Rubens Barbosa, O Estado de S. Paulo, 12/03/2019
SERGIO
CORREA DA COSTA
O centenário
de nascimento do embaixador Sérgio Corrêa da Costa, em 19 de fevereiro, nos
permite rememorar algumas das facetas de um dos mais importantes representantes
de uma geração de diplomatas que marcou de forma indelével sua passagem pelo
Itamaraty. Correa da Costa, junto com Roberto Campos, Azeredo da Silveira,
Ramiro Saraiva Guerreiro, Gibson Barbosa, Vasco Leitão da Cunha, Jorge Carvalho
e Silva, Mozart Gurgel Valente, Miguel Ozorio, Antonio Correa do Lago, entre
outros, deram sua contribuição para que a Chancelaria brasileira se afirmasse
como uma instituição a serviço do Estado, acima de partidos ou de ideologias.
Diplomata de
carreira, mas com interesses que iam além das atividades como servidor público
exemplar, atuou como consultor no setor privado e tornou-se respeitado como
intelectual e historiador.
Conheci
Correa da Costa quando chegou a Londres em 1968 para chefiar a embaixada junto
a Corte de Saint James, onde eu começara a servir no exterior com o embaixador
Jaime Chermont. O novo embaixador chegava do Brasil tendo deixado a Secretaria
Geral do Itamaraty.
Estávamos no
governo Costa e Silva e o Ministro era Magalhães Pinto. Como Secretario
Geral, Corrêa da Costa ousou ser avançado para o seu tempo, onde os
radicalismos internos e externos em tempos de Guerra Fria, deixavam pouco
espaço para posições independentes. Na defesa do interesse brasileiro, superou
facciosismos políticos internos e articulou a volta de cientistas que se
exilaram no exterior. Entre outras iniciativas, foi um pioneiro na defesa do
interesse brasileiro na energia nuclear e seu grande estimular Deu
grande ênfase ao planejamento diplomático com o apoio de brilhantes diplomatas
como Paulo Nogueira Batista e Ovidio de Andrade Melo.
Depois de
Londres, serviu como embaixador do Brasil nas Nações Unidas e Washington, onde
também deixou sua marca. Aposentou-se em Washington em 1986. Aí passou a trabalhar na empresa de consultoria de Henry
Kissinger - Kissinger Associates e deu aulas de História do Brasil na
Universidade da Carolina do Norte. Posteriormente foi viver em Paris, onde
trabalhou como advogado internacional no escritório Coudert-Freres e atuou como árbitro, em litígios submetidos à apreciação
da Câmara de Comércio Internacional.
A designação
do diplomata, no inicio de sua carreira, em 1940 para trabalhar no Arquivo histórico
do Itamaraty foi um fator acidental que teve grande influência na sua formação
e pelo seu gusto pela história, Ali instalou, como ele mesmo dizia, uma 'tenda
de trabalho'. Sua pesquisa nos arquivos do Itamaraty resultaram em intensa
produção intelectual. As Quatro Coroas de D. Pedro I (1940) e D.
Pedro I e Metternich (1942), A Diplomacia Brasileira na Questão de
Letícia (1942), sobre o diferendo entre a Colômbia e o Peru e A Diplomacia do Marechal - Intervenção estrangeira na revolta da Armada
foram escritos nesse período.
Correa da
Costa sempre atuou guiado pelo que Machado de Assis chamou de “instinto de nacionalidade”. Não apenas contribuiu para
dar conteúdo e sentido à temática nacional, mas, sobretudo, viveu intensamente
a sua época. Tanto na diplomacia, como na cultura e na história.
Em
Paris, na veia de historiador, publicou Brasil, Segredo de Estado (2001) e Crônica
de uma Guerra Secreta: Nazismo na América (2005). Ao mesmo tempo, dedicou-se
a uma pesquisa original sobre a presença de palavras estrangeiras em diferentes
idiomas. Esse trabalho trouxe um novo elemento a esse debate sem precedentes: o
estudo da globalização lexical, filão até então pouco examinado. No final de
1999, foi publicado na França, e depois no Brasil, Mots sans Frontières
- Palavras sem fronteiras. Pela originalidade e por mostrar até aquele
momento a força do idioma francês, o trabalho recebeu, por indicação do
Instituto de França e da Academia Francesa, o grande prêmio da Fundação
Príncipe Louis de Polignac, do Principado de Mônaco.
Na
diplomacia, a palavra tem um
significado muito sutil e delicado. É um instrumento de trabalho refinado e com
muitas implicações para o entendimento entre as nações, para a paz e para as
disputas politica, comerciais e bélicas. Correa da Costa foi um militante
da globalização da palavra. Depois de ser apresentada na Academia Brasileira de
Letras (ABL) no Rio de Janeiro e no Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, a
exposição Palavras sem Fronteiras foi acolhida no Itamaraty em 2018 e saudada
pelo Ministro Aloysio Nunes Ferreira.
Em agosto de 1983 foi eleito
para a cadeira número sete da ABL, que tem por patrono Castro Alves. Em seu discurso de posse, não se esqueceu do Itamaraty, lembrando que a “tradição da
Chancelaria consiste em identificar em cada momento histórico os interesses
nacionais a defender. A constante preocupação com o Brasil perante o mundo e a
busca permanente de meios para bem cumprir sua missão valeram justamente ao
Itamarati a qualificação de “estado-maior civil da Nação”.
Em Paris, seu apartamento se
transformou em um ponto de reuniões entre intelectuais brasileiros e franceses.
Durante mais de uma década, Sérgio Corrêa da Costa acabou sendo, na
pratica, o representante da Academia Brasileira de Letras junto à sua congênere
francesa,. Tornou-se amigo de Maurice Druon, secretário perpétuo da Academia
Francesa, que tinha, como ele, raízes maranhense, de Helène Carrère d´Encausse,
sua sucessora e também de Philippe Rossillon, o secretário-geral da União
Latina.
Homem do
mundo, Correa da Costa, servidor do Estado, é um exemplo para as novas gerações
de diplomatas que deveriam também reafirmar sempre seu “instinto da
nacionalidade“, em uma instituição de excelência, como o Itamaraty.
Rubens
Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres e Washington
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