Escrevo já em meio à madrugada da Quarta-Feira de cinzas, depois de dois dias intensos de correspondência, postagens, entrevistas, redação de artigos e muitos, muitos contatos telefônicos, em dois aparelhos e no computador.
Nas últimas 48 hs minha vida, e atividades foram dominadas por um único assunto: minha exoneração do cargo de Diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), vinculado ao Itamaraty, determinada pelo ministro de Estado das Relações Exteriores, segundo sua soberana vontade, aparentemente em resposta a postagens neste meu blog Diplomatizzando que não foram do seu agrado.
Toda a história já está contada e recontada nas várias entrevistas que concedi e textos que escrevi nestes últimos dois dias.
Aproveito para um momento de distensão.
As autoridades poderiam ao menos ter deixado a exoneração para ocorrer na tarde da Quarta-Feira de cinzas, poupando o Carnaval de tanta gente, especialmente os jornalistas.
Gente sem humor...
Mas, escrevo esta última postagem da noite por uma razão muito simples: não tive condições de responder, atender, agradecer a todos de maneira adequada, pois fiquei literalmente submergido por dezenas de mensagens, dezenas de telefonemas, postagens em três ou quatro apps de redes sociais e o que mais existe nessa matéria. Não só do Brasil, mas de outros países também.
Confesso que sinto até uma ponta de vergonha, ou remorso, por ter provocado tanto barulho e tanta preocupação em tanta gente, mas a culpa não foi minha, obviamente.
Foi involuntário ou provocado, digamos assim, por gestos atrabiliários de quem tem o poder de decidir do emprego ou desemprego de simples burocratas do serviço público, o que sou, nas últimas quatro décadas (além de professor quase esse tempo todo também).
Meu "desemprego" é parcial: perco um cargo em comissão e a remuneração correspondente, e ganho a liberdade, com renda reduzida, mas um imenso alívio por não ter mais sobre mim os olhos (e outras coisas também) de espíritos tacanhos que não sabem admitir o dissenso.
Como já disse algumas vezes, assim como James Bond tinha uma permissão especial para matar, eu adquiri, à custa de várias punições numa carreira sempre movimentada, a permissão especial, auto-atribuída, para dissentir, ou divergir. Disso não abro mão.
Mas, como também já me manifestei a respeito, personalidades autoritárias não apreciam espíritos libertários como o meu…
Minha constatação elementar é a seguinte. A atual chefia do Itamaraty pretende denegar ao meu blog a mesma liberdade de que desfrutou, na campanha presidencial de 2018, um blog manifestamente improvisado com objetivos eleitoreiros, dedicado a fazer campanha para um dos candidatos, ao mesmo tempo em que se empenhava em atacar candidaturas adversas, usando para isso todo tipo de ofensas político-ideológicas. Como diria Marx, em relação esse tipo de espírito sectário, “houve História, mas já não há”.
Tudo isso passará, e a partir de agora meu "endereço oficial" passa a ser a Biblioteca do Itamaraty, onde vou retomar meus esportes favoritos: ler, anotar, refletir, escrever e publicar (eventualmente).
Durante os meus quase 14 anos do "exílio" anterior a 2016, aproveitei para ler muito e refletir muito, e também para escrever bastante.
Aliás, tenho de agradecer a meus "algozes", que me possibilitaram o lazer forçado e o tempo disponível para escrever.
Desse ostracismo involuntário, retirei vários livros, entre os quais destaco os seguintes:
O Moderno Príncipe: Maquiavel revisitado (2010)
Nunca Antes na Diplomacia...: a política externa brasileira em tempos não convencionais (2014)
O Homem que Pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos (2017)
A Constituição Contra o Brasil: ensaios de Roberto Campos sobre a Constituinte e a Constituição de 1988 (2018)
Nos dois meses de "férias" das atividades do IPRI, desde dezembro de 2018 e até aqui (quando estou ainda impedido de empreender qualquer atividade por determinação superior), aproveitei para coletar alguns de meus textos do período decorrido desde o último livro sobre a diplomacia brasileira (Nunca Antes...), e compus um novo livro, que deve estar sendo publicado proximamente:
Contra a Corrente: ensaios contrarianistas sobre as relações internacionais do Brasil, 2014-2018 (2019)
Acredito que com a exoneração, vou ter ainda mais tempo para continuar escrevendo e publicando coisas que imagino possam ser úteis aos mais jovens, especialmente em temas de diplomacia brasileira e política externa. Acho até que vou acelerar a produção, se a tanto me for dada oportunidade nesta nova fase aparentemente sans Dieu, ni Maître...
Meu muito obrigado a todos os que me contataram, escreveram, telefonaram, twitaram, mandaram mensagens, ou me encontraram diretamente.
Não pude agradecer ou cumprimentar a todos pessoalmente, diretamente, adequadamente, mas faço desta postagem minha expressão de reconhecimento sensibilizado.
O grande abraço a todos
Paulo Roberto de Almeida
Brasília 6 de março de 2019
Precisamos de mais pessoas com coragem e sem medo como o senhor neste governo. Parabéns por se manter honrado!
ResponderExcluirPrezado embaixador, lamento pelo episódio, mas quero aqui manifestar o meu apoio. O atual "governo" parece querer flertar com o autoritarismo. Dentro deste contexto, vozes dissonantes como a sua não são bem-vindas. Porém, o contraponto nos favorece sempre, ao permitir que novas visões sobre os problemas de nossa sociedade sejam postas, o que trás reflexão.
ResponderExcluirNão permita que sua voz seja silenciada. Estamos em uma tempestade, mas a bonança virá.
Abraços fraternos,
Ronaldo O. Campos