quinta-feira, 11 de abril de 2019

Chefia do Itamaraty veta escolha dos alunos para paraninfo da formatura do Instituto Rio Branco

Itamaraty veta homenagem de formandos a diplomata desafeto dos EUA

Turma do Instituto Rio Branco convidou José Maurício Bustani como paraninfo; Itamaraty nega ingerência

O comando do Itamaraty, chefiado pelo ministro Ernesto Araújo, interferiu na formatura dos alunos do Instituto Rio Branco deste ano e vetou uma homenagem que os formandos planejavam fazer ao embaixador aposentado José Maurício Bustani.
Os alunos da escola de formação de diplomatas do Itamaraty formalizaram em fevereiro o convite para que Bustani fosse paraninfo da turma, em reconhecimento ao período em que ele chefiou a Opaq (Organização para a Proibição de Armas Químicas), uma agência da ONU.
Mas a indicação foi barrada pela cúpula do Itamaraty, segundo relataram diplomatas à Folha. Bustani confirmou a informação.
Segundo esses diplomatas, que pediram anonimato por temerem represálias na carreira, a seleção de Bustani como paraninfo criaria uma saia justa para Araújo e para o presidente Jair Bolsonaro, uma vez que é tradição que o mandatário compareça à cerimônia de formatura do Rio Branco.
Isso porque embaixador aposentado protagonizou um conflito no passado com John Bolton, hoje conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca e um dos principais interlocutores entre os governos Bolsonaro e Trump. 
Em nota, o Itamaraty negou a ingerência e disse que nem Araújo nem a alta chefia da casa tiveram informação sobre o convite feito a Bustani.
Diplomata de extensa carreira, Bustani foi forçado a deixar a direção-geral da Opaq em 2002 por pressão direta de Bolton, então subsecretário para controle de armas e segurança internacional do governo George W. Bush.
Bustani argumentava que o Iraque de Saddam Hussein não possuía um arsenal químico. A existência dessas armas foi o principal argumento dos EUA para invadir o Iraque em 2003. Posteriormente, ficou provado que o ditador não tinha esses armamentos.
Questionado pela Folha, Bustani disse que de fato foi procurado em fevereiro por alunos do Rio Branco, que lhe fizeram o convite para ser paraninfo. A justificativa dada pelos alunos para a escolha, relatou Bustani, foi seu desempenho à frente da Opaq.
O embaixador aposentado disse aos alunos que aceitaria a homenagem, mas pediu que eles primeiro consultassem as “instâncias superiores” do ministério. 
“Eu disse para que eles primeiro verificassem dentro da casa [Itamaraty] qual a repercussão, se seria uma coisa viável ou não. Porque eu não queria criar nenhum problema para a turma, não queria que ela ficasse marcada por um confronto ou qualquer coisa do tipo”, afirmou Bustani. 
“Algumas semanas depois eu recebi a comunicação de que realmente o meu nome não tinha sido aprovado. Ponto. Não disseram nem onde nem porquê”, concluiu.
A assessoria de imprensa do Itamaraty informou que a turma escolheu a embaixadora Eugenia Barthelmess como paraninfa.
Passados mais de 16 anos desde a saída de Bustani da Opaq, Bolton é hoje um dos principais auxiliares de Trump nas áreas de relações exteriores e de defesa.
Antes de 1º de janeiro, Bolton viajou ao Rio de Janeiro e se encontrou com Bolsonaro, então presidente eleito. Ele é um interlocutor de Araújo, com quem se encontrou quando o chanceler viajou a Washington, em fevereiro, para preparar a visita presidencial aos EUA. 
Bolton é um dos representantes da ala mais linha-dura do governo americano. Ele já classificou, por exemplo, os regimes de Venezuela, Nicarágua e Cuba como “troica da tirania” no continente.
As turmas do Rio Branco são formadas por diplomatas em início de carreira, que passam por um período formativo no instituto antes de começarem a trabalhar no ministério.
Os diplomatas que se graduam neste ano estiveram dois semestres na escola, que entre outras áreas dá aulas de planejamento diplomático e história da política externa brasileira. 
Após o início de sua gestão, Araújo estendeu para três semestres a duração do curso.
Todos os anos, os formandos escolhem um paraninfo, que é um diplomata sênior admirado pela turma, e um patrono, que também vira o nome da turma. 

Em 2018, ainda no governo do ex-presidente Michel Temer, os diplomatas escolheram como patrona Marielle Franco, vereadora no Rio de Janeiro e militante dos direitos humanos assassinada em março daquele ano.

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