quinta-feira, 7 de março de 2019

How much you make? Quanto dinheiro você faz? - Roberto Macedo

Mais ‘poupancicultura’ para o Brasil prosperar

Ampliar a poupança bem investida é o caminho da prosperidade

Roberto Macedo
O Estado de S. Paulo, 7/03/2019

“Poupancicultura” é um neologismo com duplo significado. Um é o da cultura da poupança, integrada a padrões culturais de comportamento, crenças e outros aspectos que distinguem uma pessoa ou grupo social, e se desdobram no plano das suas instituições. No outro, o cultivo da poupança é comparado à agricultura, ao investir bem o dinheiro poupado. À maneira de sementes que, cultivadas com fertilizantes de bons hábitos financeiros, e defensivos contra tentações consumistas e desperdícios, levarão a bons resultados. 
Andando por aí vemos lojas, shoppings, oficinas, fábricas, escolas, hospitais, fazendas e outras edificações a produzir bens e serviços. Quanto maior a sua produção e a produtividade lá dentro – de seres humanos à de máquinas e equipamentos –, maior será a prosperidade de pessoas, famílias, comunidades, cidades, regiões e do País. 
Como tudo isso foi construído? Sucessivas gerações não consumiram tudo o que produziam, poupando parte para ampliar sua capacidade produtiva. Por exemplo, quem só plantasse milho não prosperaria se o consumisse todo, exceto as sementes para a safra seguinte. Para prosperar teria de poupar mais sementes e/ou, via inovações, buscar outras mais produtivas. Inovações envolvem investir tempo poupado, e também recursos de poupança. Ao investir, pode-se também usar financiamentos, mas seu custo seria mais baixo com mais poupança financeira, e lá na frente será necessário poupar para pagá-los. 
Ainda existem pessoas que produzem individualmente algo tangível como o milho. A maioria das demais trabalha em várias atividades, recebe seus rendimentos e o caminho da prosperidade é o mesmo. Primeiro, não consumir tudo o que recebem. Poupada uma parte, precisa ser bem investida, e há alternativas, como o investimento financeiro, mas é preciso que siga para algo produtivo. No Brasil o governo absorve grande parte desse dinheiro, que vem da poupança de famílias, empresas e outras instituições, mas investe muito pouco dessa poupança, fazendo assim uma despoupança que prejudica o crescimento econômico do País. 
Outra possibilidade é adquirir bens, como um imóvel, que mesmo usado como casa própria rende implicitamente o aluguel que economizou. E serviços, como os de educação e saúde, que mantêm e/ou ampliam nossa capacidade produtiva. A educação a valoriza e credencia a uma promoção no trabalho ou a um emprego melhor. Com ela e de olho no mercado, inovações e o empreendedorismo também trazem ganhos de renda. 
O norte-americano Bill Gates, um dos homens mais ricos do mundo, quando aluno de graduação na Universidade Harvard (EUA), passou a desenvolver softwares que levaram ao enorme desenvolvimento dos computadores de mesa, mais tarde dos portáteis e, mais recentemente, aplicáveis aos smartphones. 
O que fazia e faz com o dinheiro que lhe cabe de sua empresa, a Microsoft? Se pensasse em consumi-lo todo ou em grande parte, não teria levado adiante seus projetos, pois ela estava e ainda está sempre precisando de mais recursos parasoftwares inovadores, contratar gente, comprar equipamentos e tudo mais que for necessário para a empresa crescer. Ou seja, ele poupou e poupa muito, investe muito e bem. Do contrário, perderia para a concorrência. 
Lições básicas: 1) quem trabalha como assalariado precisa poupar e bem investir para prosperar; 2) quem tiver um negócio, para fazê-lo crescer, precisará poupar boa parte dos ganhos e bem investi-los; 3) quem herda negócio da família, para mantê-lo, deverá poupar parte dos lucros, e não dilapidar o patrimônio, pois terá de investir para inovar, enfrentar a concorrência e a depreciação do capital fixo do negócio, na forma de suas máquinas, equipamentos e outras instalações; 4) em qualquer caso, a poupança bem investida é indispensável para a prosperidade; 5) governos também precisam poupar e bem investir, ou ao menos não atrapalhar esse processo, como no Brasil. 
Gates é um caso raro de enorme e rápido sucesso empresarial. O mundo das pessoas comuns, tipicamente assalariadas, é o do mercado de trabalho em que estão ou precisam se inserir, que disputarão com outras pessoas, sendo indispensável poupar e investir em novas qualificações, necessidade ampliada pelos avanços das tecnologias de informação e comunicação. Ademais, precisam viver dignamente como seres humanos, tendo onde morar e como cuidar do sustento próprio e da família, da educação e da saúde de seus membros, além de pensar na longevidade e sua(s) aposentadoria(s), e em cuidar de problemas de saúde que virão. E a lista poderia prosseguir, com atividades culturais, de lazer e outros itens. Sem poupar e bem investir, o futuro ficará comprometido e, na velhice, em condições abjetas. 
Estatísticas mostram que no Brasil a poupança total, que inclui a pessoal, familiar, empresarial e governamental, é baixa. Os investimentos, também. No governo, como visto, ela é até negativa. Olhando o mundo, os países que mais crescem estão no Sudeste Asiático e se destacam entre os que mais poupam e bem investem. 
Em contraste com essa imensa importância da poupança bem investida, aqui pouco se fala de difundi-la e ampliá-la e muito na necessidade de mais investimentos. Mas como custeá-los? Entram recursos externos, mas não se pode ficar dependente deles, pois são insuficientes para as necessidades, correm o risco de instabilidades e atendem às conveniências dos investidores, e não necessariamente do País. 
O empresário Antonio Cabrera, ex-ministro da Agricultura, observou que nos EUA se fala muito em fazer dinheiro. Aqui, em ganhar dinheiro. Acrescento: se possível, sem maior esforço. “Poupancicultura” é fazer dinheiro. Assim, cabe um grande esforço para difundi-la e ampliá-la no Brasil. 

* ROBERTO MACEDO É ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP, CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.