Nosso astronauta continua no espaço, privilegiando o marketing pessoal
Wanderley de Souza (UFRJ)
O Globo, 18/08/2019
Após sete meses de governo já é possível identificar uma certa heterogeneidade na performance dos ministros que compõem a equipe do presidente Bolsonaro. Alguns vêm apresentando um bom desempenho, ainda que possamos discordar filosófica e ideologicamente de certas ações. Há, no entanto, outros que claramente comprometem o desempenho do governo, criando sérios problemas internos e externos, como é o caso dos ministros do Meio Ambiente, da Educação, das Relações Exteriores e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.
Pelo fato de que minha atividade profissional trafega principalmente pela área da Ciência e Tecnologia, comentarei aqui a performance do ministro Marcos Pontes, cuja avaliação pela maior parte da comunidade científica é a pior possível. Nosso astronauta continua no espaço (aliás termina suas mensagens com “saudações espaciais”), privilegiando o marketing pessoal e as viagens internacionais. Dá muita pouca atenção às agências de fomento do ministério, tais como CNPq e Finep, instituições que são até mais relevantes para a comunidade científica do que o próprio ministério. Não tem mostrado capacidade de recuperar o orçamento do MCTIC. Não é reconhecido como cientista pela comunidade científica. Não tem experiência de gestão e não tem prestígio político. Faz, no entanto, excelente marketing pessoal.
Em poucos meses, ele teve dois tropeços graves com a comunidade científica. Primeiro, atuou no sentido de esvaziar a Finep, retirando-lhe a gestão do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico. Graças à intensa atuação da comunidade junto ao Congresso Nacional, esta catástrofe foi evitada. No entanto, a atual paralisia da Finep abre flancos para a sua extinção no processo de mudanças capitaneadas pelo Ministério da Economia e que deverá ter início logo após a aprovação da reforma da Previdência.
Mais recentemente, o ministro mostrou completa inabilidade ao lidar com a questão dos dados fornecidos de forma profissional e competente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), exonerando o seu diretor, professor Ricardo Galvão, um dos mais conceituados pesquisadores brasileiros. Neste episódio, não teve a capacidade de conciliar a posição claramente equivocada do ´presidente Bolsonaro, exposta da forma peculiar, que o caracteriza, com a posição firme e indignada do nosso grande físico.
No campo sensível do desmatamento, não foi este o primeiro episódio de desencontro entre o Inpe e o governo. Certamente também não será o último. Vivi situação semelhante em 2003 quando os dados divulgados pelo Inpe não agradaram ao então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Naquele momento eu ocupava interinamente o cargo de ministro do MCT (o ministro Roberto Amaral estava no exterior) e fui acionado pelo referido ministro de forma elegante, para esclarecer os dados rapidamente. Marcarmos uma reunião no Palácio do Planalto com a presença da ministra do Meio Ambiente à época (Marina Silva e sua equipe) e fui acompanhado pela equipe do Inpe. Os dados foram apresentados e discutidos e as dúvidas esclarecidas, levando à tomada de posições importantes para reduzir o processo de desmatamento. Ninguém precisou ser admoestado nem exonerado. Cabe aqui destacar que desde o governo FH os dirigentes dos institutos do MCTIC são escolhidos mediante um processo equivalente a um concurso público, onde os candidatos a diretor são examinados por um comitê de alto nível que elabora uma lista tríplice levada ao ministro. Este então nomeia o diretor para o exercício de um mandato de quatro anos, como é praxe nas instituições acadêmicas.
A exoneração do diretor do Inpe vem macular este inovador processo de escolha dos dirigentes, constituindo um ato arbitrário e autoritário, de claro desrespeito ao processo de escolha, criando um precedente perigoso. Ficou a mensagem de que se um diretor tiver posição que não agrade ao governo, pode ser sumariamente dispensado, o que fere a credibilidade do processo. No presente episódio, claramente, o ministro optou pelo mais conveniente para sua permanência no cargo, evidenciando claramente que não é da comunidade científica, ampliando significativamente seu distanciamento desta comunidade. Gradativamente, está se tornando persona non grata ao setor e sua permanência neste momento me parece altamente negativa para o governo como um todo.
Wanderley de Souza é professor da UFRJ e foi secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia e presidente da Finep
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