Riscos reais na política externa
Os erros de política externa já foram tantos em tão pouco tempo que é preciso estar atento aos próximos riscos. Em um texto profundo e forte, o embaixador Rubens Ricupero analisa o resultado da combinação entre “a inépcia diplomática com a excentricidade ideológica” do governo Bolsonaro e alerta para o mês de março, quando haverá a visita do presidente aos Estados Unidos e a Israel.
Ricupero diz que decisões de “implicações gravíssimas para a segurança e interesses nacionais são anunciadas e suspensas com leviandade reveladora da irresponsabilidade de seus autores”. Nessa lista ele coloca a oferta de uma base militar aos Estados Unidos, a mudança da embaixada brasileira em Israel e a retirada do Brasil do Acordo de Paris. A análise, Ricupero apresentou na Casa das Garças.
Uma base militar, diz ele, é um enclave de jurisdição estrangeira no território nacional. E esse assunto surgiu durante a conversa entre o assessor John Bolton e o presidente Bolsonaro. Em quase 200 anos de vida independente, lembra, a única vez que isso aconteceu foi durante a Segunda Guerra. Foi cogitado sem qualquer avaliação das graves implicações para o país. Os militares impediram que isso fosse adiante.
A transferência da embaixada brasileira, sobre a qual sempre se fala no atual governo, seria para atender “ao setor mais obscurantista e retrógrado das seitas evangélicas”. O Brasil sempre defendeu que a definição da capital deveria ser resultado de negociação entre israelenses e palestinos. Se a intenção se confirmar, “passaríamos a ser vistos como aliados do lado israelense, inimigos dos palestinos e de uma saída negociada e pacífica para o conflito no Oriente Médio”.
Isso teria efeitos concretos. Mais de 49% do total das vendas brasileiras de proteína animal se destina a mercados árabes e ao Irã. “Ainda que a medida não se concretize, o simples anúncio seguido de incontáveis idas e vindas cria a sensação de governo errático e não confiável.” Os exportadores têm impedido a confirmação dessa decisão.
O embaixador diz que a reputação brasileira sai ainda mais avariada do anúncio, e depois recuo, de sair do Acordo de Paris. Quando falou do assunto, o presidente Bolsonaro alegou que o Acordo estaria impondo ao Brasil “metas inatingíveis”. Como bem lembrou Ricupero, as metas chamam-se NDCs, “Contribuições Determinadas Nacionalmente”, porque são voluntárias, cada país oferece o objetivo que quer atingir. “A segunda razão invocada pelo desinformado presidente é que o Acordo forçaria goela abaixo do Brasil algo misterioso intitulado Corredor Tríplice A”. Essa ideia do americano naturalizado colombiano Martin von Hildebrand, de preservar uma área de 200 milhões de hectares dos Andes até o Atlântico através de terras de oito países amazônicos, nunca saiu do papel e jamais foi discutida no Acordo de Paris. As lideranças do agronegócio impediram a saída do Acordo. O governo cedeu a contragosto e disse que fica “por ora”.
O Brasil foi um dos principais “artífices” do Acordo, porque é visto como uma potência ambiental. “Como classificar uma diplomacia que joga fora esse ativo na questão que constitui a mãe de todas as ameaças?”
Em comum nos três casos está a adesão à agenda de Donald Trump, “de maneira mecânica e caudatária”. Ele registra que em menos de dois meses o governo Bolsonaro demoliu a política externa que vem sendo mantida no Brasil desde o governo Geisel. “Os entusiastas do alinhamento não vão demorar a descobrir que os americanos são amos insaciáveis e intratáveis, que exigem adesão total e sem reservas”.
Ricupero relata que o chanceler Ernesto Araújo compareceu a uma reunião em Varsóvia para apoiar os EUA nas sanções contra o Irã. França e Alemanha boicotaram o encontro, que foi um fracasso. O que o Brasil tem a ganhar com isso não se sabe, mas “o Irã representa 7% do total das exportações brasileiras de carne e no ano passado vendemos aos iranianos US$ 1 bilhão de milho”.
O risco maior contudo é o estremecimento da relação com a China, com quem, a propósito, os Estados Unidos já estão se compondo. Esta semana os EUA adiaram o aumento das tarifas, e a China anunciou que comprará mais dos Estados Unidos. E o que a China compra dos americanos? Exatamente as mesmas commodities que exportamos para os chineses. Que nas viagens de março alguém contenha o presidente e seu chanceler.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
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Addendum:
Transcrevi a palestra de Rubens Ricupero neste meu blog, neste link:
https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/02/rubens-ricupero-palestra-sobre-politica.html
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