Rato de biblioteca por deformação da primeira infância, quando ainda não sabia ler, eu me afeiçoei tanto aos livros que chegada a etapa do letramento, na tardia idade dos sete anos, nunca mais larguei dos livros, um só instante na vida.
Quando me vi constrangido a um longo exílio voluntário na Europa, nos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil, arrastei comigo uma pequena biblioteca que deve ter intrigado vários guardas aduaneiros, cada vez que eu tinha de transpor as fronteiras da Guerra Fria. Mas sobrevivi, com os meus livros, ainda que os amaldiçoasse, cada vez que, tendo de mudar de casa para viver mais barato, o que fiz frequentemente, tinha de arrastar escada abaixo e escada acima, caixas e mais caixas de livros que foram se acumulando ao sabor das viagens e da vida nas livrarias e biblioteca.
Mas, eu me perco. O que eu quero dizer é que, aos diplomatas burocratas, eu prefiro os intelectuais não pretensiosos, aqueles sabedores da modéstia do seu saber, e que procuram aumentá-lo sempre, pelas leituras, pelas viagens, pelo contato com as pessoas, pela abertura de espírito. Pois é de uma pessoa assim que eu quero falar, e agradecer o seu gesto.
O embaixador mais intelectual (que eu conheço) da excelente diplomacia lusitana, que nos legou a nossa boa diplomacia nacional – por vezes maltratada por sectários e aloprados – faz neste artigo uma pequena digressão sobre as minhas desventuras diplomáticas (elas são frequentes) entre um regime e outro. Francisco Seixas da Costa repercute no mais importante jornal português a minha exoneração do IPRI, o que converte o fato em ato internacional, como convém a um diplomata. Muito obrigado embaixador Seixas da Costa, grande amigo de tertúlias brasilienses, quando eu já estava na geladeira sob o lulopetismo diplomático. Parece que volto a ela, mas requentado por suas palavras generosas. Recomendo, por sinal, seu excelente blog Duas ou Três Coisas, que combina tudo o que gosto: cultura refinada, bom humor, curiosidade pelo que é novo, ou diferente, tolerância na política e uma leve ponta de contestação, que é disso que eu também gosto: https://duas-ou-tres.blogspot.com/
Paulo Roberto de Almeida
Opinião
Paulo Roberto de Almeida
Jornal de Notícias (Portugal), 5/03/2019
Paulo Roberto de Almeida é um embaixador brasileiro. Conheci-o quando por lá chefiei a nossa missão diplomática e ganhou a minha admiração pelo seu empenhado estudo da política externa do seu país.
É autor de uma bibliografia impressionante e mantém o blogue "Diplomatizzando", para mim de consulta diária.
O PT nunca gostou de Paulo Roberto de Almeida. A corrente dominante no Itamaraty, durante os anos de Lula e de Dilma, não apreciava minimamente o seu espírito independente, a sua leitura do que entendia serem os interesses permanentes brasileiros na ordem externa e da postura diplomática que considerava que melhor os defenderia. E ele pagou, em termos de carreira profissional, onde já tinha tido postos muito importantes, um forte preço por isso. A defesa de uma diplomacia não ideológica não caía bem num Itamaraty que, manifestamente, não ia por esse caminho.
Em face da nova situação instalada no Brasil, após as últimas eleições, fiquei curioso sobre qual iria ser o futuro de Paulo Roberto de Almeida. Desde cedo, tive um pressentimento: se, com a Esquerda no poder, o Paulo fora adepto de uma diplomacia não sectária e sem viés ideológico, seguramente que o não via a favorecer o enviesamento extremo, mas de sinal contrário, que agora passou a dominar o discurso e a prática da política externa brasileira.
Não me enganei. Paulo Roberto de Almeida, um democrata corajoso e um cidadão que pensa pela sua cabeça, tem uma perspetiva elaborada sobre a postura brasileira na ordem externa, que não passa pela adesão a ondas cíclicas de fervor ideológico. A sua conhecida liberdade e independência de pensamento não parecem compatíveis com a orientação, extremada e radical, a que o Itamaraty está a ser sujeito nos últimos tempos.
O embaixador Paulo Roberto de Almeida acaba de ser demitido pelo Governo Bolsonaro do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, horas depois de ter reproduzido no seu blogue, sem comentários, três artigos sobre a atual política externa do Brasil face à Venezuela: um de Rubens Ricupero, uma imensa figura da diplomacia brasileira, outro do antigo presidente Fernando Henrique Cardoso e, finalmente, um outro do atual ministro das Relações Exteriores.
Deixo ao Paulo Roberto de Almeida o meu abraço amigo e solidário, num tempo que imagino difícil. Ele sabe bem, contudo, que eu respeito sempre a velha quadra popular portuguesa:
"Por me veres em baixo agora /
Não me negues a tua estima. /
Os alcatruzes da nora /
nem sempre andam por cima".
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