um acordo de salvaguardas, com todas as restrições
associadas a esse tipo de acordo. Rússia, Ucrânia e China, por exemplo, já
detêm a tecnologia de lançamento e mantêm agressiva política comercial de
atração de firmas de telecomunicações.
VP: Se o
governo dos EUA estivesse disposto a permitir a utilização das instalações do
CLA e a cooperar com o Brasil seguindo diretrizes consentâneas com o direito
internacional e com base na reciprocidade e respeito mútuo, que sempre devem
pautar as relações entre as nações, tenham elas o mesmo nível de
desenvolvimento ou não, aplaudiríamos quaisquer iniciativas destinadas a
cumprir tal finalidade.
PRA: O
Brasil não pode obrigar o governo dos EUA a adotar contra sua vontade, uma
visão cooperativa em matéria de lançamento de veículos, assimilados por esse
país a vetores missilísticos e sujeitos, portanto, a restrições existentes em
sua legislação interna. O que o Brasil pode fazer é ampliar as áreas de
cooperação e de intercâmbio comercial, confiando em que tais práticas servirão
para capacitar paulitinamente o país do ponto de vista científico e
tecnológico.
VP: Um
acordo de salvaguardas tecnológicas aceitável teria de ter as seguintes
características:
1. a
proteção da tecnologia sensível seria responsabilidade, por igual, de ambas as
Partes Contratantes, conforme os compromissos internacionais anteriormente
assumidos;
PRA: Igual
proteção implica igual patrimônio a proteger, o que manifestamente não é ainda
o caso para o Brasil, nesta área. A tecnologia sensível do Brasil será,
contudo, objeto de proteção adequada.
VP: 2. as
“áreas restritas” seriam controladas por ambos os governos e as autoridades e
técnicos brasileiros devidamente credenciados pelo Brasil teriam inteira
liberdade de nelas adentrarem;
PRA: O conceito de “áreas restritas” implica,
justamente, restrição de alguma ordem a nacionais da outra parte, como ocorre,
por exemplo, no território da Embaixada do Brasil em Washington.
VP: 3. eventuais vetos políticos de lançamentos só se
concretizariam mediante consenso de ambos os países;
PRA: Não existem vetos políticos no caso de
tecnologias genuinamente nacionais, desenvolvidas de forma independente.
VP: 4. a
República Federativa do Brasil teria a inteira liberdade de usar o dinheiro
provindo do uso do CLA para investir onde bem entendesse, inclusive no
desenvolvimento do seu veículo lançador;
PRA: Essa liberdade já existe, apenas que o dinheiro
“carimbado” das operações colocadas ao abrigo do acordo de salvaguardas não
poderá fluir diretamente para atividades vinculadas ao programa espacial
brasileiro, devendo ser recolhido ao Tesouro. Como o dinheiro é fungível, nada
impede que ele retorne de onde saiu, sem qualquer tipo de carimbo.
VP: 5. a
alfândega da República Federativa do Brasil poderia, sempre que julgasse necessário,
abrir os “containers” enviados, contando com apoio de técnicos norte-americanos
para identificar o material ali contido;
PRA: Malas diplomáticas brasileiras não são examinadas
pela alfândega americana. Um ponto relevante, entretanto, precisa ficar claro:
segundo o Artigo VIII, item B, do ATS, as autoridades americanas se obrigam a
fornecer delcaração escrita sobre o conteúdo dos “containers” a serem enviados
a Alcântara. Isso demonstra que o acordo não estabelece obrigações só para a
parte brasileira, pois esta exigência é claramente de interesse da parte
brasileira.
VP: 6. a
República Federativa do Brasil, na condição de nação soberana, a qual deveria
ser óbvia para todos, poderia negociar transferência de tecnologia com
terceiros países e cooperar com nações que não fossem membros do MCTR nos usos
pacíficos do espaço exterior e na utilização de sua base;
PRA:
Dispondo de autonomia tecnológica, o Brasil poderá decidir livremente o escopo
e o leque geográfico de sua cooperação com terceiros países. Obrigações
internacionais são no entanto assumidas voluntariamente pelos países com o
objetivo de aumentar o grau de segurança internacional e diminuir o potencial
de conflito inerente à ordem internacional relativamente “anárquica” que ainda
caracteriza o mundo atual.
VP: 7. além do pagamento pelo uso do CLA, o acordo
deveria contemplar transferência de tecnologia espacial destinada aos usos
pacíficos do espaço exterior.
PRA: O
governo dos EUA não estava interessado em negociar um acordo de transferência
de tecnologia nessa área com o Brasil, além do acordo geral de cooperação
científica e tecnológica existente. O Brasil poderá fazê-lo com outros países
interessados.
VP: O ato
internacional representa o oposto de qualquer acordo baseado no princípio da reciprocidade
e no respeito mútuo.
PRA: A reciprocidade e o respeito existem, mas o
acordo em causa não pode substantivamente reger uma relação de demandante a
demandado de forma simétrica, em função de sua própria natureza: salvaguardar
segredos tecnológicos de apenas uma das partes, não de ambas simultaneamente.
VP: Ante o exposto, o nosso voto é pela rejeição do
texto do Acordo.
PRA: A inexistência de um acordo de
salvaguardas teoricamente não inviabilizará o desenvolvimento da base de
Alcântara, mas tornará muito difícil a sustentação de uma série de atividades a
ela vinculadas, aumentando o custo geral de todo o projeto e delongando a
implementação de etapas mais avançadas do programa espacial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.